31.3.09
Out of time
Pensamento do dia
30.3.09
29.3.09
28.3.09
The right stuff
(...) Portanto, tendo em conta o que lhe disse, como se chama um agrupamento de palavras, ou lexemas, como este? É uma combinatória lexical. Óptimo, não se esqueça da terminologia, voltaremos a ela, entretanto, esta sua combinatória em particular, parece-lhe acertada? Não. Porquê? Porque não é comum, tem uma formulação imprecisa e não serve o propósito que devia servir. Nomeadamente? Nomeadamente que o leitor percebesse a minha argumentação, este é um texto expositivo. Certo. Não se esqueça de que as combinatórias existem por uma razão: elas possuem uma função, que é a de facilitar a compreensão e a empatia com o leitor; por isso deve para já usar combinatórias que sejam familiares e não estas 'coisas' que escreve, mas isso só por si não basta, certo? Certo, as combinátórias devem ser correntes mas necessitam também de ser coerentes para com o sentido comunicativo que ajudam a concretizar. Correcto. Bom, combinatórias lexicais já está e ainda temos tempo para fazer umas flores, viu que combinatória feliz? Vi, senhor Lúcio, "fazer umas flores", mas, hum, é pouco comum. Funciona ou não? Funciona. Isso, fazer umas flores, habitue-se às combinatórias lexicais e a pensar nelas antes de escrever porque a elas voltaremos nas suas próximas dissertações. Como ainda temos 20 minutos, passemos agora para as cadeias referenciais; inicia este parágrafo utilizando a palavra, o lexema, já agora, «esta». O que é e para que serve o lexema «esta»? É um pronome demonstrativo. Muito bem. Para que serve? Serve para demonstrar algo relativo ao nome. É por aí, é por aí, mas, em linguística funcional, os pronomes demonstrativos, esta, aquela, esse, etc, enquadram-se numa categoria de lexemas mais abrangente cujo conhecimento e domínio é fundamental para a coesão de qualquer texto. Devidamente enquadrados e interligados entre si, os referentes constituem uma CADEIA REFERÊNCIAL. Já lhe explico. O pronome «esta» é um REFERENTE da cadeia referencial. Tem como intuito fazer referência a algo sobre o qual falou no parágrafo anterior e que pretende retomar no presente páragrafo. Então, e em relação ao parágrafo anterior, onde fala de tantas coisas e de tantos atributos das coisas, a que é que o lexema «esta» se refere, ao certo? Explique-me, sou todo ouvidos... (...)
27.3.09
Olhos postos em Melbourne
O grande circo está de volta e logo na primeira sessão de treinos livres Hamilton é apanhado a comunicar via rádio com a sua boxe: 'The car's bottoming out, I can barely see the marker boards.' De volta à pista, a velocidades de 300 km/hora, o jovem lobo Rosberg e o veterano Barrichello discutem o tempo mais rápido.
26.3.09
The right stuff
List der Vernunft - versão final
Para quê é que hás-de ler o que diz um matarrulano da construção civil que assina Lúcio Ferro? Lúcio Ferro, pois, pois, o que um gajo que assina Lúcio Ferro quer é figos, figos e mais nada, o grande espertalhão, o grande vivaço. Pois, pois…
E depois, tu até tens uma estante tão bonita e tão bem recheada com os clássicos da Filosofia, da Pintura, da Literatura Universal! Os teus figos derretem-se todos com a tua erudição, não é, meu? Pois claro que sim, claro que se derretem, não é?
Não pá, estás equivocado, eles não percebem as tuas «erudições e como não te percebem as «erudições» esses figos não te chegam, mas tu acabas por não ler bem a coisa e depois vens mandar umas bocas, verniz com os porcos, à Silvester Stalone da Literatura de cordel e como os teus figos não te chegam, não sabem a nada, sentes-te mal pá, sentes-te mal e sentes a bílis, e é uma chatice e então, pimba, malhas no trolha, quem é que esse filho da mãe julga que é? Quem?!?
Olha-me esta, um trolha de merda a bater-se a figos doces que até eu gostava de comer, mas não tenho arte ou habilidade para o fazer…
Pois é pá, não lês bem a coisa e entretanto deixas de ler por completo. Julgas que um gajo só tem de ler as cotações da bolsa e o Expresso aos fins-de-semana e depois, olha, «é assim», como diz a malta que tanto desprezas.
Ler que leiam os outros, não é filho? E de preferência livros de meretrizes ou alternadeiras ou carolinas ou o diabo que os carregue que é para ficarem sossegadinhos, muito sossegadinhos, muito, enquanto tu e gajos como tu tocam esta porcaria de país para a frente (oh, como é bom ser da elite, como é bom nascer em berço de ouro, n'est-ce pa?), que a Literatura para as massas é a das meretrizes ou a das meretrizadoras e assim é que é bonito e tu tens mais o que fazer.
