31.1.07

Fio do Tempo

Percorro o mundo inteiro,
de bússola e carta armado,
caprichosa onda é meu leme,
por cintilante estrela guiado.

Não passo de ledo timoneiro,
sou pobre e solitário marinheiro.

Marcho intrépido, o olhar distante,
infeliz de quem espada desembainha,
monto brioso e possante corcel,
meu orgulho é a ti servir, formosa rainha.

Entre guerra e paz errante,
sou garboso cavaleiro andante.

Deixei fama e riqueza longe,
tomei trapo e simples repasto,
entre quatro paredes orando,
será destino meu ser casto?

Devoto e fiel, a Deus alma rendi,
sou monge humilde, o meu reino jaz em Ti.

Tomei pena como profissão,
da tinta verto as lágrimas
que na pura neve branca
chovem fracas, enamoradas rimas.

Não sei para onde vou,
quem me ler dirá quem sou.

De tanta vida vivida por viver,
cabos dobrados, reinos tomados,
orações perdidas no vento,
penas flutuando no Tempo,
Sherezade contará meu conto,
nunca sem acrescentar um ponto.

Desta breve vida,
de muitas outras mil,
levo a mais segura das certezas,
para nova vida tomar,
novo disfarce roubar,
regressará minha Alma imortal!

Fia, incessante Cloto, traga o fio da vida!
Láquesis, elege o dia da minha ida!
Àtropos, concede-me nova vinda!

Pequeno mortal que sou,
filho de dúvidas e medos,
escravo da continuidade,
que escolha a do anjo em queda,
Ó Moiras da Antiguidade!,
senão ver que eterna teia o enreda?

30.1.07

Pensamento do dia


"Vanitas vanitatum, dixit Ecclesiastes. Vanitas vanitatum et omnia vanitas."

Vulgata.

29.1.07

Mente desocupada II



Li algures (acho que numa das citações do ThinkExist na coluna direita deste blog) que os melhores textos surgem dos pensamentos que temos na hora de escrever. Pois bem, seja. São agora 2:10 da manhã (agora quando escrevo, não agora em que publico). Acabei de me levantar da cama (ainda com os jeans, a camisola de lã azul, os sapatos pretos. Os sapatos pretos que precisam de ser engraxados, os sapatos pretos que estão velhos e a dar as últimas, os sapatos pretos que, apesar de tudo, são bastante confortáveis). Para variar, não tenho sono. Verdade seja dita, caro e amigo leitor, não devia estar sequer a escrever este bocado de prosa mal amanhada (mas, que fique entre nós, um segredo entre amigos). Devia estar deitado na cama com o discman a tocar incessantemente (Sérgio Godinho, Ska-P, Metallica, o que o estado de espírito exigir. Porque, ao fim e ao cabo, é o estado de espirito que nos governa. Mas isso é outra historia) até o sono levar, finalmente, a melhor. Infelizmente (para mim, pois para o leitor isto é totalmente irrelevante), parti hoje de manhã o discman, arruinando uma das minhas poucas distracções (além desta) quando me fecho no quarto à noite (feio todos os dias: tecto branco, paredes em azul claro, uma carpete que mete medo ao susto, cortinas cuja cor é-me tão misteriosa que nem a consigo identificar. Parece que estou preso num pesadelo expressionista. Não admira que o senhorio queira despachar a casa. Ai dele que me interrompa outro Domingo de sono para mostrar a casa a uns bifes quaisquer! Dou-lhe um chuto no cú com tanta força que volta recambiado para a India!).

....................................................

Peço desculpa pelos tantos parêntesis que vêem neste texto (alguns chamar-lhes-iam oblíquos não obrigatórios: informação desnecessária, mas que sempre dá cor ao texto. Eu chamo-lhes parêntesis, é mais fácil) são a minha mente a funcionar. Nunca há um pensamento só, há sempre mais, há sempre um a interromper outro que, por sua vez, se veio meter na conversa entre outros três (Ah, meu rico discman! Pelo menos tu mantinhas-me concentrado numa só coisa: a música. Pelo menos tu mantinhas-me distraído no meu regresso a casa, de segunda a sexta, sempre à uma da manhã, após dois dedos de conversa virtual... mas sempre aprazível e desejável).

Sendo assim, peço ao leitor que os ignore, pois a questão fulcral deste texto, o âmago, the kernel, é o seguinte: quando é que esta cadeira que tanto balouça sobre as suas quatro frágeis pernas se parte, fazendo-me cair estrondosamente sobre o traseiro?

Yep, não devia estar a escrever isto. Devia estar a aproveitar a minha súbita insónia para adiantar a tradução da Pat. Ou pensar no trabalho sobre Trados e Machine Translation para o Pete. Ou adiantar a oral de Espanhol do David (e, diga-se de passagem, sou sublime orador, um prazer de ouvir, um deleite para o ouvido atento). Ou, em último caso, podia estar a fazer os trabalhos para a Ana Teresa. (Felizmente, preciso tanto das aulas dela como de um tiro na cabeca, pelo que decidi baldar-me). Podia até estar a ler o Trainspotting, o Schinddler’s Ark ou o 80 poemas de Emily Dickinson. Ou, quem sabe, a trabalhar noutro poema, visto que é a minha nova quirk. Mas, não. Sou demasiado preguiçoso. Poder-me-iam dizer que sou “Brilliant, but lazy.” Porém, para o “brilliant” que sou, não me devia dar ao luxo de ser tão “lazy.”

Enfim! Mas, devo confessar, gentil leitor, não julgue que recebo a sua atenção com ingratidão, que gostei de escrever estas linhas. Sem pressão, sem ritmo, sem lógica. Sem qualquer pretensão de torná-lo profundo, universal, filosófico, complexo. Só eu, a caneta, uma mente vazia e um quarto que tende a ganhar o cheiro da comida asquerosa do meu housemate. Sem o peso da razão sobre os ombros cansados, sem lixo sentimental a toldar-me o raciocínio, a minha orgulhosa frieza e presunção intelectual.

E assim se passa mais um dia, uma noite, uma hora, um segundo, uma vida. Tempos estes que provam ser aborrecidos quando se decide ficar uns tempos sem fumar, quando não há álcool em casa (a não ser a porcaria do Lambrini quase sem gás), quando não há programa para se sair à noite. Quando um cretino desastrado como eu tropeça no fio e parte o discman.

Crap! Tenho mesmo que comprar outro discman.

2:47, over and out.

28.1.07

Pensamento da noite

"Every morning in Africa, a Gazelle wakes up. It knows it must run faster than the fastest wolf or it will be killed. Every morning a wolf wakes up. It knows it must outrun the smartest Gazelle or it will starve to death. It doesn't matter whether you are a wolf or a Gazelle... when the sun comes up, you'd better be running."

Lone wolf.

Post-Thought: Africa is where you want it to be, don't forget it's Monday, and keep on running...

Uma morte feliz



Ah… Meu amigo, penso que te apaixonas por palavras… Nada mais do que isso, apaixonaste-te por palavras e estas toldaram-te o raciocínio. Em seguida, as palavras irão destruir-te e lamentarás amargamente teres-te entregue a elas de forma tão irreflectida. Verás que o Amor por palavras é o mais ingrato de todos. Em breve as palavras te deixarão só e então vais sofrer o que não sofreu Dante por Beatriz. Verás, em breve as palavras se esconderão algures, algures onde as cegonhas fazem os ninhos, lá longe num canto assombrado, num jardim das maravilhas que nunca visitarás, num jardim onde a tua Alice constrói, palavra a palavra, o vosso castelo de cartas, o vosso palácio que em breve se desmoronará e, então, quem mais irá sofrer serás tu, e não as palavras que te trazem doido, que te deixam eufórico, as palavras que nunca te li, porque não é teu mister escrevê-las.

Regressa para nós, regressa antes que seja tarde, regressa com as tuas memórias feitas de sangue, ópio e asfalto, regressa antes que te seja tarde de mais e as palavras te consumam a vida, “the will”, letra a letra, verbo a verbo, paráfrase a paráfrase. Regressa com a “wit” dos britânicos, regressa com a verve dos lusitanos, regressa com a fúria da escrita que se faz “blunt” a cada espaço que preenches luminoso de noite, grávido de Lua, regressa e dá-nos a morte que escondes de nós e de ti sem nunca deixares de por ela ansiar, mantendo essa clarividência que há muito te ensinei, essa certeza de “business as usual” a que nos habituaste.

“Time is Money, don’t be an idiot.” Porque será que sei que não o farás? Sei que estás cego e não me acreditarás. Meu amigo, rogo-te, ainda não é tarde demais. Olha-te no espelho e percebe de uma vez, os ingleses é que têm razão: “You are in to deep already, get out, get out, get out before you get hurt in that spider trap somebody decided to lay down for you.”E lamento-te, embora admire essa entrega incondicional, a verdade é que não consigo entender o que viste nas palavras, não logro descortinar nesse teu mistério qualquer justeza. Escondes-te de nós e adoras as palavras como se estas não fossem apenas “a means to an end”.

Não vês que as palavras são como as andorinhas? Não vês que são livres de ir e vir, sempre que o Sol brilha noutras partes do Mundo e as andorinhas decidem que as palavras nada são senão “a means to an end”? Ah… Meu amigo, apaixonaste-te por palavras…

Ne t’inquiète pas mon ami. Ce vrai, je suis tombé amoureux. Peut-être, mon cher, peut-être je suis tombé amoureux seulement par de mots, et rien que de mots. What can I say? Une chose je peut te dire: je ne peux pas retourner. Les mots de ce type la, de ce type que j'obtiens quand elle les écrit, valent la peine d'être amoureux avec. La vérité, tu sais, ne pas que ça: «Nos deux cœurs seront deux vastes flambeaux, Qui réfléchiront leurs doubles lumières. Dans nos deux esprits, ces miroirs jumeaux.» Et les mots, mon ami, elles remplissent mon coeur de telles émotions que je ne m'inquiète pas si je vole ou si je meurs au-dessus d'elles. Non, ça ne m'inquiète pas.


……………………………… MAS.

