22.1.07

The best Sunday ever



Não gosto de passar os meus domingos assim, longe do que realmente me apetece fazer. Ao domingo a minha rua sofre uma enorme mutação e passa de uma artéria concorrida, a abarrotar de gente e de automóveis, que fluem sem nexo aparente que não seja o de saudar essa milagre magnífico que é a vida citadina, para uma ruela parada no tempo onde apenas as moscas e o ocasional gato tresmalhado se fazem notar.

Ao domingo os filhos da puta vão-se todos embora, é o que dá viver numa rua de gente mais ou menos abonada, e eu fico aqui sozinho. Mesmo antes de a minha gaja partir já não gostava desta quietude mórbida, mas ao menos, então, tinha-a para apaziguar a angústia da solidão. Cabra de merda.


Agora não tenho nada nem ninguém, ou melhor, tenho o minimercado da esquina que nem aos domingos encerra e que vende garrafas de whisky irlandês a crédito. Pode-se sempre contar com isso e, com um pouco de sorte, a fava do trabalho ao domingo cabe à filha do merceeiro.

Mal acordei corri as cortinas, olhei lá para fora e percebi que neste domingo em particular, mais do que noutro qualquer, teria de me ir abastecer. É a claustrofobia do nada, do silêncio, da desolação. Puta que pariu o vazio, o vácuo domingueiro que se arrasta infindável e igual a todos os outros domingos que passo nesta casa que ao domingo se assemelha a uma prisão. Sobretudo desde que a gaja se foi.

Por minha vontade, mandava já a casa e a circunstância à merda e ia passear até Queluz, até Sintra ou até à Arrábida, mas não há gasosa no carro e as finanças estão sobremaneira depauperadas. Bem, estou de saúde e já não é mau e ao menos o merceeiro ainda vende a crédito. Com sorte, ai deus, está lá a filhota querida dele e assim aproveito a ausência certa de clientela para me bater ao piso. Pelo menos, leva um apalpão, tem de levar, até porque gosta.


Acordei cedo, demasiado cedo, é o que é, e, em cima disso, esta de um tipo como eu estar a pé às nove da manhã de um domingo não lembra ao diabo. Sabendo-se para mais que nem sequer estou ressacado após uma valente noite de farra ao sábado. Sabendo-se que nem fui sair ontem. Foda-se. Estou a perder qualidades. Ah, espera um pouco, não é de qualidades que se trata, é de prioridades.

Não, não é a velhice que chega, é a tradução que tive de terminar ontem à noite; não é a perder qualidades, é a criar prioridades. O dinheiro, o sacana do dinheiro, sem ele, de pouco ou nada me servem as qualidades.


Pois, ontem passei o dia a acabar a puta da tradução que supostamente me vai encher os bolsos até ao fim do mês. Já foi em anexo por mail. Agora, só falta a guita no regresso.

Bem, primeiro deixa-me lavar a louça, depois tomar banho, lavar os dentes, cortar as unhas dos pés e, então, pensa Lobo, pensa... Por volta das onze, onze e trinta, whisky.

São agora duas da tarde e faz um sol de Inverno agradável. Liguei a rádio. Uma vaca qualquer canta as virtudes dos domingos. O computador avariou e eu voltei às origens. Calmo, pausado, introspectivo, escrevo à mão. É uma coisa que trás de volta recordações.

Lembro-me, por exemplo, de quando me mudei cá para casa, há tantos anos, ela ainda não tinhas chegado, quanto mais partido, e eu nem sequer uma televisão possuía para enganar o tédio dos domingos. É certo, nesses tempos havia o amigo Adérito Romeu Caravau Pintado (bem haja à sua alma, estás a ver Adérito? Pela primeira vez o teu nome corre pela Internet!) o eterno bêbado e péssimo jogador de poker, e a quem, paulatinamente, sacava as economias da semana à medida que lhe alimentava a bebedeira e que o seu discernimento às cartas diminuía.

Mas, às vezes, nem Adérito tinha. Como é que ultrapassava esses domingos nem eu sei. Bof, também não importa. Tinha sempre companhia. O que me faz pensar que é estranho isto de equiparar as companhias (sobretudo quando são as mais chegadas) a posses, como se fossem mercadorias que servem tão só e apenas para ajudar a passar o tempo e a preencher o tédio que infalivelmente a modorra de um domingo provoca.

Será que o computador já está a funcionar? Que parvoíce ter um pc temperamental... Ou será que estou com os copos e enganei-me no interruptor? Não há de ser nada, encontrei uma ganza enquanto varria o quarto e estou agora a fumá-la. Bom haxe, muito boa ganza... Uh... Sinto a moca lentamente toldando-me o raciocínio.

O que é que escrevia mesmo? Sim, claro.

O meu amigo, a minha mulher, o meu filho e por aí fora. São meus e como são meus têm como utilidade fazer-me sentir acompanhado. Nem mais, nem menos. Nhedasse, que nojeira, ainda para mais, há uma coisa nisso da mercadoria humana que me atrofia sobremaneira. É que se os gajos (os amigos, as mulheres, os filhos) são meus, não quererá isso dizer que eu também “sou” deles?..

Sou deles mas é o caralho. Eu não sou de ninguém e assim é que se está bem. But I digress e nisto são quatro da tarde. Que calorzinho gostoso. E a garrafa está vazia... Caramba, como o tempo passa depressa na companhia de um bom whisky. E esse, sim, é meu, não é de mais ninguém, com a vantagem acrescida de que sendo meu eu não lhe pertenço a “ele”. É, meus filhos, são as vicissitudes de um gajo saber embebedar-se, à séria, com coolness, sem nunca se transformar num bêbado. Pois sim meu lindo.

E nisto vou dormir uma sesta, a ver se passam mais umas horitas que está quase, quase, ultrapassado mais um domingo de merda.

Acordei com uma dor de cabeça perfurante, a boca a saber a papel de jornal, mas cheio de energia, cheio de vontade, de pujança!

Vou tentar outra vez o pc. Arrancou. Está a trabalhar. Não pode ir abaixo, não tenho dinheiro para informáticos. Prioridades à frente. Não foi abaixo. Ver o mail. Ora pois. Bem que me parecia. Já cá canta. Já cá esta, que bom…

Onde está o senhor plástico? Onde o meti, onde? Já não o uso à colhões mas sei que não o perdi, ah, cá está ele, no casaco de moleskin que não vestia há um mês!..

Senhor Portuguese Express, I love You!

E agora, método. Primeiro, deixa espreitar lá para fora a ver como está o mundo… Ena, já é noite! Maravilhoso!.. Que hora será?.. Dez e vinte cinco?!? Fixe!!! Ora bem, tomar um duche rápido, vestir a camisita do engate e ir atestar o depósito. Eu sabia. Eu sabia que este ainda havia de ser... The best Sunday ever.









Lobo Solitário signing off 9) Selfishness.