Mas olha que, se calhar, se calhar incorres em erro, meu. As aparências desiludem. Às vezes é precisamente nos livros de meretrizes que tu podes encontrar o mais fiel retrato do mundo em que vives e olha que os trolhas não são tão parvos como parecem. Julgas o quê? Julgas que tiras assim a pinta aos gajos, com essa arrogância, com esse teu desdém blasé de quem tem amigos bonitos, de quem tem uns dinheiros, de quem tem uma estante recheada de séculos e séculos de sabedoria?
Põe-te fino meu menino, por cá ainda anda tudo entretidinho a jogar aos figos amargos, mas vê bem os gajos lá do Médio Oriente? Tu estás a ver o filme, estás? «Full Metal Jacket», dá-lhe «Full Metal Jacket» e se for só isso vamos cheios de sorte, apre!
Mas olha que a tipa gosta que a leiam, pá. Por enquanto, a gaja vai-se conformando e aceitando que ao invés de a leres lhe dês perfumes caros e umas fodazitas ao fim-de-semana. Mas põe-te a toques, meu. Não tarda muito os perfumes perdem o odor e as fodas a graça e ela gosta mesmo é que a leiam. Gostam todas, todas as que valem a pena, já devias saber isso, e olha que a tua gosta de ti e quer que sejas tu o bibliotecário. Se te demites dessas funções, mais tarde ou mais cedo estás lixado. Por isso, não te esqueças, vai lê-la. Só te digo, se não o fizeres, quem ainda o faz sou eu, com ou sem "List der vernunft" de permeio. Com ou sem “list der vernunft”. Entendido?
Entre uma missão e outra
Ao longo da vida falhei inúmeras vezes. Falhei no casamento, falhei na amizade, falhei na profissão. Falhei até naquilo em que mais ambicionava ser bem sucedido e onde fico sempre aquém do que ambiciono. A minha riqueza é essa, sou rico em falhancos. É por isso que me dá tanto gozo viver. Se não fosse um falhado nunca poderia ambicionar ser bem sucedido.
Pensamento do dia
Countdown - 3
25.3.09
Chickens...
24.3.09
Terno azul
Já cá fazias falta. É uma obra de arte esta canção. O sortilégio da música está impregnado no módulo da pasta em tons de madeira do IKEA e a nave espacial ainda não se soltou do cais que se despega das colunas cinzentas da memória e dos cemitérios que nos proporciona a guitarra da sala de jogos dum cabaré escuso. Tudo flui aqui, a água suja do Tejo, o sermos sempre assim, o against all odds característico dos jogadores de poker, da Tess, o desejar boa sorte gingando o samba, o tango com a Rosa nos dentes, it takes two, o sim, o não e até as cartas para a Dora. A fugidia da Dora e mais o terno. Sim, mais o terno. O teu elegante terno azul.
Foto via Shoot to kill.
Incomunicado
Aqui estou eu, um profissional da comunicação que utiliza todos os dias, que estuda há imenso tempo, que reflecte sobre ela a cada momento e dou por mim a chegar à conclusão de que ou não sei comunicar ou então que é a comunicação que é um enigma do caraças. Fora dois ou três amigos, com os quais quase não preciso de dizer nada, o entendimento é virtualmente telepático, muitas vezes não me consigo fazer entender e, o que é pior, não entendo o que me dizem. Claro que depende do tipo de informação que trocamos e da intenção do processo comunicativo em si, mas às vezes tenho de dar razão ao meu amigo Cabral que, na altura em que colaborava no Back to, uma vez se lembrou de escrever: 'Do we speak with each other or at each other?'
Pensamento da manhã
23.3.09
Pensamento da noite
What da fuck?
Oi Lúcio, sua mãe tá por aí? Oi Patrícia, não, a minha mãe saiu, foi às compras, só deve vir depois de almoço e eu também já estou de saída. Ora, precisava falar com ela; eu e o Peter separámos, sabia? Sim, sim, já me constou, lamento. Lamenta não Lúcio o Peter é um porco! Pois, Patrícia, não sei, é convosco. É um porco sim! Sabe o que ele fazia comigo? Patrícia, desculpa, prefiro não saber. Tá Lúcio, cê é boa gente, sempre me entendeu... Se tu o dizes... Olha, Lúcio... lembra daquela noite, depois do Natal, cê tava só, quando eu vim bater em sua porta?.. Lembro, lembro pois... Porquê tu me recusou nessa noite Lúcio, me acha feia?.. Ah, Patrícia, pelo contrário, és muito bonita, gostosa por demais, e talvez tivesse sido por isso... E se fosse agora, que tu fazia Lúcio? Fazia o mesmo Patrícia; exactamente pelo mesmo motivo e ainda mais por tudo o que estás a passar neste momento. Brigado Lúcio, cê é gente fina, cê é muito gente fina. Queria arranjar um cara como você...
Pensamento da manhã
There is one great thing that you men will all be able to say after this war is over and you are home once again. You may be thankful that twenty years from now when you are sitting by the fireplace with your grandson on your knee and he asks you what you did in the great World War II, you WON'T have to cough, shift him to the other knee and say, Well, your Granddaddy shoveled shit in Louisiana. No, Sir, you can look him straight in the eye and say, Son, your Granddaddy rode with the Great Third Army and a Son-of-a-Goddamned-Bitch named Georgie Patton!