I have no power left within me to resist the appeal of this overwhelming tune with which you have chosen to enlighten me. In a last cry of despair for my former self I write to you in a language I’m more familiar with, a language that barely holds my sanity together, alas, it is the only way I can think of to gather the random pieces of my shattered former self and fight you off before it is too late. This is my last resource to resist your summon. Already, stupid as it may seem to an indifferent spectator, I’m in love with you. Amo-te. And I wish to be with you forever, even if for Ever is but this brief episode of eternity when two souls touch each other and become One. For Eternity. Let me touch you. I just want to touch you. Now.

………………………………

Quinze páginas para traduzir. Ainda quinze páginas. The Medicine Bundle. Que diabo tenho eu a ver com The Medicine Bundle? Estou cansado de traduzir, cansado do trabalho na padaria e de chegar a casa às sete da manhã para ter ainda de me ir sentar à secretária a traduzir um texto que nada me diz. The Medicine Bundle. Sure, it’s an interesting story, it’s got to do with native-americans and their particular mystical take on reality. E depois, como pensar em The Medicine Bundle se só penso em ti? Não, não posso pensar em ti. Tu és uma não-realidade. És produto da imaginação. Tu és tudo aquilo que sonhei, e ao mesmo tempo tu és tudo aquilo que nunca quis.

Isto não faz sentido, ou faz? Não, não faz sentido, já são sete e meia, espera um pouco, como é que é mesmo, como é que se lê isto? Ah, já sei: It was five minutes after closing time when the museum curator... O que é um museum curator? Oi, está a tocar o telefone. Do lado de lá um amigo: vai ao Google, calma rapaz, estás cansado, eu sei, vai ao site da Faculdade; no corpus do departamento vais encontrar o equivalente de "museum curator". Calma. I'm with you. Já fui, está limpo, já sei o que é um museum curator, sempre o soube, sim, sempre o soube, e agora ninguém me trava, ninguém me pára, who’s the man, meu amigo? Who’s the man? Não te esqueças... Remember what I thought you years ago, do you remember? Recorda só mais uma vez: You’re good kid, you’re good, but as long as I’m around, you’ll always be second best. Toma, aprende, é mais uma pérola que te dou. Enquanto estou vivo. Que conversa é essa? A conversa é que cheira-me que não me sobra muito tempo. Os cilindros, a merda dos cilindros está a matar-me. Eu sei que estou a morrer. O meu pai teve o ataque cardíaco aos 45. O meu avó morreu do mesmo aos 50. Estou com 36. Estou a morrer. Tenho de resolver isto dos cilindros, que vício tão estúpido. Anda lá... You’re the man, you will work it out. Are you chicken?..

No, I’m not chicken. I’m a boy, I’m a simple boy, a simple boy living in the past, fighting for life in the present, I’m but a boy trapped in and old man’s mind. Fighting for life, fighting for her or against Her in the present, I don’t know. I don’t know. I don’t even know who or what She is.


... Ok, dorme bem, amanhã tenho a família por cá e não posso aparecer de olheiras. Fica.

O telefone fica, também. Fica mudo. Siga, merda, este texto não é mais forte do que eu. Nem pensar, já te mostro. Medicine Bundle, é? Que se fodam as carcaças. Bolas? Bolas não temos, só Vianas. A cinco euros à hora não há tempo para bolas, e se não gostam encontrem outro palhaço que não se importe de queimar os dedos a tirar e a meter o pão do forno.
………………………………

The Medicine Bundle é… Eu já te mostro. Espera aí, aquele gajo da Fac enviou-me um mail a gabar-se de que tinha encontrado um equivalente… Espera aí, o que andará o gajo a fazer? Bem, é Natal, deve estar bêbado. Não há-de ser nada. O editor só quer esta porra daqui a uma semana, vou mas é morder o texto; o título fica para o fim; é assim que mandam os livros, é assim que vou fazer. Puta que pariu o pão está quente. Merda, já feri os dedos, ai!..

E depois tu. Porque me fui meter contigo?


Porquê? Vais acabar por dar cabo de mim. Vais matar-me ainda mais depressa do que os cilindros. És bela, de uma beleza ímpar. A tua beleza queima. A tua beleza queima mais do que o forno a mil graus. Ó Deus, este ateu, este ateu e anti-clerical confesso implora-Te. Salva-me dela. Salva-me que ainda morro de Amor por Ela.
……………………………

Pardal, são mais quinze bolas para cumprir a cota e fechar a loja por hoje. Pardal? Estás na Lua? Ó Pardal?!? O quê? Sim sou eu, Pardal para os mecos da padaria, Pardal para os mecos do patronato, Pardal para as miúdas da loja da frente, Pardal e é por causa de estar sempre a assobiar a mesma melodia, sempre quando me esqueço do mundo, me esqueço de The Medicine Bundle, me esqueço do pão e de todos e só te vejo a Ti, só tenho olhos para as tuas palavras, para o teu Amor, para o desejo de te possuir e de enfim te vergar à minha vontade egoísta - enquanto vou cozendo fornada de pão após fornada de pão.

O Barbeiro de Sevilha. É a melodia que assobio. Não me perguntes por quê… É belo, quase tão belo como tu. Quase tão belo como eu sou feio e tu és magnífica. Tu – Aparição.


Post Scriptum. Pardal, queres vir connosco até ao Tejo? A Susana e a Rita também vêm… Sabes o que a Susana me disse? Disse-me que a Rita te acha giro, rapaz, estás cheio de sorte!.. Não vens? Como não vens? A cota do pão está cumprida, o boss diz que tu és um bom profissional e acho até que vamos os dois ser aumentados!.. Tens trabalho de casa? Deixa lá o trabalho de casa, se tu não vens a Rita vai ficar aborrecida e vai chatear a Susana e depois quem se lixa sou eu! Ainda não percebeste que a Rita gosta de ti? Porra, pára lá de assobiar essa música sem pés nem cabeça e vem com a gente ao Tejo, não imaginas como é bonito o Tejo na madrugada de Natal com uma cachopa nos braços…

Imagino sim. Ai não que não imagino. Mas. Sabes, eu, quando for ao Tejo, vai ter de ser com Ela. Ou então, não vou lá com mais ninguém.

OU VOU? OU VOU? OU VOU?

Hoje estou solto. Nem sequer tive um minuto para dedicar à minha mais recente conquista. Se calhar, porque a conquistei, sinto-a já conquistada e não me apetece falar-lhe - não hoje.

Hoje não quero nada com compromissos ou palavras de Amor. Hoje estou solto e livre e é meu desejo prolongar esta sensação pelo menos até ir dormir e amanhã acordar com todo o peso da solidão a tolher-me os movimentos.

Em dias como o de hoje, dia de papagaios e caturras apaixonadas na estupidez de uma carícia que se faz violenta em excesso, gosto de sentir-me assim, livre, solto.

Talvez seja já tarde. Não será esta prosa porventura tão honesta como seria desejável. Porque sim, porque hoje estive e estou só, só que estive só e estive acompanhado.

Hoje foi dia de amigos, antigos, novos, e dia de liberdade, como só os amigos nos podem proporcionar. Os verdadeiros amigos só nos exigem que estejamos presentes e que gostemos das mesmas coisas que eles e acima de tudo que não sejamos hipócritas. É por isso que gosto tanto de estar só com os amigos.

Hoje foi dia de crocodilos e de McDonalds. Hoje foi dia de andar às voltas a cronometrar as rondas do segurança no Zoo, na esperança vã de que chegasse no preciso momento em que galgávamos a passagem encerrada do carrousel, só porque nos dá gozo chateá-lo.

Hoje foi dia de febras com arroz e batatas fritas de pacote, acompanhadas por um jarro de barro de vinho da casa e uma empregada de mesa ucraniana.

Hoje foi dia de folga. Dia de folga de tudo o que me pressiona, de tudo o que me faz pensar, foi dia de folga e foi um dia saudável. Pequeno-burguês, como se dizia na terminologia dos meus avós e até por isso mesmo um excelente dia saudável, na risota com amigos novos e antigos e em liberdade.

Um dia de folga no zoo com amigos e a liberdade a escorregar-se das mangas do casaco até se vir esfumaçar no preço dos hamburgers com vista para os crocodilos do Nilo do McDonalds.

Hoje foi também dia de estrada. Foi um dia de tantos carros, tantas vidas que se cruzam jamais se tocando. Tantos carros, tanta gente, Almada cheia, a Cruz de Pau feita ovo, Lisboa com espaço para estacionar e no Zoo um perfume de juventude, a amigos novos e antigos que me aceitam e que me tomam por um deles sem me exigirem mais do que a minha boa disposição e a cumplicidade de UMA VIDA feliz. Hoje foi um dia de camaradas.

E como tudo na vida, sempre que hoje é um dia de camaradas entre rapazes amigos novos e antigos, hoje foi também um dia de milfs. Também foi dia de milfs como o são todos os dias no zoo, iniciando amigos novos e antigos no sempre renovado prazer de apreciar até à exaustão como são apetitosas à vista e sempre foram as novas mães casadas de fresco.

E não só. Hoje foi dia de book fotogénico de brasileiras mulatas vestidas de mini-saia e sapato estilete. Que nos cortou a respiração em mais de uma ocasião antes de o cinismo próprio a amigos novos e antigos se manifestar em sonoras gargalhadas.

Hoje foi mais um dia. O mais importante deste dia, é que tu voltaste. Voltaste amarga. Voltaste com os sonhos embrulhados na tua mais recente úlcera. Voltaste e tocas-me outra vez. Fazes com que anseie por te abraçar e te proteger. Fazes com que deseje que não estejas assim, que estejas feliz como eu estava. E então, pois, hoje é noite de sonhar com um rio que morre à beira Mar.

ESTA NOSSA HISTÓRIA. ESTA É A NOSSA HISTÓRIA.

Passemos agora para o teu tema principal. O Amor. O Amor de um homem por uma mulher.

Fica já sabendo que um homem cativo nas garras do Amor não passa da metade de um átomo que corre em busca da metade que o complementa. Como saberás um dia, torna-se cómico QUANDO UM HOMEM se vê a tal ponto enredado na fantasia que se deita a correr em busca da Mulher, provando assim, contra as expectativas, que no final de contas o Homem que sempre se julgara superior não passa de uma ínfima metade do Ser Humano. E por que razão nunca se tinha o homem lembrado de que era tão incompleto? Porque nunca tinha amado, é óbvio.

