1.1.07
Pensamento de 2007
“ - You know, some dudes might have the coin but they will never have the quan.
- What, what is the quan?..
- It means Love, Respect, Community. And the dollars too, the entire package. The… Quan.”
Taken from Jerry Maguire.
Este texto já foi pensado e repensado de tantas formas, titulado de tantas outras, que não me pareceu de todo em todo descabido chamar-lhe Pensamento de 2007. Não sendo realmente um pensamento, mas porventura a acumulação de diversos fragmentos soltos de pensamentos díspares que concorrem num ou em vários sentidos, consoante as formas que encontrarem para o ler, é um texto que diz muito pouco daquilo que realmente me parece importante para o Ano que acaba de começar, e no entanto parece-me que diz muito mais do que possa parecer à primeira leitura, visto que está repleto de subentendidos e de desejos recalcados e de vontades por cumprir.
E a verdade é que a citação de Jerry Maguire pouco ou nada tem a ver com isso, ou se calhar até terá mais do que se possa pensar. É um pensamento diferente, num sentido é um pensamento do tipo charada, noutro é um pensamento cristalino, amadurecido ao longo de dias e dias repensando-o e reescrevendo-o.
Em rigor, regressando ao início, nestes últimos dias, com tantas coisas novas a sucederem, cheguei à conclusão de que a história do "Quan" supra-citado está muito mal contada. E mais, não só está mal contada como me parece que o ideal do "Quan" é uma das principais causas para infelicidade das pessoas no Mundo Ocidental.
Este ideal de que podemos obter para as nossas vidas a perfeição absoluta (Amor, Respeito, Comunidade, Dinheiro) é promovido até à exaustão, não só por Hollywood, mas por toda a maquinaria de comunicação do Ocidente, blogosfera incluída. É um ideal de perfeição absoluta que nos vendem como sendo o objectivo supremo das nossas vidas e, o que é pior, como sendo perfeitamente realizável logo ali ao virar da esquina.
Todos desejamos o amor perfeito, o respeito total, a integração absoluta na comunidade e dinheiro quanto baste para não termos de nos preocupar com o futuro. Mas este ideal do "Quan" que os sacanas dos capitalistas modernos nos vendem por todos os meios ao seu alcance, dado que lhes interessa, visto que sendo espertos como são sabem que apenas uns raros felizardos o alcançarão – é impossível.
E como é um ideal impossível provoca nas pessoas uma terrível frustração. Ora, no mundo moderno a lógica do "Quan" funciona ao reverso; ou seja, visto que o absoluto que nos prometem não é de facto realizável, a sociedade de consumo apresenta em seu lugar os sucedâneos menos aparentados com esse ideal de felicidade suprema que nos frustrou. É tão simples que até chateia; Não obteve a promoção de que estava à espera? Vá ver o último filme do Chuck Norris. O amor da sua vida trocou-o (a) por uma consola de videojogos? Compre um telemóvel. Os vizinhos olham-no como a um anormal que não merece um psicar de olhos? Compre um automóvel descapotável. A sua conta bancária está sempre a zeros? Crie um blogue e nele façasse passar por rico.
E o que sucede é que a grande maioria de nós, bombardeados por todos os lados com a mensagem subliminar do “Quan”, de acordo com a qual só se É, só se É verdadeiramente se em todas as áreas formos realmente perfeitos em todas elas, assumimos que esta história do "quan" acontece ipsis verbis, quando a verdade é outra: o "Quan" não existe, ou se existe é extremamente efémero.
Vejam bem o meu caso, que não sendo exemplar, diagnostica até que ponto mesmo tipos como eu, lúcidos e clarividentes, se deixam endrominar pela lógica do "Quan". Neste ano que passou, já tive dinheiro para dar e gastar (obrigado por teres falecido antecipadamente, avó) e isso não me trouxe felicidade por aí além; tive respeito e inserção na comunidade e também não chegou. De que me adiantava se à noite dormia sozinho? Depois veio o amor mas o amor era pouco e não chegou. E por fim fiquei aborrecidíssimo com tudo isso e acabei por refugiar-me na aquisição de bens materiais de que não precisava, só para ver o dinheiro escoar-se mais depressa do que se soletra S-O-R-V-E-D-O-U-R-O.
O Pensamento do Ano não é um pensamento à Platão. É mais é um pensamento à David Hume. Para 2007 quero de tudo um pouco; um pouco de respeito, um pouco de amor, um pouco de comunidade e um pouco de dinheiro. Não preciso de muito. Só um poucochinho. E digo-vos ainda: Se tiver de “mentir” (mos) para alcançar aquilo que de entre todos esses aspectos mais me (nos) interessa, então assim seja.
Com fair play e com a noção de que a vida é demasiado curta para nos dedicarmos a platonices que não fazem qualquer sentido, desejo que 2007 seja o ano da confirmação do Absoluto, não em todas as áreas mas apenas numa. Nas outras, desejo que 2007 se cumpra, que se faço algo sobre as emissões de CO2 (a começar por nós, toca a usar menos o carrito e a fazer a triagem do lixo antes de o despejar na soleira do Ecoponto), que se faça algo sobre o ninho de vespas do Iraque, que as religiões passem a ter menos importância na condução dos destinos de todos (Esta é um pouco forçada, mas enfim, sou um optimista nato).
Acima de tudo, meus caros, lutarei pela realização dum desejo pessoal de absoluto, que tem a ver com a minha alma gémea, que já percebeu muito bem que o absoluto para nós é impossível e que teremos de fazer compromissos se é que alguma vez conseguiremos crescer e criar juntos. Afinal, se calhar o “Quan” até existe, mas existindo ou não, é importante não esquecer que há valores muito mais importantes do que nós ou de que o desejo egoísta que nos vendem como algo de real e honesto. É por causa da exacerbação desse individualismo do “Quan” que o Mundo chegou onde chegou. O individualismo em si não é uma coisa má, só que o Individualismo atingiu no Ocidente tais proporções que todos os outros não podem senão olhar-nos com ódio e rancor. Pensamos tanto em nós, só em nós, que nem sequer nos lembramos que estralhaçamos vidas alheias para alcançar o pretenso “Quan”, que sempre nos escapa, dado ser essa a lógica da sociedade de consumo capitalista em que vivemos. Como nos escapa sempre, aliámos ao Individualismo um tal egoísmo que receio bem que estejamos a caminhar a passos largos para a nossa perdição.
E pronto, está quase completo o pensamento de 2007. Falta apenas acrescentar um dado de vital importância. É algo que considero absolutamente vital para qualquer demanda em que embarque. Ou seja, a capacidade de me rir de mim próprio e da patetice que é um sujeito grão de areia como eu estar preocupado em tecer elaboradíssimas considerações acerca do que é importante na sua (nossa) vida.
Assim sendo, o pensamento de 2007 subdivide-se em dois. A primeira parte é a seguinte. A segunda, bem, a segunda fica a cargo da Michelle.
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