General George S. Patton, 5 de Junho de 1944.
22.3.09
Snapshot: Bacalhau à lagareiro
Ela: ruiva, olhos verdes, 35, 37 anos, elegante, quase magra mas curvílinea qb, uns cinco centímetros mais alta do que ele, mesmo em sapatos rasos; Gostou? Estava bom? Ele: escanhoado, olhos castanhos a brilhar do verde e sorrisinho malandro no canto dos lábios; O bacalhau estava óptimo, mas do que gostei mais foi da vista... Ela: olhos a faiscar, de cima para baixo, maçãs do rosto ligeiramente ruborizadas; Sim? Então tem de voltar cá mais vezes... Ele: olhos inteiramente mergulhados nos dela, hipnotismo puro; Pois tenho, pois tenho, até para a semana então... Ela: refeita, já a desviar o olhar para outra mesa; Até para a semana, volte, ainda bem que gostou.
Laços invisíveis
Tudo correu bem até hoje de manhã; ficara alojado num dos anexos da casa principal e, quando ia para tomar banho, reparei que não tinha toalhas. A tiritar de frio (o anexo está sempre vazio e não fora aquecido na véspera) vesti as calças a correr e abotoei (mal) a camisa à pressa e lá fiz a pé os 20 metros que me separavam do edifício principal da quinta.
Ao entrar chamei pela minha mãe e pedi-lhe tolhas. Ela, reparando nos meus lindos preparos, gritou logo: Tu andas-me por aqui descalço?!? Vai já tomar o teu banho que eu levo as toalhas daqui a nada. Ó mãe, de-me as tolhas, não há problema, repliquei eu, ao que ela repetiu ainda com mais determinação: Não me andes por aqui descalço que te constipas! Vai já para o banho que eu levo-te as toalhas! E eu, que remédio, lá fui. Enquanto relaxava os últimos vestígios duma noite muito bem dormida no meu longo duche morno não pude deixar de esboçar um sorriso: em quase quarenta anos de vida, à excepção da minha avó e da minha mãe, não me lembro de mais ninguém que, por uma vez que fosse, se tivesse preocupado de eu andar calçado ou descalço.
21.3.09
20.3.09
Pensamento da tarde
19.3.09
I need a break
Words of beauty
Soul mates, when found, should not lose sight of each other. Soul mates have a mission on Earth, a mission ordained by God Himself; after all, there are no coincidences. The mission of soul mates is to blossom together. It is their God given duty to nourish within themselves the eminence of the other. These are merely the first words i write to you. And long may they excel in their task and reverberate the purity of our belonging! The first words are but first words and first words are here to stay. They will multiply, they will grow and they will become unite. They will flourish in words of beauty.
Back to the past
Escusado será dizer que este texto é fruto de uma pequena paixoneta que alimentei nos meus dias da faculdade. Na época, o meu melhor amigo dizia-me, «Hel, tu precisas é de conhecer outras miúdas, vais ver que te esqueces logo dessa chavala sem interesse nenhum. Precisas é de um bom broche». Por muito certo que estivesse, os seus conselhos costumavam acabar com «Precisas é de um bom broche», o que não lhe tira razão, antes pelo contrário. Pouco tempo depois, conheci uma miúda, que, felizmente, não visita este blog e que não me vai chagar o juízo por andar a postar textos sobre outras gajas. Adiante.
Vão ler o quinto texto de uma série de seis mas, embora tenha publicado os outros neste blog, este nunca veio aqui parar, devido a pruridos inexplicáveis. Hoje, publico-o, por várias razões: não tenho ideias para um post novo, sou demasiado preguiçoso para pensar numa e porque já não me revejo nele. Para todos os efeitos, foi um exercício literário que me deu bastante gozo e dou-o a ler, estimado leitor, para obter a sua crítica, construtiva de preferência.
É numa quente tarde de verão, em que as horas picam o sol num galope rápido, que volto a ter uma visão que recordo apenas num misto de sonho real e sensação de realidade, mas que a sei toda ela verdade. É apenas mais uma esplanada, perdida algures em Lisboa, onde a mulher dos finos dedos longos e dos inebriantes caracóis negros está sentada, outra vez só, levando a pequena colher à boca em cíclicos gestos pausados e tranquilos. Deleita-se com um gelado que lhe adoça de chocolate e amêndoa os lábios e que se derrete num espasmo de língua. Desta vez, lamentando apenas não poder descansar sobre a suavidade dos ombros, a cabeleira de canudos negros está ferreamente e contra sua vontade apanhada atrás, revelando um pescoço elegantemente esculpido que, fluindo das linhas finas do rosto, desemboca em ombros e braços despidos, aquecidos pelo sol estival.