Mas, não te olvides, a Mulher está na zona do relativo. A idealidade que o homem lhe atribui é uma total ilusão. E ainda bem, porque senão tu poderias desaparecer engolido na vertigem das emoções ideais que essa Mulher te proporciona.

Conselhos tenho poucos para te dar.

No fundamental deves agir da seguinte forma:

... diremos sempre que sim a tudo quanto ela desejar. E procurarás descobrir todas as graças dela; porque só assim, terás, tu, graça para ela. E nada se pode imaginar de mais maravilhoso, de mais encantador, do que quando ela se sorri do nosso arrebatamento e nos pisca o olho porque sabe que nos faz feliz.

Tal, meu velho amigo, é a tentação que a mulher representa. Uma vontade tão profunda que te chegará a doer. É o melhor dos frutos mas é também aquele que nunca irás saborear. Ficarás preso, sem dúvida, no seu olhar que fere como um punhal, como uma rica adaga de prata debruada a rendas douradas.

Ela é tudo e é nada ao mesmo tempo; despreocupada como o vento, serena como a profundidade do mar, ela é tudo mas sem ti nenhum de vós é nada.

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Nenhum homem que não tenha amado é capaz de conceber tudo isto. Ou melhor, só um homem que a ame como tu amas a pode pensar e sentir e viver e desabrochar e... Por fim, morrer, tal como eu já morri e tu ainda não, o futuro se encarregará de to dizer. Seja como for, nada temas, se assim morres essa não poderá deixar nunca de ser – Uma morte feliz.

Pensamento do dia


“Bachelors know more about women than married men; if they didn't they'd be married too.”

Henry Louis Mencken, American humorous journalist and critic of American life who influenced US fiction through the 1920s.



Tribute to R.W. Emerson



It’s been a long road till I got where I am now. It’s been a road paved with the dark bricks of sorrow, sting and bloodshed, and a bit of pink pleasury bricks also, one must be honest in one’s finest hour, and it’s been a very, very, very lengthy long lasting road, and this doesn’t mean it’s been such a horrific walk as you might suppose, although it hasn’t been an easy stroll, not at all, and now, now here I stand, face to face with you all and all of the rest. Yes. Now.

It wasn’t a picnic, it wasn’t a nightmare, and now, I’m here, at the end of a boulevardy journey, at the beginning of a highway to perpetuity, to eternity. I almost can’t believe the past has lead me to where I stand, on the verge of all these beautiful penalties that are about to come true and that I shall endeavour to put forth; the truth remaining, they will and must come to be, I shit you not.

Now, only the Goddess of Hades Herself could stop me from fulfilling this fate I foresee for you all and modestly me. And though I fear nothing but the Goddess's sweet embrace and though I’m primed for every single and unsusceptible twisted card anyone else could ever lay down on my ethereal lap, the Goddess of death Herself I do fear, and nothing else. And I shit you not. This, this is what I whisper about. Readiness, Eternity and Death.

Yeah, I know, one shouldn’t sing one’s own praises on such trivial issues, instead one should give a compassionate contemplation or two for all those other comrades, cohorts, idiots, friends, men, women and so on who never made it clean as far as one has; who lost their ways somewhere down the track; but today I just don’t give a fuck.

Today, as Beowulf I boast and I don’t give a fuck. Today and the day after today and maybe even the next. And I have every god given right to boast in such a brilliant manner, for it is only up to me and the Goddess of gods alone to know how hard it was to get where I stand tonight, in this momentous junction of Time, telling you all how exuberantly happy it feels to criss-cross destiny and hold the future of Humanity in the palm of one’s hand. Yes, the destiny of you all I hold in the palm of my hand.

I’m here, alive, kicking, menacing and dictating what is to be, what was and what will become, with the right stuff up my spiritual wallet, with your faint criticism up my arse, with the absolute certainty that I rule above you all and that’s what matters, when those of you who are just becometh judicious and I even the more…

And what’s other, I think I deserve to be here, I’m sure I got every right to stand where I stand and even if shouldn’t the truth is I wanted it, I fought for it, I craved for it, I have hold my nerve, against the odds, against Time, against Family, Friends and Foes and now here I stand. Yes, now!

Hell of bells and bells of hell, I even clashed myself to be where I am today. If there was ever a man who was worthy of being where I am, then, I’m that man. I shit you not. I’m the man of the hour, I’m the man you’ve heard about and never thought you’d essentially read. Indeed, I’m the Man.

All avenues wide unwrapped, this is just where I wanted to be and I shall bother you modestly more; my path to magnificence undeniably a theme of perseverance, will power, justice and admiration; a cosmos complete with a totality of thought I will bother you less than a fleck of dirt in this pursuit of mine for Eternal appreciation and undying splendour, for space is for the mind of Man the peaceful portrait I hereby paint.

In the end of the ending, the beginning of self-resilience, I shit you not, your children will tell the tale of who I was and still am and all of you will be long gone decease by then and me, me and only me alone, will take of thee, of thy fading memories the worthy loving care they wrongly deserve.

Undeniably, I’m a song to be sung by poets, a poem to be written by wiz computer con actors, a sonnet to be bestowed on false friends and factual foes instantly fouled together! Yes, I’m an Odyssey even Ulysses himself dare not shun! Thost thou understand what I have just said? Thost thou fear pernicious foul play in this poetry filled with perfection fabulous?

Oh infidels, thost thou doubt me? How dare thee?

……………………

The Man. That’s what I’m talking about. Yes. I’m here. Yes I’m the best. Yes I’m the Man. And yes, what is better, what is the best in this endless spherical activity for you and me only is… The best, I the Best, the best am yet to be…

26.1.07

O fim da monção



Quando deus olvida
qual o nosso lugar em vida,
perde o rasto em venturas
de sucessos e mágoas futuras,
quando se esvai a fé
no doce embalo da maré,

- A quem adorar?

Porque foste atirado,
para esta terna terra lançado,
e ignoras destino outro ingrato
que destruir,
mentir, trair, magoar
... e iludir,

- A ti, me entregar?

Quando esta breve viagem
quebra espírito, alma e razão,
não mais que dor de passagem,
nem que seja simples convicção!
...Quando lágrima vã
se esgota no rio do pensamento,

- O silêncio, renegar?

Quando os versos se encurtam,
palavras vazias se acabam,
perdidas em inócuo sentido,
perde-se o alento
nas palavras que não chegam a ser,
nos pensamentos que não chegam a morrer,

- Por mim, escrever!


Na mente nasce a mentira,
o coração alimenta a ilusão.
Um dia, também a sorte vira,
e eu, ingénuo, vagabundo cão,
esperando o fim da monção,
sorrirei, no aconchego da calmaria.

25.1.07

Beijo



Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

O corpo não espera. Não. Por nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sêde, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera; este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo...

Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.

Jorge de Sena

24.1.07

A Alma Gémea e o Inferno



Para Beatriz


Perguntas se me inquietas? Pois claro que me inquietas, o que é pensas, que é só paleio? Inquietas-me sim, até corro riscos sérios e tu também à pala da inquietação que partilhamos, não é verdade? Aliás, ainda corres mais riscos do que eu, concedo-te isso, tens muito mais a perder, mas e se eu um dia levar um tiro nos cornos à conta da minha inquietação, como é que é? Nada bonito, pois não?

Palácios cor de rosa, luscos-fuscos enegrecidos, encontros românticos à luz da vela, tudo isso é muito giro, pois, e o risco, e a merda do risco, não é inquietante só por si? Achas que corro este risco por gosto? Achas que tenho muito prazer em andar a esconder-me e a imaginar que a próximo viatura não é o tua mas a dele? E que o gajo vem cheio de raiva determinado a acabar com a minha linhagem? E então? Como é que ficava?

Adoro-te? Pois claro que te adoro, pois claro que te desejo e pois claro que não te tenho e que isso me fode o juízo, e então, o que é que podemos fazer acerca disso?

Sinto a tua falta? É óbvio que sinto a tua falta, é óbvio que me magoa não te ter perto, nem que fosse apenas para conversar, para trocarmos impressões da vida e desatinos da existência, para nos, ai que agora já me fugia uma palavra tua para a verdade, mas não foge porque eu não deixo, mesmo quando estou assim, com vontade de te bater. É claro que te quero. E então?

Sim, quero estar contigo, não me canso de partilhar o Mundo contigo, de te ler, de ser lido por ti, e sim, queria assumir em plenitude o que nos une, ou pelo menos o que me une a ti. E então?

... Não pode ser, ou pode? Já sabes bem que mais tarde ou mais cedo teríamos de ir para a cama, e depois? Como é que era, estávamos lixados, não era? E então? Quero ir para a cama contigo? O que é que achas? E tu, vais dizer-me que isso não te passou pela cabeça? Diz-me lá o que é tu achas que gostaríamos de fazer se e quando nos apanhássemos a sós outra vez? Como é que ia ser? Eu sei que provavelmente a iniciativa não iria partir de ti, mas e eu? Achas mesmo que ia ficar impávido e sereno deixando escapar-se-me por entre os dedos a oportunidade única de finalmente te possuir?..

E então, o que é que isso nos adiantava? Sim, e então? Muito, adiantava muito, ou nada, parece-me que nunca o saberemos, dois cobardes que somos mas se o soubéssemos, tudo seria diferente. Sim somos cobardes. Se calhar, se fosse diferente, até reuníamos forças para os deixarmos, para sermos livres, para voarmos até ao céu, dois anjos juntos experimentando piruetas, loopings e outros truques bonitos.

Mas nada disso pode ser, não é verdade? Tu tens o teu marido e eu tenho a minha mulher. Somos ambos pessoas íntegras e a ambos nos horroriza a sordidez de um romance clandestino; mais a mais sabendo nós os dois que tal romance a lado algum nos levaria. Eu não me posso separar, tu idem aspas e então, o que é que íamos fazer?

Ir fazendo o amor, às escondidas de tudo e de todos, só para termos a ínfima consolação de dizer, quando tudo acabasse, de dizer apenas e tão só a nós mesmos na solidão que se renovava, que tínhamos finalmente consumado o nosso Amor, que tínhamos finalmente numa centelha de eternidade sido, enfim, felizes? E porque não?
Por várias razões.

Que merda de amor seria esse? Um amor de quarto de hotel? Um amor de terças e quintas por duas horas? É isso que tu queres? Eu sei que não é isso que tu desejas. Eu sei, meu amor, é também por o saber que te amo tanto. E sei também que isso seria o máximo que nos poderias dar. E sei que eu te forçaria a isso mesmo, porque sou um sacana egoísta e me aproveitaria da tua fragilidade e do meu modo de ser cínico para te arrastar numa aventura sem futuro de onde ambos sairíamos a perder, sendo quase certo que tu perderias muito mais do que eu. E olha que não é nada em que não pense.

Assim: uma fodazinha com uma amiga às terças e quintas que até não me calha nada mal, não senhor, não calha, só que tu não és uma amiga, és a mulher que amo, Tu, Ana Blue, tu és a minha alma gémea.

E, para além disso... Detesto o ridículo e sei que também o detestas. E vivermos assim seria ridículo. Pior, seria grotesco. Não podemos nunca ir por aí. Recorda-me estas palavras sempre que delas me esquecer, imploro-te.

Porque não nos conhecemos antes? Porque não somos livres? Porque trazemos atrás de nós toda esta bagagem de afectos e obrigações, todo este código moral que nos tolhe os movimentos e nos envenena a paixão? Só queria saber isso.

.................................

E se os matássemos?.. Sabes, já pensei nisso, se eles não existissem tudo seria mais simples, não te parece? Podíamos até fazer a coisa à moda de Agatha Christie, afinal ninguém sabe que nos conhecemos, ninguém desconfia que nos amamos, que temos esta voragem um do outro, que somos almas gémeas condenadas e este tormento de existência infernal que nos obriga a silenciar o elo mais sagrado que entre dois seres possa existir. Sim, e se os matássemos?..

Porque não somos livres? Porque não nos conhecemos antes? A resposta é simples: Porque Deus assim não o quis. É uma merda é o que é. Mas é isto e tão só isto. Não dá. Só dá para o que é. Assim, platónico, e eu, por mim, resigno-me a que assim seja. Com sorte, eu um dia, eu e tu, se é que posso falar por ti, sim, um dia até nos esqueceremos de que somos almas gémeas.

Por enquanto, todos os dias antes de me deitar penso em ti e tenho uma vontade louca de subir até ti, mas não pode ser, e porque somos Humanos, sabemos que não pode ser e não o fazemos. Amo-te minha querida.

E não tenho vergonha nenhuma, o que não quer dizer que ande aí a espalhar aos quatro ventos a paixão que sinto pela minha alma gémea. Não, não o faço. É privado. Até me estou nas tintas para as consequências. Não tem nada a ver com consequências. Tem a ver com o amor que te sinto. Porque amor é acima de tudo respeito.

E mesmo que não te amasse, eu gosto muito de ti. E tu sentirás carinho por mim. Por favor, não duvides de mim. Seria incapaz de algum dia te colocar em xeque. O que não quer dizer que não te escreva, como agora, assim despido de preconceitos em frente a todos, e se o faço é porque tenho a absoluta convicção de que estão tão longe, mas tão longe de perceber que te escrevo, que nada nem ninguém poderá um dia sabê-lo.

E jamais te colocaria em xeque. Embora seja um excelente jogador de xadrez. Pergunta ao meu melhor amigo. Pergunta a Bobby Fisher, ou a Dante.. Sabes, eu nunca te colocaria em xeque. Por um motivo tão simples que até incomoda de simplicidade. É que Tu, tu és a minha alma gémea. Se eu te colocasse em xeque, colocava-me a mim próprio em xeque. E que venha o Inferno, se é essa a vontade de Deus.

Thought of the night



O silêncio da rotina

Tenho dito ultimamente como te amo? Já te disse hoje como te amo e como és o mais importante para mim? Que sem ti não vivo, e sem ti a vida não vale a pena? Hm? Não? Sabes porquê? A verdade é que não te curto! Nada, nadinha! Zero, zilch! Não te curtia ontem, e curto-te menos hoje. Se te vou curtir amanhã? Pois... não sei! Vai depender da tua atitude, da tua coragem, de ti.
Vá, vá! Para quê tanta merda, meu caro? Para quê a hipocrisia? Tu lá és hipócrita? Tu, um gajo com uma personalidade tão forte? Tu lá dás coroa e meia ao que os outros pensam de ti! Sei bem que também não me curtes. Que gostas tanto destes nossos tête-à-tête como de um tiro na boca. Não é, meu lindo? Não gostas, pois não? Incomoda-te, não é verdade? Tens raiva que te pique, odeias que te confronte, não é? Ficas todo chateadinho quando te esfrego na cara, todas as manhãs, o monte de esterco que és! Mas, eu sei qual é o teu problema. Não te preocupes, filho, não te preocupes que eu sei tudo e um pouco mais. Só não sei o resultado da lotaria, a ver se te pago umas férias! No fundo, queres ser como eu, não queres? Queres ser desembaraçado, desenrascado, adorado, vá, admite! Epá, que chatice, pá!... Queres ser bem falante. Galante; diletante, acutilante, cortante lacinante irritante um tratante! e muitos outros “ante” que te faltam e eu tenho! Ou não? Queres matar-me/te e ser eu/tu! Deixa lá, meu querido, que enquanto andares por aí a palmilhar com merda nessa cabecinha de alfinete, eu vou estar aqui a sussurrar-te ao ouvido, a enlouquecer-te, a esmagar-te aos poucochinhos, a deitar-te abaixo, a ver se acordas que já se faz tarde! Rise and shine, wake up and smell the fuckin’ coffee, pá! Não te vou largar, fica descansadinho. Fui eu quem te deu o primeiro cheque-mate, no negrume das tuas trevas, no silêncio da noite, quando ainda nem sabias qual era o jogo, lembras-te? Eu sei que te lembras, nunca esqueceste, nunca entendeste! Fui eu que te disse: “Vês? Vês como és fraco? Vês como perdes sempre? Vês como não me podes vencer?” Deita a cabecinha na almofadinha de penas, que amanhã acordo-te bem cedinho, com o pequeno-almoço na cama.

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Porquê? Não percebes nada... Não percebes que tu não és tu, que eu não sou parte de ti, mas que tu és parte de mim e me prendes, porque és fraco, és a capa de ti próprio, a capa da tua força, a minha capa, a minha máscara. És a minha doença. O meu carrasco. O veneno que me infecta e me mata lentamente... E um dia vais perceber que morri, quando todos te deixarem. Estarás só... Temes-me! Temes a minha força, a minha confiança, os meus “ante”, ainda que por tudo isto anseies. Eu sei tudo, sei tudo o que sabes, só não sei o porquê... porque tu também não sabes...

Vai lá! Amanhã vou estar á tua espera... a menos que percebas que não precisas de mim para seres eu... para seres tu.


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“Merda! Cortei-me! Estas lâminas não valem a embalagem onde vêm!”

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“É oficial, tenho que comprar um espelho novo. Este não me favorece nada.”

23.1.07

Inspiration & Perspiration…



Miguel acordou estremunhado numa cama a que ainda não se habituara e com um dos braços dormentes por ter dormido com o tronco em cima dele. Aos poucos, foi despertando e a realidade impondo-se nua e crua: a cama de casal, o corpo da bela Cristina a seu lado, o berço do bebé, onde dormia o filho, o qual, quase em sintonia com o pai, começava também ele a dar sinais de despertar para mais um dia.

Que diabo fazia ali, porque carga de água se tinha casado e, pior um pouco, porque tinha tido um filho eram assuntos que nessa manhã o atacaram com maior intensidade do que habitualmente. É verdade, pensou, a alhada em que estava metido tinha as suas compensações, mas muitas vezes invejava a vida de alguns dos seus amigos e do próprio irmão, que nunca casara, e que todos os Natais aparecia nas reuniões da família com uma namorada diferente.

Então, afastou esses lúgubres pensamentos, ergueu-se lentamente para não despertar Cristina, vestiu as calças e em tronco nu encaminhou-se para o quarto de banho. Pôs a água a correr e espalhou espuma de barbear pelo rosto. Quando o lavatório estava semi-cheio de água a ferver fechou a torneira e ia dedicar-se a uma das poucas coisas que nos dias que corriam só lhe pertenciam a ele, uma das poucas actividades em que lhe era permitido mergulhar em si, reflectir-se e pensar-se em paz, o ritual sempre antigo e sempre renovado do desfazer da barba, quando o telefone começou a tocar.

Merda, pensou. Logo agora. Virou-se e gritou para o quarto: “Cristina, o telefone”. Da sua mulher nada. Repetiu, mais alto: “Cristina, o telefone!” Do berço o bebé começou a emitir uns trinados que depressa se transformaram em guinchos excruciantes. “Merda”, grunhiu Miguel, já com o dia estragado. Mas porque diabo não acordava Cristina? E o telefone que não parava de tocar!

De repente ocorreu-lhe a razão do mutismo de Cristina, limpou o rosto e precipitou-se para o quarto, passou pelo lado da cama de Cristina e levantou o auscultador: “Hallo?” Inquiriu. Do lado de lá da linha apenas um risinho escarninho. “Sim, quem fala?..”Perguntou. O risinho escarninho foi-se desvanecendo num sarcasmo estranhamente familiar e de súbito o telefone desligou-se. “Merda, merda, merda”, repetiu Miguel, chateadíssimo.

Tinha sido uma brincadeira, provavelmente do seu irmão, que sempre tivera um sentido de humor muito peculiar e pouco apreciado pelos alvos das suas brincadeiras. O bebé guinchava cada vez mais alto e de Cristina nada.

Pensou em copiar o sentido de humor do irmão e retirar, muito docilmente, mas de um modo rápido, brusco e em simultâneo, os tampões que a mulher tinha nos ouvidos, tampões que usavam alternadamente, um dia ele, no outro ela, mas não fez, porque sabia que ao contrário do seu irmão Cristina não era lá grande adepta desse tipo de practical joke.

Coitada, o melhor era deixá-la dormir, no dia seguinte seria a sua vez de usar os tampões e Cristina a levar com o berreiro do bebé. O pensamento consolou-o mas depressa o real se abateu sobre ele na forma dos milhares de decibéis estridentes que o garoto não cessava de emitir.