Fecha os olhos e entrega o rosto tranquilo ao afago terno do sol. Provavelmente, é comprometida. Provavelmente, músico. Pianista. Daqueles tipos que arrotam lascívia disfarçada em pele de irritante sensibilidade poética embalada por um choro de teclas. Não consigo deixar de invejar o imbecil que a seguir afagará os braços mornos e provará o doce daqueles lábios de chocolate e amêndoa. Compreendo com surpresa dolorosa que estou a sentir ciúmes de uma mulher que não é minha, a quem nunca dirigi a palavra, de quem nem sequer sei o nome, e cujo único olhar que me lançou naquele dia no metro foi de indiferença ou frieza (não excluo a hipótese de cansaço).
Talvez sentindo-se invadida pelo interesse escrutador de um estranho, os olhos abrem-se num pestanejar desperto para esbarrarem de novo com os meus. Permito-me a ousadia do desafio. Num jogo de forças, mantém um olhar fixo e neutro nos meus olhos prenhes de decisão. Sem ceder, levanto-me, as pernas liderando, por entre cadeiras e mesas, um caminho sinuoso que parece já conhecerem. Ficam-se pelo parecer, pois esbarro com a canela, num bater de osso e metal, na quina de uma cadeira. O que começou por ser uma marcha confiante até à mesa dela - a única ocupada naquela pequena esplanada de mesas e cadeiras metálicas que reflectem de volta para o céu a luz branca do sol - mudou o passo estugado para um avanço prudente. A sua mirada não transparece convite, tão pouco um sentimento de invasão; apenas a curiosidade sincera e infantil dança no seu olhar como no de um gato tentando adivinhar para que lado vai o gafanhoto saltar em seguida. Abstraindo-me dessa imagem (até porque é tarde para saltar para trás), percebo que ela exibe uma expressão discretamente divertida, ainda esperando o desfecho da minha marcha de canela dorida. Não me admira que não seja o primeiro paspalho a tentar uma aproximação tão rude. Sento-me. Fitando-a, não demoro a atravessar uma realidade que se me tornou familiar naquele dia, quando a lagarta de aço carregava no seu ventre imundo espectros e sombras e, destacando-se deles, enchendo-me o olhar, um rosto de serenidade luminosa, num fechar de pálpebras, não tardou a revelar uma presença de olhos castanhos convidativos que me arrastou até si, apenas para me enrodilhar no aroma de cabelos negros e me hipnotizar com o som de um cantar brotando de lábios de chocolate e amêndoa, uns lábios que senti, mas não toquei, forçado a voltar ao cativeiro do corpo-prisão de onde viera. Não a encontrara no reino dos sentidos… Ela era sensação.
Ao terminar, foi o ridículo das minhas palavras que selou os meus lábios em compenetrada basbaquice. Eu, sempre cuidadoso e reservado no sentimento, esmagado por uma inocência tirana, deixei escapar um sonho por uma fresta incauta do espírito. O sonho regressa à inspiração original. Ela continua a fitar-me, impassível, envolvendo-me num olhar de lábios imóveis, os dedos fechados num delicado aperto sobre os braços nus e morenos de sol. Deixo-me extinguir pelos solitários olhos castanhos até que, aos poucos, vindo do fundo, vejo um verde de prudente tom desabrochar em luz para mim e para o mundo, arrombando as portas e invadindo o espaço deixado vazio no meu espírito pela partilha da revelação. Constrangido por uma cortina de embaraço que a mão do silêncio correu entre nós, noto o sangue acorrer-lhe às faces e as maçãs do rosto tornarem-se de um fogo escarlate, ainda por descobrir se de fúria indignada, se num recato de ansiosa timidez. Pela primeira vez, desvia os olhos dos meus, tarde encobrindo um verde que transbordou e desaguou no meu próprio olhar. Embriagado por um desejo insatisfeito, despojado de preconceitos e complexos, realizo no mundo das acções a expressão que me falta tornar real: o acto de um beijo roubado.
Ah!, e porque sim e porque me apetece, aqui está a música:
18.3.09
The right stuff
Bom, já que chegámos até aqui, faça-me um favor, leia esta frase que escreveu, mas em voz alta. Sim, senhor Lúcio: «Estes são exemplos que nos fazem viver, pois sugerem-nos algo, que nos posicionam a mente, de certa forma limpa.» Não acha que há algo aqui que não bate certo? Senhor Lúcio, então, os exemplos do texto fazem com a gente pense da forma mais correcta! Pois, mais ou menos é isso, mas enfim; e, gramaticalmente, não há nada nesta frase que escreveu que o perturbe?.. Tem razão, senhor Lúcio, não há concordância de número... Onde, meu caro, assuma-se como o homenzinho que é e que vai entrar na faculdade pelo menos com 16 valores a português!.. Desculpe, senhor Lúcio, onde é que errei, senhor Lúcio?.. Calma meu rapaz, peço-lhe desculpa, é um erro que todos cometem, desculpe o facto de às vezes ser tão cáustico consigo, é porque deposito imensas esperanças em si, continuemos, quero que me diga onde errou.