“Merda, merda, merda! É uma merda, merda!” gritou e, sacudindo irritado um pedacito de espuma de barbear que se alojara caprichosamente na axila esquerda, levantou-se dominando a cólera, e resignado foi ao armário buscar as coisas para mudar a fralda.

Pensamento da madrugada



The Man and the Kid have been playing poker for hours. In the final hand the Kid thinks he’s got the Man by the balls. It’s not about money, although there’s plenty to go around on top of the table. It’s about being the best, becoming “the man”. The kid is sure he’s going to beat the Man. Yet, he loses. And then:

The Man: Gets down to what it's all about, doesn't it? Making the wrong move at the right time.
The Kid: Is that what it's all about?
The Man: Like life, I guess. You're good, kid, but as long as I'm around you're second best. You might as well learn to live with it.

In The Cincinnati Kid.


E aqui, uma musiquinha

História por contar



A história que vou contar passou-se há uns dias atrás e ainda não dormi só a pensar que histórias como esta merecem ser escritas, contadas a toda a gente, divulgadas, circuncidadas pelo crivo crítico das massas, sem dó nem piedade, só para que percebam que histórias como esta não sucedem propriamente por acaso, mas antes são fruto de uma vontade, de uma tal sorte, de um tal querer, de um tal desejo de posse de escrita que não se escreve, jamaiss se escreve, antes se relata, assim, sem vaidades, sem ambição, sem quiásmos, mas antes com um enorme e irracional desejo de partilha.

Um desejo de me dar a ti antes que seja tarde, antes que fujas e que te percas no mundo do sono que te consola das frustrações do quotidiano e que faz com que não me leias, conforme, aliás, eu não te tenho lido a ti.

Esta, à semelhança de todas as histórias que valem a pena, é uma história como aquelas das quais a realidade deles, a realidade do teu marido e da minha mulher, se ufanam, histórias que não se dizem, que não se soletram, mas para as quais existoainda assim eu e existes tu, e eu digo-as e tu choras, e tu afirmas e eu quebro, sem jamais delas nos aproximar-mos, são histórias tornadas reais por inspiração divina, histórias como esta jamais voltarão a ser relatadas, ó mortais, esta história que vos apresentamos, esta é uma história com H grande.

Esta é uma história banal, e em simultâneo é uma história fantástica.

Leiam com atenção que valerá o tempo que ganham a lê-la. É uma história brilhante e mete gajos bons. E gajas boas. E carros vermelhos e palácios cor de rosa. Não mete foda porque isso é porn e a porn de per si não fica bem numa história extraordinária. Mas tem jogo, tem ciúme e desejo e amor carnal nunca consumado.

E intriga quanto baste, bem como perigo a rodos para os principais protagonistas. Já para não mencionar que também joga com a morte e com a vida. E que te deixa a boca seca e os dedos a tremer antes de te ires embora e te faz virar a página impaciente de terror macabro que nunca chega para satisfazer a ansiedade que tens em ti e que nunca resolverás porque não é teu mister resolve-la.

Esta é… A Tua história. E a minha. Meu amor.

É uma história que me contaram a mim há coisa de uns dias atrás, foi um vagabundo qualquer ou se calhar foi um professor universitário ou terá sido um proxeneta ou uma prostituta, nada disso já importa, visto que a história, a história em si, é tão fabulosa, tão fora do vulgar, tão inédita, a tal ponto transcendente que nem eu próprio, calhado desde a infância para histórias maravilhosas, quis nesta história em particular, eu um homem que tantas histórias contou e viveu, nesta história que nunca li, que nunca escrevi, que nunca ninguém me contou, quis, nesta história que é a tua história e que é a minha, nesta história que nunca ninguém te contou, que nunca leste, por fim, enfim, como deve ser, sem meias medidas e a ler a correr - nela, na história - ACREDITAR. Meu amor.

Mas hoje, uns dias após ela me ter sido contada, uns dias após a ter ponderado e reflectido, devo dizer-te que é verdadeira, que é genuína e o mais engraçado é que se passa de verdade! Nunca me passaria pela cabeça que assim o fosse! Meu Deus, ainda agora, já repousado, comido, bebido e dormido, sinto-me chocado com o teor da brutal revelação que a história me impôs; com a sua magnitude, as suas implicações, as suas verdades amplas e mesquinhas; os seus desígnios cruéis e beneméritos; as suas vilezas e os seus prazeres, enfim, é a nossa história que se faz de história histórias, que não sendo minhas não são tuas nem de quem primeiro a contou e ao mesmo tempo, por uma estranha magia da escrita, se fez duma história por dizer a história que sendo de todos nós é só nossa e não é de mais ninguém.


Esta é a História. O resto conto-te depois.


For Ana Blue.

Descarregar...

Parado, Cansado…
Derrotado,
…Morto.

Adjectivamente farto
e adverbialmente saturado da Epanadiplose!

À merda Epizeuxe!
Segue o mesmo caminho Símploce!
Achas que é de Pleonasmos
que se faz o génio?
Achas mesmo que a Antanáclase
Estava nos planos d’um Pessoa?
d’um Sena?
do mestre Camões?

Assonâncias Poliptotos
Paranomásias Anacolutos.

Enálage Hipérbole
Hipérbole Enálage.
Olha! Fiz um Quiasmo!
Gostaste, filho, gostaste?

Pois fica com ele e leve a puta
da Enálage atrás!
E não esqueças o mastronço
do Epânodo!
Que te caiam bem no bucho,
que eu vou continuar a escrever como bem me apetecer, sem respeito por Métrica e por Rima!

Abaixo a Estrutura que prende!
Abaixo o Analitismo que mata!

E estou cansado,
E estou triste...
Frustrado? Sim, porque não...

E acabei por não confessar...
perdido no meio de tanto Paralelismo e tanta Repetição...

Só quero que me deixes, zangado (não, chateado)
Escondido na toca, Só...

22.1.07

Pensamento da noite


Any man who can drive safely while kissing a pretty girl is simply not giving the kiss the attention it deserves.

Albert Einstein


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The best Sunday ever



Não gosto de passar os meus domingos assim, longe do que realmente me apetece fazer. Ao domingo a minha rua sofre uma enorme mutação e passa de uma artéria concorrida, a abarrotar de gente e de automóveis, que fluem sem nexo aparente que não seja o de saudar essa milagre magnífico que é a vida citadina, para uma ruela parada no tempo onde apenas as moscas e o ocasional gato tresmalhado se fazem notar.

Ao domingo os filhos da puta vão-se todos embora, é o que dá viver numa rua de gente mais ou menos abonada, e eu fico aqui sozinho. Mesmo antes de a minha gaja partir já não gostava desta quietude mórbida, mas ao menos, então, tinha-a para apaziguar a angústia da solidão. Cabra de merda.


Agora não tenho nada nem ninguém, ou melhor, tenho o minimercado da esquina que nem aos domingos encerra e que vende garrafas de whisky irlandês a crédito. Pode-se sempre contar com isso e, com um pouco de sorte, a fava do trabalho ao domingo cabe à filha do merceeiro.

Mal acordei corri as cortinas, olhei lá para fora e percebi que neste domingo em particular, mais do que noutro qualquer, teria de me ir abastecer. É a claustrofobia do nada, do silêncio, da desolação. Puta que pariu o vazio, o vácuo domingueiro que se arrasta infindável e igual a todos os outros domingos que passo nesta casa que ao domingo se assemelha a uma prisão. Sobretudo desde que a gaja se foi.

Por minha vontade, mandava já a casa e a circunstância à merda e ia passear até Queluz, até Sintra ou até à Arrábida, mas não há gasosa no carro e as finanças estão sobremaneira depauperadas. Bem, estou de saúde e já não é mau e ao menos o merceeiro ainda vende a crédito. Com sorte, ai deus, está lá a filhota querida dele e assim aproveito a ausência certa de clientela para me bater ao piso. Pelo menos, leva um apalpão, tem de levar, até porque gosta.


Acordei cedo, demasiado cedo, é o que é, e, em cima disso, esta de um tipo como eu estar a pé às nove da manhã de um domingo não lembra ao diabo. Sabendo-se para mais que nem sequer estou ressacado após uma valente noite de farra ao sábado. Sabendo-se que nem fui sair ontem. Foda-se. Estou a perder qualidades. Ah, espera um pouco, não é de qualidades que se trata, é de prioridades.

Não, não é a velhice que chega, é a tradução que tive de terminar ontem à noite; não é a perder qualidades, é a criar prioridades. O dinheiro, o sacana do dinheiro, sem ele, de pouco ou nada me servem as qualidades.


Pois, ontem passei o dia a acabar a puta da tradução que supostamente me vai encher os bolsos até ao fim do mês. Já foi em anexo por mail. Agora, só falta a guita no regresso.

Bem, primeiro deixa-me lavar a louça, depois tomar banho, lavar os dentes, cortar as unhas dos pés e, então, pensa Lobo, pensa... Por volta das onze, onze e trinta, whisky.

São agora duas da tarde e faz um sol de Inverno agradável. Liguei a rádio. Uma vaca qualquer canta as virtudes dos domingos. O computador avariou e eu voltei às origens. Calmo, pausado, introspectivo, escrevo à mão. É uma coisa que trás de volta recordações.

Lembro-me, por exemplo, de quando me mudei cá para casa, há tantos anos, ela ainda não tinhas chegado, quanto mais partido, e eu nem sequer uma televisão possuía para enganar o tédio dos domingos. É certo, nesses tempos havia o amigo Adérito Romeu Caravau Pintado (bem haja à sua alma, estás a ver Adérito? Pela primeira vez o teu nome corre pela Internet!) o eterno bêbado e péssimo jogador de poker, e a quem, paulatinamente, sacava as economias da semana à medida que lhe alimentava a bebedeira e que o seu discernimento às cartas diminuía.

Mas, às vezes, nem Adérito tinha. Como é que ultrapassava esses domingos nem eu sei. Bof, também não importa. Tinha sempre companhia. O que me faz pensar que é estranho isto de equiparar as companhias (sobretudo quando são as mais chegadas) a posses, como se fossem mercadorias que servem tão só e apenas para ajudar a passar o tempo e a preencher o tédio que infalivelmente a modorra de um domingo provoca.

Será que o computador já está a funcionar? Que parvoíce ter um pc temperamental... Ou será que estou com os copos e enganei-me no interruptor? Não há de ser nada, encontrei uma ganza enquanto varria o quarto e estou agora a fumá-la. Bom haxe, muito boa ganza... Uh... Sinto a moca lentamente toldando-me o raciocínio.

O que é que escrevia mesmo? Sim, claro.

O meu amigo, a minha mulher, o meu filho e por aí fora. São meus e como são meus têm como utilidade fazer-me sentir acompanhado. Nem mais, nem menos. Nhedasse, que nojeira, ainda para mais, há uma coisa nisso da mercadoria humana que me atrofia sobremaneira. É que se os gajos (os amigos, as mulheres, os filhos) são meus, não quererá isso dizer que eu também “sou” deles?..

Sou deles mas é o caralho. Eu não sou de ninguém e assim é que se está bem. But I digress e nisto são quatro da tarde. Que calorzinho gostoso. E a garrafa está vazia... Caramba, como o tempo passa depressa na companhia de um bom whisky. E esse, sim, é meu, não é de mais ninguém, com a vantagem acrescida de que sendo meu eu não lhe pertenço a “ele”. É, meus filhos, são as vicissitudes de um gajo saber embebedar-se, à séria, com coolness, sem nunca se transformar num bêbado. Pois sim meu lindo.

E nisto vou dormir uma sesta, a ver se passam mais umas horitas que está quase, quase, ultrapassado mais um domingo de merda.

Acordei com uma dor de cabeça perfurante, a boca a saber a papel de jornal, mas cheio de energia, cheio de vontade, de pujança!

Vou tentar outra vez o pc. Arrancou. Está a trabalhar. Não pode ir abaixo, não tenho dinheiro para informáticos. Prioridades à frente. Não foi abaixo. Ver o mail. Ora pois. Bem que me parecia. Já cá canta. Já cá esta, que bom…

Onde está o senhor plástico? Onde o meti, onde? Já não o uso à colhões mas sei que não o perdi, ah, cá está ele, no casaco de moleskin que não vestia há um mês!..

Senhor Portuguese Express, I love You!

E agora, método. Primeiro, deixa espreitar lá para fora a ver como está o mundo… Ena, já é noite! Maravilhoso!.. Que hora será?.. Dez e vinte cinco?!? Fixe!!! Ora bem, tomar um duche rápido, vestir a camisita do engate e ir atestar o depósito. Eu sabia. Eu sabia que este ainda havia de ser... The best Sunday ever.









Lobo Solitário signing off 9) Selfishness.

18.1.07

Soneto bloqueado

Este é o meu primeiro verso,
Rezo para passar do segundo.
O terceiro também não é formoso
E o quarto não é fecundo.

Acho que estou bloqueado,
Merda de sexto verso!
No sétimo quase fico parado
É do oitavo que não passo!

Que fazer? Que fazer
quando não se tem ideias?
Inventar inúteis poemas?

Hora do ponto final
finalmente! Pois desta minha mente,
há muito que não sai ideia decente!

17.1.07

Pensamento do dia


"Jealousy is a disease, love is a healthy condition. The immature mind often mistakes one for the other, or assumes that the greater the love, the greater the jealousy -- in fact, they're almost incompatible; one emotion hardly leaves room for the other. Both at once can produce unbearable turmoil..."

Robert Heinlein, writer.

Verdade Azul





Paracetamol
paciência,
psicanálise,
padre,
prerrogativa,
proibido,
prostituta,
penicilina,
passado,
punheta,
sífilis
presente.

Pais,
provérbios.
Parentes,
princípios.
Mentira.
Pureza.



E Pina Collada.


Na Panela de Pressão.
No Porto.
Em Pânico.
Na Possibilidade.
Num Pinheiro.
Ou num Plátano.


Uma Ponte. A Primeira Ponte. Tu.

.................

Anjo Azul.

Paraíso Perto.

Anjo Azul.

Linguísticas Verdes.

Anjo Azul.

Palácio Da Luz.

Anjo Azul

A Verdade. Tu.

Ponto parágrafo.

Anjo Azul.

16.1.07

Ser português...

Finalmente o meu amigo Dosty resolveu-se a partilhar o sentido do "ser português" com o resto de nós. Para o fazer utilizou a língua de Shakespeare, e não poderia ter agido de melhor forma, porque só num quadro conceptual estrangeiro se pode realmente vincar a essência da alma lusa. Isso dito, aqui publicito a pérola...

Pensamento do dia


"Rien n'est si dangereux qu'un ignorant ami, Mieux vaudrait un sage ennemi."


Jean de La Fontaine

15.1.07

Pêssegos triangulares



Personagens principais: Alfa, Beta, Gama.
Personagem secundária: Senhor Augusto.


Enquadramento:

Cinco horas da tarde. Um fim de dia ameno numa rua da cidade nova de Lisboa. Dois homens de passo estugado e maneira alegre encaminham-se na direcção de um café que faz gaveto entre uma rua concorrida e outra nem tanto. O café tem um nome sugestivo, chama-se “Café 59” e do seu interior emana uma suave fragrância a Outono antecipado. Um dos homens terá trinta e poucos anos, o outro dez a menos. Vestem sobriamente e entram descuidados.

Homem mais velho:

Boa tarde, senhor Augusto

Senhor Augusto:

Então o que é que vão tomar?

Homem mais velho:

Senhor Augusto, pode ser uma imperial e... Um café – aqui para o menino – parece que o médico o proibiu de beber álcool. É por causa dos dentes, cárie, sabe como são essas coisas.

Homem mais novo, reparando pela primeira vez em Beta, a gata do 59, enroscada no seu cantinho ao fundo do balcão:

Senhor Augusto, ao invés da bica, para mim antes um Ice Tea.

Senhor Augusto, com um sorriso escarninho aquecendo-lhe as feições:

Um Ice Tea de?..

Homem novo, grave, sereno:

Pêssego.

Senhor Augusto, profissional dúbio de restauração:

Pêssego, não temos... Só tuti-fruti.

Homen novo, afastando-se, desagradado, caminhando na direcção de Beta.

Seja. Tuti-fruti.

Homem velho, olhar pousado no televisor, voz grave envolvente:

Já conheces o meu amigo, Beta?
Não bebe álcool, é simpático, vem cá conhecê-lo, Beta, vem cá... pxpxpxp...


Beta, desencostando-se e alçando-se afoita, parecendo quase suspirar o corpo ágil na direcção dos dois homens:

Meu gamazito... Não preferes um carioca de limão?

Homem velho:

Humm...

Homem novo, interpondo-se:

O meu nome é Alfa.

Beta, aproximando-se quatro passos certeiros:

Alfa, Portador da Luz?

Alfa, embaraçado, em surdina:

Beta, Portadora das Trevas?

Homem velho, projectando a voz:

Sirva lá fora, senhor Augusto, estamos a precisar de apanhar ar.

Senhor Augusto, sibilante:

Como queiram, têm muito que estudar, não é verdade? Vá, idem lá para fora que faz um dia bonito e nunca é tarde para se aprender o Alfabeto.

Fim.

14.1.07

Pensamento da noite

Simplicity, simplicity, simplicity! I say, let your affairs be as two or three, and not a hundred or a thousand instead of a million count half a dozen, and keep your accounts on your thumb-nail.

Henry David Thoreau

11.1.07

Tuesday tamed clutch




We met on a Tuesday.

You were nervous blush but bright.

I for myself exhaled expertise

In a rush I touched and clutched.

With the approach of a tease

I drove your hand and clutch we fixed.


With that we were bent

And indoors prisoners upon we went.


Both felling gloomy and lame

We naked conventions, pride, literary fame!


Suddenly we remembered

We were not ordinary pieces

Made from paper or tissues.


Through dinner and cream fish

We climbed high and had a full dish

And with a final a glowing spark

we slimmed again alone to the dark.

Taken with the Time

God gave us to spend


Together we embraced

Music Literature and lime.

And drinks those we sipped.

Though our lips they never reached.


As to the wildest of desires, that -

We did tame...


Oh, and did any mortal,

Any mortal

For that matter - ever submitted

Ever tamed!


These senseless words I wrote, in a cold winter night, in a gray framework of mind, having for companion but a crisp wind and a bittersweet memory; a remembrance of you, you most graceful being I’ve met, my very true - Mrs Ana Blue.

6.1.07

Pensamento da noite


“Perhaps I know best why it is man alone who laughs; he alone suffers so deeply that he had to invent laughter.”


Friedrich Nietzsche

Aqui, música,

Blogosphere Blues



I feel so blue today I can’t express it in words, I’m blue and I don’t know why. It’s this fatigue thing, this feel of being drained, this absolute incapacity to write a single word that makes sense or is meaningful not only to me but to others, to the people who come here and expect to find something to read worthwhile their ten minutes attention span.

I’m sorry, I just can’t do it. I got the blues and I don’t know why the blues got me. Maybe I’m just tired, yeah I am tired but that’s not enough. Maybe it’s this tendency to rush on with life, rush life to the limit and then, one beautiful morning, like today, I wake up, look myself in the mirror and ask: why all the fuss? What are you aiming at, who are you running from or what is it that you’re running to?

It’s time to take time. As a very good friend of mine says, time consumes us, time turns us upside down, we either have too much of it or too little, and we never seem to have the perfect timing.

Well, I got the blues and as I got the blues I need to take time.

Sinto em mim a fraqueza do exército de Xerxes, quando o rei dos reis ordenou que se construísse sobre o mundo a ponte do Ponto que não levaria nem o exército nem Xerxes a ponto algum, que não o ponto da morte, ponto passagem para outro ponto além que não lhes sorriu, nem a Xerxes nem ao exército nem a mim tão pouco a ponto algum que não um ponto de partida onde tu não estás e eu não estou também.

Feeling blue I criss-cross an encrypted message, toss it a bottle and throw it to the open see of the blogosphere. Increasingly, our communication time is spent more and more in front of a computer, managing our every day life needs and wishes from a keyboard. This fact alone means a radical change in what we are, not only as individuals, but also as Society.