No verbo, senhor Lúcio?.. Não lhe vou dizer que sim ou que não. Explique-me, quero a sua explicação para esta burrada. Ó senhor Lúcio, eu acho, senhor Lúcio, que escrevi mal o tempo verbal, é isso? Bom, então, como é que se escreve o tempo verbal de forma correcta, meu caro? Escreve-se assim, senhor Lúcio: «Estes são exemplos que nos fazem viver, pois sugerem-nos algo, posicionam-nos a mente, de alguma forma limpa.» Muito melhor meu rapaz, muito melhor; como estamos de leituras: já leu o «Memorial do Convento»? Não tive tempo, senhor Lúcio, depois da festa estive com a minha namorada e ela acha que isto é perder tempo, desculpe senhor Lúcio.
Não teve tempo? Andava aos beijinhos, não é? Cale-se, não se enterre mais meu caro... Bom, sabe quando é o exame, não sabe? Sei, o senhor Lúcio já disse-me. Já lhe disse, meu caro, já lhe disse, caramba, deixe-se de merdas, quer ou não entrar na faculdade? Quero senhor Lúcio! E como é que se se escreve já lhe disse?.. Diz-se «já me disse», senhor Lúcio.
Muito bem. Aqui tem o seu trabalho de casa. Acha que estou melhor, senhor Lúcio? Depende, essencialmemente depende de si e... tenho uma útima pergunta antes de terminarmos a fazer-lhe: ouça lá, gosta da sua namorada?..
The right way
Não existem escolhas certas ou erradas, apenas algumas mais felizes do que outras. Mais interessante é muitas vezes acharmos as mesmas escolhas mais felizes em determinadas alturas e muito mais infelizes em outras. Que remédio temos nós, somos forçados a escolher em função daquilo que, num determinado momento, nos parece mais acertado, mas nunca possuímos todos os dados. Sim, podemos e às vezes devemos adiar a escolha (cuidado, nem sempre), pois isso nos permite recolher mais dados que nos permitam conjecturar das consequências da mesma. Por outro lado, uma escolha desencadeia sempre outras e atrás destas outras ainda, o que torna o processo muito mais melindroso e incerto.
Safei-te de boa
Tou, Lúcio, que sorte que ainda aí estás! Sim, diz, de que se trata? Concentra-te Lúcio, concentra-te um bocadinho pá, só um bocadinho que tens de ir ao meu gabinete procurar-me um número. Um número? Sim pá, depressa, um número que está no meu gabinete, estás a ver? Momento. Tou, Lúcio, já o encontraste, já encontraste o número? Mais do que um meu caro, muitos, ouve lá, um número de quê e enfiado onde, importas-te de me dizer? Epá, um número que está dentro dum dos processos, um dos mais volumosos. Meu, tens aqui para cima de 300 processos nas estantes, queres que os vá desfolhando, enquanto aguardas serenamente? Epá, não brinques com coisas sérias, abre o processo, é um grande, com cuidado que tem folhas soltas, isto tem de seguir ainda hoje, caso contrário estou lixado, preciso desse número, é um número numa folha A4 vermelha que está dentro do processo, um processo bem cheio, um dos mais volumosos!..
Folgo em sabê-lo. Então agora, acalma os cavalos e diz-me o número do processo, se fazes favor. É o 23 pá, é o 23! Aguarda. Epá, despacha-te pá, estou a ficar sem bateria e isto está para fechar! Ora, um papel vermelho no processo nº 23, correcto? Sim, com o cabeçalho vermelho, tem lá o número! Um papel vermelho... Será uma folha que diz United Credit Bank, a seguir a uns papéis do ICEP?.. Exactamente, isso mesmo! Vê lá o número, no canto inferior do lado esquerdo! Hmm... Olha, desculpa mas acho que não estou a ver número nenhum, não tem... Tem de estar aí Lúcio, no canto inferior esquerdo, Lúcio! Ah... Espera... Talvez seja isto, disseste que o número começava por?.. Peraí Lúcio, o número começa, deixa-me ver, começa por um, cinco, sete; sim, o número começa por um, cinco, sete. Ok, anota o número por extenso e confere: um, cinco, sete, três, dois, três, zero, três, dois zero, zero, sete, quatro, um.
Já tá, confirmado, epá, salvaste a pátria Lúcio, olha, eu vou enviar isto agora, tu vem ter comigo à Baixa e vamos cear aí a uma marisqueira que eu conheço, por minha conta! Não vai dar amigo, estou a trabalhar. A trabalhar, à noite? Oh, oh, oh, já não era sem tempo pá, e o que «trabalhas» tu?..
Currículos. Estou a preparar uma série deles, para uns clientes. Deixa-te disso pá, os currículos é tudo uma treta pegada, não sabes tu disso? E o que é que achas tu? Deixa-te disso, enfia-te no metro e vem mas é beber umas imperiais e petiscar um camarãozinho aqui à Baixa, anda lá.
Não posso mesmo mate, para além do mais já é tarde, fica para outro dia. Ah, compreendi, é preparação de currículo à séria, deve estar a ficar um belo dum currículo, para te trazer assim tão dedicado, tão bem comportadinho, tens de mo dar a conhecer... Lá vais tu, já todo lançado nas tuas costumeiras insinuações soezes, o que tu és é um crápula meu, mas diverte-te pá, até amanhã. Té amanhã Lúcio e... Obrigado.
17.3.09
Bonito serviço...
Quem não sabe o que é uma sms? Quem nunca enviou uma sms? Quem nunca disse «sim, envia-me uma sms a confirmar»? Confesso, pessoalmente detesto as sms, odeio-as, mas isso não vem para o caso, o engraçado no caso é como um contra-senso óbvio do funcionamento da linguagem se estabelece como norma para a cultura inteira, até para a que devia estar mais atenta. SMS é a sigla de Short Message Service ou Serviço de Mensagens Curtas e, que saiba, ainda andamos longe de enviar «serviços» uns aos outros, sejam estes grandes ou pequenos.
Spicing up
Boa tarde, entre, entre, o seu fim-de-semana, foi bom? Foi senhor Lúcio, fui àquela festa de que lhe tinha falado, que andava a organizar na minha terra, fui o mordomo. Óptimo, óptimo, deve estar contente e isso quer dizer que está no ponto ideal para receber as más notícias que tenho para si... Más notícias, senhor Lúcio? É verdade, é verdade, notícias muito desagradáveis sobre o seu trabalho de casa, se é que o posso designar assim, feito no joelho, não é? Senhor Lúcio!.. Acalme-se, nada está perdido, o mensageiro não tem culpa e já lá iremos, já lá iremos, sente-se.
De manhã
Tu dizes que sim, eu digo que não, quero dar-te a mão, dás-me com o pé, tu dizes que não, eu digo que sim, queres dar-me os olhos e eu ponho-lhe óculos pretos e lentes de garrafa e assim vamos os dois, a beber e a fumar a uma janela fechada, eu perdido na tua blusa de malha negra, cavada no teu peito alvo que sobe e desce a cada batida, na franja cuidada do teu cabelo que ondula e tu sem notares embevecida na magia das palavras, a falar já não sei do quê, queres tirar o «s» do sexo, substituí-lo por um «n» que faça sentido, que nos transcenda a todos em geral e te faça feliz a ti em particular e olha, sabes que mais, é isso que eu quero também. Mas não é para ser, lá vamos para cama os dois outra vez sozinhos, os dois a fugir do receio de estragarmos qualquer coisa que nos une e é estável, mais o grande problema da intimidade, não é?
This is not fair
Mantenhamos uma certa calma. Tenho de ir a algum sítio. Não sei muito bem onde é, não me deram as direcções completas. Ok, se calhar não percebi. Talvez por isso tenha de ir lá. Ou talvez apenas fique pela memória da ideia de que lá tinha de ir. Tens a certeza de que é nessa direcção? Quem sabe, não sei, talvez que haja baralhado tudo e nem sequer me tenham dado indicações ou se calhar confundi as indicações que me deram e estou a correr por fora. Sim, queres que vá? Eu vou. Se te vieres comigo - não gosto de correr só. Tens de lá ir. Onde?.. Tens de lá ir.
Foto via Promenade du Feu
16.3.09
Pensamento do dia
14.3.09
Olá meus meninos
13.3.09
Tenho medo
Faço parte duma longa linhagem de resistentes anti-fascistas, que remonta aos meus bisavôs maternos, ambos professores primários, passa pelo meu avô materno, more on him latter, por tios de ambos os ramos, em particular um tal de Carlos Mariano Ferro, pelo meu pai e, claro, pela minha mãe.
Post Scriptum - Não Promenade. O Salazar não mandou matar o Delgado; foi o Rosa Casaco que agiu à má fé e contra as indicações expressas do Presidente do Conselho. Infelizmente, que queres, mesmo à época já ninguém «respeitava» a «autoridade» do Presidente do Conselho, provavelmente porque o gajo andava entretido a perder a virgindade aos 50 com uma repórter de variedades francesa que precisava de esgalhar para si uma reputação de vamp da comunicação social que se pretendia «objectiva», a qual, por seu turno, nas mãos dos citizen kanes deste mundo buscava o exotismo sensacional: o exotismo das mulheres bonitas, dos ditadores, das operações de charme, após a segunda guerra mundial [adenda: ler «10 diz que abalaram o mundo» de John Reed e interrelacionar o entendimento da revolução russa no ocidente com a guerra fria que se segue à pragmática discursiva de, «A Grande Guerra Patriótica», vol. I e II. Pense antes de escrever].
12.3.09
The right stuff
11.3.09
10.3.09
9.3.09
The tide is changing
Finalmente, o que já não era sem tempo, a maré começa a dar os primeiros sinais, ainda tímidos, de que está a querer virar. Bem que eu profetizara ao meu bom amigo Francis, aí por Outubro, que este último Inverno ia ser uma época muito difícil, um tempo de sacrifícios e de opções radicais, por exemplo escolher entre tabaco ou comida, gasolina ou cerveja, uma época de total contenção de despesas e que contra isso não havia muito a fazer, porque não ia entrar dinheiro, estava certinho disso, desse lá por onde desse, e que apenas me restava cerrar fileiras e tentar aguardar pela Primavera e pela chegada de melhores tempos. Bem dito, bem feito. Esses tempos desejados começam a querer tornar-se realidade. A ver vamos.