Quando Xerxes ordenou às suas tropas que atravessassem o Ponto sabia quão inglória a travessia se revelaria. A ponte sobre o Ponto não ruiu e tal foi tomado pelos feiticeiros que acompanhavam o exército como um bom presságio. Ponto. Xerxes convocou os xamãs e questionou-os sobre o que estrelas destinavam à sua venturosa empreitada. Ponto. Os Xamãs reponderam-lhe. Ponto. “Ó Rei dos Reis, quão magnífico é o Teu exército! Cem mil cabeças obedecem sem pestanejar às Tuas ordens, Rei dos Reis! Em breve, muito em breve, esmagarás os Gregos!” Ponto.


Quando eu morrer e for a enterrar, se alguma alma caridosa se lembrar de mandar pôr uma lápide na minha última morada, gostaria muito que nela se pudesse ler: Here sleeps a pointy-headed-pseudo-leftist-intellectual-friend. Be violent. Smash a fucking window, It will make you fell good and will get you out of the cold.

A verdade é que vivemos numa sociedade que convive muito mal com o sexo. Numa sociedade que se escandaliza, que se horroriza, que se flagela, porque meia dúzia de gajos mais ou menos importantes terá enrabado meia-dúzia de meninos menos importantes. Que o fenómeno da pedofilia nos perturbe, consigo compreender. Que ele suscite um clamor irracional de vozes, manifestações, cartas abertas, declarações, processos de intenções, julgamentos na praça pública, isso, já não consigo.



The blogosphere is the world of the ephemeral, of the transient and this brings us to style. Make your posts short and make them good: align text, add good visual aids to the post in question. It is not that sometimes you can’t write your 1000 words diatribes. Just don’t over do it. Most bloguers will blog away when they see a 1000 word post.

Feeling blue I mix (MY) words that make no sense and expect my pastiche to become a work of art. It will not. Anyway, I’ve developed across the years a very sceptical personality. I think that bloguing is great fun. It takes me to unreal places I’ve never been before. It makes feel good. And bad. And blue. Hell, I even meet people in real life that I’ve known previously from bloguing. How blue can that be? I even develop real life friendships! It's fuckin' blue and the best part is I like to publish my work, call me vain.

O exército estava todavia enfraquecido. A marcha através da Ásia Menor minara os homens empobrecendo os seus corações com a mais triste das doenças: a saudade de casa, a saudade das suas famílias, dos seus amores, dos seus mistérios, dos segredos que nem Xerxes nem os xamãs que seguiam no seu séquito logravam compreender. Ponto.

Enfim, Xerxes percebeu que estava tudo perdido e que nunca venceria os Gregos, nem ele nem os que caminhassem na sua peugada. E então. Ponto. Xerxes convocou os xamãs e pronunciou: dois pontos.

“Estes homens que vêem construindo sobre o Ponto a ponte, são cem mil cabeças. Com as vossas e a minha, são cem mil e uma cabeças. Ponto. Dentro de cem anos, estaremos todos mortos.” Ponto.

Seiscentos anos depois, um homem a quem a história chamou César, atravessa o Rubicão. Ponto. Não teve medo e morreu. Ponto. Onde estás, Gazela afoita? Ponto. Quero atravessar o ponto. Quero atravessá-lo contigo. Ponto.

«Aimer et penser: c'est la veritable vie des esprits. » Voltaire.

Feeling blue, i don't feel like loving and much less like thinking. In the broad day ligth you left me wondering why, why with us it can not be.

Lobo Solitário signing off, 8-avariciousness.

Partida de caça



Quando eu perder a leveza de movimento e me fugir a argúcia de pensamento, nesse dia, sem hesitações, suicido-me. Quando alguém me bater no meu jogo ou a presa escapar por mais do que uma vez às minhas emboscadas, nesse dia, nem precisarei de me suicidar. Morrerei de fome. Quando o dia chegar em que uma vontade mais forte do que a minha me ditar a sua lei, tornar-me-ei ilegal e continuarei o jogo, só que a partir desse momento, as regras serão outras, serão as regras que forem mais convenientes a mim próprio e a mais ninguém. Aliás, já assim o é. Uma vontade mais forte do que a minha fez de mim aquilo que hoje sou.

Sou um caçador e chefiei um dia uma matilha. Hoje caço só porque assim o desejei e porque a matilha foi dizimada pelo Homem em virtude da fraqueza intrínseca aos outros lobos. Caçar só não é fácil, as emboscadas demoram muito mais tempo até surtirem efeito e preparar as minhas armadilhas requer extrema concentração e subtileza. Mas prefiro-me assim. Não há elos fracos e é raro a presa escapar-se-me. Quando me escapa, caço-a de novo até a devorar.

Escolho as minhas presas com antecedência e escolho sempre as melhores. Só essas me podem garantir alimento que baste entre caçadas, dado que por ser apenas um lobo a frequência das minhas emboscadas é diminuta. E a minha energia também já não é a mesma que era nos tempos em que chefiava a matilha. No entanto, o que perdi em velocidade e resistência, ganhei em sageza.

Tornei-me consciente de que a caçada perfeita não reside apenas no quilate da presa mas, e até mais, na excelência do cerco que lhe monto.

Escolho as minhas presas e estudo-as afincadamente antes sequer de que estas se apercebam de que estão prestes a serem assassinadas. Preparo a emboscada com semanas de antecedência, e, quando finalmente ataco, já conheço as minhas presas melhor do que elas se conhecem a si mesmas.

Sei exactamente que caminho irão tomar na sua fuga desenfreada e limito-me a acossá-las em direcção à armadilha que previamente lhes destinei. O beco sem saída do qual tomam finalmente consciência, aterrorizadas, ao mesmo tempo que sentem já nos flancos a aproximação fatal do meu bafo quente e ternurento. Nos últimos momentos das suas vidas, mostro-lhes o meu respeito e admiração pelo seu porte e pelo seu garbo. Cravo-lhes as mandíbulas na jugular e em poucos instantes tudo está terminado.

Há presas muito difíceis de caçar e a essas caço-as só para por à prova as minhas capacidades e refinar a minha arte. Entre outras, o Búfalo, o Urso e a Serpente não são presa fácil para um Lobo. Em teoria, até são presas impossíveis, mas para mim não há impossíveis.

O Búfalo é forte e rápido, mas é estúpido. Dadas a sua força e rapidez, quando caço um Búfalo tenho sempre o cuidado de nunca me aproximar em demasia dele. Pico e fujo, pico e fujo, fujo e pico e canso-o. Uma caçada ao Búfalo pode demorar dias. Dias inteiros a exaurir a sua força e a sua vontade. Dias inteiros sem permitir que se alimente ou que beba. Ainda assim, um Lobo é mais rápido do que um Búfalo e encontra sempre tempo na caçada para se alimentar de presas menores. Finalmente, quando o Búfalo está exausto, caio-lhe como um raio sobre a jugular e chacino-o, deleitando-me nos jorros do seu sangue quente. Pouco mais aproveito do Búfalo do que o calor do seu sangue abundante. Tigres, Leões e chacais logo surgem a disputar o meu troféu e um dos motivos da minha longevidade reside em evitar o convívio com outros predadores.

O Urso é forte, é rápido embora pesado, mas é temperamental. Caçar o Urso requer sobretudo rapidez, imensa rapidez de movimentos e finalmente uma agilidade tremenda no clímax da caçada. É que basta um toque do Urso e tudo está terminado. Caça-se o urso ao contrário, caça-se o urso fugindo dele. Pica-se o urso como ao Búfalo, mas o objectivo não é esgotá-lo. O objectivo é enfurecê-lo de tal modo que me persiga absolutamente confiante da sua superioridade e cheio de um desprezo desdenhoso que só o enfurece ainda mais por um Lobo que se atreve a provocá-lo. Então, é só conduzir o Urso para um precipício. No último momento, quando já sinto as suas garras a roçarem no meu pêlo, num último esforço supremo, elevo-me num salto magnífico, torço o corpo em pleno ar, mudo de direcção antes de começar a descer e aterro em terra firme. Já o Urso, cego pelo seu temperamento, não pára nem muda de direcção. Mesmo que se apercebesse de que caíra numa armadilha, seria demasiado tarde… O peso, o peso do Urso é a sua perdição. Desço a vereda e o Urso agoniza gemendo. Os olhos raiados de sangue fitam-me, implorando misericórdia, mas não lha concedo. Num último gesto de apreço, lambo-lhe o focinho e então cravo-lhe fundas as mandíbulas no pescoço. Um urso demora mais tempo a matar do que um Búfalo. Rasgo-o e como-lhe o coração. Do Urso, como do Búfalo, pouco mais aproveito, pelos motivos que já explicitei.

A serpente é de todas a presa mais perigosa. A serpente não tem força, mas é rápida, astuciosa e hipnotiza o seu oponente. Com a serpente, uma distracção e o jogo acabou porque a serpente é também venenosa. A serpente caça-se só de uma maneira. De olhos fechados. Se olharmos a serpente ela hipnotiza-nos e então tudo está perdido. A serpente caça-se de ouvido. Com a serpente o silêncio e a rapidez são vitais. Para caçar a serpente é preciso esperar horas a fio em silêncio e imobilidade total até que esteja à distância de um salto das mandíbulas espetadas na cabeça. É preciso ser fulminante. Com a serpente todos os cuidados são poucos. É uma presa frustrante porque está sempre alerta e sendo astuciosa muitas vezes finge não se aperceber do caçador com o intuito de lhe pregar uma valente partida no momento em que este já cai sobre ela. Vi muitos lobos morrerem sem saberem como quando julgavam já ter a serpente à sua mercê. Caçar a serpente é um jogo de morte. E de sorte. Por isso, só cacei a serpente uma vez. E bastou. Da serpente não aproveitei nada. A serpente sabia a fel e pus e nunca mais procurei caçar serpentes. Hoje, evito-as.

Hoje, um Lobo velho e cansado, mas sábio, evito presas como o Urso, o Búfalo ou a Serpente. Hoje, só caço a melhor das presas. Só caço a Gazela. As carnes da Gazela são tenras e doces e a sua carcaça fácil de arrastar para local seguro, onde me proporcionará alimento por muitas luas.
A Gazela é extremamente sensível e está sempre alerta. Os seus sentidos de audição, olfacto e visão são excelentes. E a Gazela é também rápida. Mas tem um defeito. Que é a sua perdição. A Gazela é demasiado afoita.