6.3.09
Haircut - The reason why
Eu não tenho nada contra paneleiros e contra lésbicas menos ainda, bem pelo contrário. A última vez que cortei o cabelo ainda tinha carro, fazia sol, entrei na barbearia quinze minutos antes do fecho, perto da farmácia, fiquei lá dentro quase uma hora, entre as novidades da terra, da tesoura e da navalha e quando finalmente regressei ao carro para voltar à casa onde habitava nessa época vinha um quilo e meio mais leve e sentia-me muito bem disposto.
Os panascas querem casar. Acho que é um estupidez. Não me entra na cabeça porque é que os paneleiros ou as fufas possam querem casar, parece-me completamente idiota, não a sua orientação social, mas sim o casamento, esse contrato que se firma para todos verem: olha, eu casei com a Maria, a Maria é a minha mulher e eu sou o Manuel, um homem casado com a Maria, conosco ninguém se mete porque casámos no registo e palhas não palhas até vamos à igreja da paróquia, só para lavar os pecados na água benta do nosso santificado matrimónio.
No dia em que cortei o cabelo, antes de chegar a casa, passei pelo supermercado, comprei duas latas de salsichas, sete garrafas de cerveja, dois tomates, um pepino, quatro garrafas de vinho, cinco maços de tabaco e uma garrafa de cachaça - café não era necessário, os proprietários da casa haviam deixado para trás um stock de dimensões razoáveis.
Portanto, querem casar. Acho bem. Se toda a gente se casa, porque caralho não podem os panascas casar? A bem dizer, em que é que isso me afecta? OU nos afecta a todos nós? Reparem, o problema é deles, de quem se casa, isto é. O casamento é um contrato para inglês ou de Direito ver e, porque o casamento proporciona alguns benefícios legais, reconhecidos pela sociedade no seu todo, o casamento é uma coisa muita séria. Por exemplo, eu, quando me caso, assumo um compromisso com outra gaja qualquer (desculpem, apenas fui casado uma vez e só com uma gaja, a qual morreu entretanto... e ainda não me deu para casar outra vez, seja com gajas ou com gajos) e esse compromisso é válido para efeitos de bens em comum, heranças, disputas divorciáticas e outras merdas do género, nomeadamente... a puta da prole.
Ao chegar a casa de cabelo curto evitei beber. Não é que não me apetecesse, mas estava um dia tão bonito, uma luz tão fantástica, que voltei a enfiar-me no carro e zarpei para o castelo, para fotografar, para sentir o deslumbramento que só a fotografia me proporciona. É certo, tomei um duche antes de sair e abri uma garrafa de vinho apenas para não me tremerem as mãos, mas o ar, o vento, a luz, a névoa e a paisagem não me desiludiram.
A prole é que é uma foda. O problema do casamento dos gays é o problema da prole. Se permitirmos que esses rabetas e essas desvairadas se casem, como é que é de filhos? Hã?.. Para essas putas, com a inseminação artificial e coiso, as cabras safam-se, mas, e os porcos? Fazem meninos por onde, pelo cu? E depois, querem, claro, como não os podem ainda parir pelo cu, querem adoptar, os anormais.
Foi um princípio de tarde lindo. Fartei-me de disparar. A torto e a direito, literalmente. Lembrei-me do Miguel, da sua morte, ele que trabalhava como paquete, garboso, na pousada do castelo. Senti-me tentado a entrar pela pousada dentro e pedir um café em sua memória, só que, a recordação de que gastara quase todo o meu dinheiro em comida, vinho, cerveja e no corte do cabelo travou esse meu instantâneo mental e ao invés voltei para o automóvel e fui para casa apagar fotografias e embebedar-me.
A questão do casamento homossexual não é a questão do casamento em si. A bem dizer, em que é que dois tipos ou duas tipas casarem nos afecta?.. Em que é que isso contribui para a nossa infelicidade, preocupados que andamos com a falta da guita e da mulher que nos ame e que tome conta de nós e nós dela? Puta que pariu, isso do casamento gay é lá com eles, casem-se, eles e elas é que sabem, que temos nós a ver com isso?
Tinha deitado abaixo quatro cervejas e uma garrafa de vinho quando me lembrei das latas de salsichas. Como não gosto de símbolos fálicos (excepto na cama) abri uma lata, esquartejei as salsichas aos pedacinhos, juntei uma cebola picada, mais duas cabeças de alho e deitei tudo a refogar numa sertã com azeite que, entretanto, pusera ao lume. Então, à medida que o aroma da comida se espalhava pela cozinha, reflecti que, finalmente, ficara bonito após cortar o cabelo.
E os filhos adoptivos dos panascas, como é que é? Ficarão eles rabetas como os seus «pais»? Afinal, falta-lhes uma das duas imagens «fundamentais», consoante o caso do matrimónio em apreço, a da mãe ou a do pai, não é mesmo?..