No dia em que perder a leveza de movimento e me fugir a argúcia de pensamento, nesse dia, sem hesitações, suicido-me. Quando a presa escapar por mais do que uma vez às minhas emboscadas, quando descobrir que já não sou um caçador, nesse dia, nem precisarei de me suicidar. Morrerei de fome.

5.1.07

Oração fúnebre



“Sou, ou melhor, era (pois é esse o estilo que agora devo utilizar ao falar de mim próprio, que me encoraja a expressar melhor os meus sentimentos), era, repito, um homem de disposição moderada, domínio de temperamento e humor aberto, mas pouco susceptível à inimizade, e de grande moderação em todas as minhas paixões. Mesmo o amor pela fama literária, a minha paixão dominante, nunca azedou o meu temperamento, não obstante as frequentes desilusões. A minha convivência não era desagradável aos jovens e descuidados, como também aos estudiosos e instruídos. E como tinha um especial prazer na companhia de mulheres recatadas, não encontrei razões para ficar desagradado com a recepção que da parte delas encontrei.

Numa palavra (…) Os meus amigos nunca encontraram ocasião para reclamar em qualquer circunstância do meu carácter e conduta; não que os zelotas, podemos bem supor, não tivessem ficado contentes por inventar e propagar alguma história que me fosse desvantajosa, mas nunca conseguiram descobrir nenhuma que julgassem gozar de plausibilidade. Não posso dizer que não há vaidade quando faço esta oração fúnebre de mim próprio, mas espero que não seja deslocada, e esta é uma questão de facto que facilmente pode ser esclarecida e certificada.”


David Hume, 18 de Abril, 1776.


Tradução via Lado Negro da Lua.

3.1.07

Pensamento do dia


"A day in the Marine Corps is like a day on a farm. Every meal’s a banquet! Every paycheck a fortune! Every formation a parade! I LOVE the corps!"

Sergeant Apone, in Aliens II

2.1.07

Lisboa, Lisboa



Espalhem esta notícia

Digam-na a todos os amigos

Não se façam rogados

É uma óptima notícia!

Suponho que não é...

Todos os dias que coisa assim sucede.

Os meus novos sapatos de vagabundo, anseiam... Finalmente...

Por se estrear!

É verdade, hoje resolvi, hoje resolvi...

Arrancar.

Ir-me embora, Adeus!

Adeus mãe, adeus pai, adeus Luísa,

Hoje, vou-me embora e se calhar...

Não volto... Não volto... Nunca mais.

A vida chama e...

Eu, o Lobo vagabundo.

Faço parte

desse chamamento.

Vou embora! Que sorte!..

Sei que irei chorar este dia.

Mas compreendo.

Que também o irei sorrir.

Tenho de partir.

E está certo.

A cidade chama por mim.

As luzes há muito me desejam

Com a intensidade de mil sóis.

Hoje vou dar corda aos sapatos.

Aos pés vagabundos do Lobo.

Vou para lá, e se lá vencer

Vencerei em todo a parte.

E vou. E já é tarde. E até sempre!

Lisboa, Lisboa, o teu filho está a chegar.



PS - Para vos compensar de um post tão desenxabido aqui deixo,

1.1.07

Pensamento de 2007


“ - You know, some dudes might have the coin but they will never have the quan.
- What, what is the quan?..
- It means Love, Respect, Community. And the dollars too, the entire package. The… Quan.”


Taken from Jerry Maguire.

Este texto já foi pensado e repensado de tantas formas, titulado de tantas outras, que não me pareceu de todo em todo descabido chamar-lhe Pensamento de 2007. Não sendo realmente um pensamento, mas porventura a acumulação de diversos fragmentos soltos de pensamentos díspares que concorrem num ou em vários sentidos, consoante as formas que encontrarem para o ler, é um texto que diz muito pouco daquilo que realmente me parece importante para o Ano que acaba de começar, e no entanto parece-me que diz muito mais do que possa parecer à primeira leitura, visto que está repleto de subentendidos e de desejos recalcados e de vontades por cumprir.

E a verdade é que a citação de Jerry Maguire pouco ou nada tem a ver com isso, ou se calhar até terá mais do que se possa pensar. É um pensamento diferente, num sentido é um pensamento do tipo charada, noutro é um pensamento cristalino, amadurecido ao longo de dias e dias repensando-o e reescrevendo-o.

Em rigor, regressando ao início, nestes últimos dias, com tantas coisas novas a sucederem, cheguei à conclusão de que a história do "Quan" supra-citado está muito mal contada. E mais, não só está mal contada como me parece que o ideal do "Quan" é uma das principais causas para infelicidade das pessoas no Mundo Ocidental.

Este ideal de que podemos obter para as nossas vidas a perfeição absoluta (Amor, Respeito, Comunidade, Dinheiro) é promovido até à exaustão, não só por Hollywood, mas por toda a maquinaria de comunicação do Ocidente, blogosfera incluída. É um ideal de perfeição absoluta que nos vendem como sendo o objectivo supremo das nossas vidas e, o que é pior, como sendo perfeitamente realizável logo ali ao virar da esquina.

Todos desejamos o amor perfeito, o respeito total, a integração absoluta na comunidade e dinheiro quanto baste para não termos de nos preocupar com o futuro. Mas este ideal do "Quan" que os sacanas dos capitalistas modernos nos vendem por todos os meios ao seu alcance, dado que lhes interessa, visto que sendo espertos como são sabem que apenas uns raros felizardos o alcançarão – é impossível.

E como é um ideal impossível provoca nas pessoas uma terrível frustração. Ora, no mundo moderno a lógica do "Quan" funciona ao reverso; ou seja, visto que o absoluto que nos prometem não é de facto realizável, a sociedade de consumo apresenta em seu lugar os sucedâneos menos aparentados com esse ideal de felicidade suprema que nos frustrou. É tão simples que até chateia; Não obteve a promoção de que estava à espera? Vá ver o último filme do Chuck Norris. O amor da sua vida trocou-o (a) por uma consola de videojogos? Compre um telemóvel. Os vizinhos olham-no como a um anormal que não merece um psicar de olhos? Compre um automóvel descapotável. A sua conta bancária está sempre a zeros? Crie um blogue e nele façasse passar por rico.


E o que sucede é que a grande maioria de nós, bombardeados por todos os lados com a mensagem subliminar do “Quan”, de acordo com a qual só se É, só se É verdadeiramente se em todas as áreas formos realmente perfeitos em todas elas, assumimos que esta história do "quan" acontece ipsis verbis, quando a verdade é outra: o "Quan" não existe, ou se existe é extremamente efémero.

Vejam bem o meu caso, que não sendo exemplar, diagnostica até que ponto mesmo tipos como eu, lúcidos e clarividentes, se deixam endrominar pela lógica do "Quan". Neste ano que passou, já tive dinheiro para dar e gastar (obrigado por teres falecido antecipadamente, avó) e isso não me trouxe felicidade por aí além; tive respeito e inserção na comunidade e também não chegou. De que me adiantava se à noite dormia sozinho? Depois veio o amor mas o amor era pouco e não chegou. E por fim fiquei aborrecidíssimo com tudo isso e acabei por refugiar-me na aquisição de bens materiais de que não precisava, só para ver o dinheiro escoar-se mais depressa do que se soletra S-O-R-V-E-D-O-U-R-O.

O Pensamento do Ano não é um pensamento à Platão. É mais é um pensamento à David Hume. Para 2007 quero de tudo um pouco; um pouco de respeito, um pouco de amor, um pouco de comunidade e um pouco de dinheiro. Não preciso de muito. Só um poucochinho. E digo-vos ainda: Se tiver de “mentir” (mos) para alcançar aquilo que de entre todos esses aspectos mais me (nos) interessa, então assim seja.

Com fair play e com a noção de que a vida é demasiado curta para nos dedicarmos a platonices que não fazem qualquer sentido, desejo que 2007 seja o ano da confirmação do Absoluto, não em todas as áreas mas apenas numa. Nas outras, desejo que 2007 se cumpra, que se faço algo sobre as emissões de CO2 (a começar por nós, toca a usar menos o carrito e a fazer a triagem do lixo antes de o despejar na soleira do Ecoponto), que se faça algo sobre o ninho de vespas do Iraque, que as religiões passem a ter menos importância na condução dos destinos de todos (Esta é um pouco forçada, mas enfim, sou um optimista nato).

Acima de tudo, meus caros, lutarei pela realização dum desejo pessoal de absoluto, que tem a ver com a minha alma gémea, que já percebeu muito bem que o absoluto para nós é impossível e que teremos de fazer compromissos se é que alguma vez conseguiremos crescer e criar juntos. Afinal, se calhar o “Quan” até existe, mas existindo ou não, é importante não esquecer que há valores muito mais importantes do que nós ou de que o desejo egoísta que nos vendem como algo de real e honesto. É por causa da exacerbação desse individualismo do “Quan” que o Mundo chegou onde chegou. O individualismo em si não é uma coisa má, só que o Individualismo atingiu no Ocidente tais proporções que todos os outros não podem senão olhar-nos com ódio e rancor. Pensamos tanto em nós, só em nós, que nem sequer nos lembramos que estralhaçamos vidas alheias para alcançar o pretenso “Quan”, que sempre nos escapa, dado ser essa a lógica da sociedade de consumo capitalista em que vivemos. Como nos escapa sempre, aliámos ao Individualismo um tal egoísmo que receio bem que estejamos a caminhar a passos largos para a nossa perdição.


E pronto, está quase completo o pensamento de 2007. Falta apenas acrescentar um dado de vital importância. É algo que considero absolutamente vital para qualquer demanda em que embarque. Ou seja, a capacidade de me rir de mim próprio e da patetice que é um sujeito grão de areia como eu estar preocupado em tecer elaboradíssimas considerações acerca do que é importante na sua (nossa) vida.

Assim sendo, o pensamento de 2007 subdivide-se em dois. A primeira parte é a seguinte. A segunda, bem, a segunda fica a cargo da Michelle.