Ao jantar e à medida que ia encorpando a segunda garra do vinho tinto abaixo, apercebi-me da solução para este problema tão trivial e tão estúpido que até me apeteceu gritar: Népia pá, todos os estudos indicam exactamente o contrário, tem a ver com a adolescência e quê, ir contra os «pais» e tal. Filho de rabeta sai straight!
Acendi um cigarro, liguei a televisão ao calhas e ponderei que, para além de estar completamente liso, que uma criança, o que precisa, na verdade, é algo de muito simples e resume-se a três coisas: afecto, educação e dinheiro. Tudo junto para as fraldas, para a atenção, a roupa, para a sensibilidade e para o resto.
Boa noite meu amor.
Uma pausa
Nesse dia (ontem?), não passariam das quatro da tarde e, no écran da cozinha, uma tipa novinha, mas muito boa, dengosa de morena, pernas até aqui, seios até acolá, vestido leve de estúdio bem recheado em tons pastel azul, olhos pestanudos a razar por todo a audiência, e a meterem-se com os universos que a transcendem, segura, devagar, pousa a mão no joelho da calça de ganga dum outro tipo de aspecto duvidoso, à medida que (agora reparo) entrevistam mais um caso de vida, agoniante mas sempre bem vindo para as audiências, juntinhos, muito pesarosos ambos, uma com o outro cúmplices com a vítima que lhes relata a desgraça alheia.
De súbito, então, a realidade abate-se sobre mim e quase desfaleço; venta terrívelmente lá fora e na pequena caixa da janela da cozinha o outro tipo é o João Baião, nota-se que não lhe agrada aquela mãozinha ligeira a uns escassos dez centímetros do seu sexo e o programa era uma dessas xaropadas da tarde - uma dessas porcarias da televisão generalista que até metem nojo.
3.3.09
A morte de Miguel
Quando o Marco chegou à terra tudo se transformou radicalmente e julgo agora que teria sido, por muito que o desejássemos, impossível voltar atrás.
O Marco era madeirense, havia sido guarda-redes de andebol do Marítimo, sabia vestir, tinha estilo, e, acima de tudo, sabia falar com as miúdas, todo ele era relações públicas.
Foi nessa altura que conhecemos a Tininha, a São, a Luísa, a Susana Mamalhuda, a outra Susana, a do Ruca e, com o Ruca, conhecemos também o Gonçalo, o Gonçalo filho do médico e o Miguel, o filho do engenheiro milionário.
Naqueles anos loucos, a Isabel Alpendre passara a ser uma «caveira» do passado (mal sabiamos nós quão profético se revelaria essa alcunha), a Manuela que o Tosh desencantara no 7º B tinha pêlos a mais nos sovacos, ela própria se descrevia «muito peludinha», e nós, porque achávamos tudo isso vagamente idiota, continuávamos a gostar de fazer corridas de bicicleta, até Setúbal e de volta, embora já gostássemos de miúdas e nas descidas posássemos para a fotogradia imaginária que nunca nenhum de nós se lembrou de realmente registar.
Era o verão de 1982 e fomos «penetrar» discotecas, claro, à má fila e como quem não quer a coisa, de gravata do pai roubada no pescoço e blazer a mais escondido nas meias das calças, lá conseguíamos entrar, uma vez por outra. Ao mesmo tempo, o campeonato mundial de futebol desenrolava-se em Espanha, eu tinha televisão, o Tosh também e o Vanela acompanhava conosco. Era verão e entre o futebol e as férias, tínhamos muito, muito em que pensar.
Elas eram todas giras. A Susana mamalhuda era vizinha do Vanela, morava por cima, em frente ao imbecil do Tó Zé, o parvo que namorava com a miúda mais linda desse, deste e doutro mundo qualquer, a Marina. A selvagem e bela Marina. Por isso, como ele também andava ocupado com as suas preocupações de rapaz de 18 anos, não havia azar, o Tó Zé também tinha mais com que se entreter.
Já a Susana Mamalhuda, a líder delas, era alta, bem mais alta do que eu, só o Ruca media tanto como ela, mas ninguém se intimidava com elas todas juntas, A Susana do Ruca era bela, a Tininha não tinha mamas e a São queria deitar-se; para nós e acho que para elas, tudo era simples, repleto de mistério: a idade da descoberta.
A morte de Miguel
Com o tempo a Isabel passou a fazer parte do quotidiano. Como os pneus furados da bicla do Tosh. E a música do irmão dele. Como o São João e as fogueiras e as corridas pela terra do Pão que hoje é um deserto de caixotes de betão e ferro. Dávamos longos passeios de bicicleta, saindo da quinta dos meus velhos, via volta da pedra, pinhal novo, até Setúbal e de volta a Palmela pela estrada da cobra, chegar à praça central e derrapar a fingir que era para os velhos com a perna na gravilha rasgar a carne, mesmo que a bicla fosse com os porcos, só para a impressionar, era só ela, não gemer quando os amigos chegavam ou se os velhos se levantavam, arrancar de novo e ir para casa dormir e sonhar com ela. Até hoje, juro, nunca mais consegui controlar os meus sonhos como os controlava nessa época.