De vir aqui e dizer olá. A vida não seria a mesma sem o lado. Gosto. De estar aqui a falar convosco, a um sábado. Gosto, de filmes realizados por Tarantino. Gosto, de literatura perversa, edicções Lda. Gosto.
29.11.08
24.11.08
22.11.08
Queimem as pontes
Diz a lenda que após atravessar o Ganges, Alexandre o Grande ordenou aos seus soldados exaustos que queimassem as pontes atrás de si.
Alexandre morreria mais tarde, pouco depois do seu regresso da Índia, numa cidade perto da Bagdade contemporânea, ironia das ironias, muito antes de completar o seu sonho de unir o Oriente ao Ocidente. As circunstâncias da sua morte prematura nunca foram esclarecidas.
Muito depois, o queimar das pontes do macedónio acabou traduzido para o inglês do séc. XX, grosso modo, como «Point of no return».
Nunca percebi porquê.
Não sei se é uma tradução positiva ou negativa ou ambas ou mais do que isso.
A atitude do homem em si é um «nó górdio» na consciência do que somos na Europa de hoje, dos valores helénicos e iluminados, não é possível traduzi-la e é por isso que aqui estou a mencioná-la.
21.11.08
20.11.08
Pensamento de fim de dia
Ferpeitamente
És um irresponsável, um autêntico imprestável, não serves para nada, és um genuíno zero à esquerda!
Mas? Mas?!?
É isso mesmo que ouviste, então tu vais conduzir de noite? És uma besta! És mesmo uma besta.
Mas, fui sair com uns amigos, estivemos a jantar juntos e fomos apenas a um bar que até fica perto de casa!
Pior um pouco, foste sair com outros imprestáveis como tu para se embriagarem em bares e discotecas ou sítios piores, na companhia sabe-se lá de quem, devem de ser todos drogados e proxenetas, é o que é, não admira que te tenha acontecido o que te aconteceu e ainda bem, é para aprenderes.
Mas… Já está tudo resolvido, resolvi tudo, e à parte estar de directa, cansado, exausto por causa disto, já está tudo resolvido!
Estás cansado? Cansada estou eu de te aturar e às tuas asneiras, era bem pior se não estivesse resolvido, bem pior. Não tens vergonha? Porque é que não pões os olhos no teu irmão? Observa como é bem sucedido na vida, como já leva património e inteligência e dinheiro nos bolsos, é um estúpido mas é bem sucedido na vida, porque é que não pões os olhos nele, porquê?
Acho que estás a ser injusta, não tive culpa da merda do chaço que é quase mais velho do que eu ter resolvido deixar de trabalhar a meio da noite, sem mais, nem menos.
Não tens culpa? Não tens culpa? Um chaço? Um chaço? Pois fica sabendo que esse dito chaço custou bom dinheiro a ganhar a mim e ao teu pai há 15 anos, toma nota! Por falar nisso, se já está a trabalhar como deve de ser mete-te à estrada e vem devolvê-lo ainda hoje! A culpa é toda tua!
Mas?!? Mas a culpa de quê?!? Apenas te pedi um conselho sobre como deveria agir, se deveria ligar para o Automóvel Clube e nada mais! Resolvi o assunto!
…
Bem, olha, tenho aqui uma série de textos que preciso que revejas. Vou enviar-tos já.
Agora?
Sim, já, e vê lá se está pronto até ao final do dia que tenho pressa de os entregar na minha editora. Faz-me isso bem, ouviste? Quero que fique perfeito, perfeito, ouviste?
Dói-me a cabeça, estou cansado, não pode ficar para amanhã?
Cansado? Cansada estou eu da tua inconsciência, da tua falta de maturidade, da tua falta de projectos de vida de dinheiro, dos teus convívios a altas horas da madrugada com drogados e proxenetas e de destruíres automóveis caríssimos!..
Mas?!? Mas, está bom, não destruí coisa alguma, rola perfeitamente, nem sequer um risco lhe acrescentei!
Chega. Não quero mais ouvir falar dos teus desmandos. Revê os textos que te enviei agora, são só 20 páginas e quero que faças um bom trabalho para variar, quero que fique perfeito, estamos combinados ou tenho de falar ao teu pai?
Como queiras, vou começar já a tratar disso e podes contar comigo: vai ficar ferpeito.
Mas? Mas?!?
É isso mesmo que ouviste, então tu vais conduzir de noite? És uma besta! És mesmo uma besta.
Mas, fui sair com uns amigos, estivemos a jantar juntos e fomos apenas a um bar que até fica perto de casa!
Pior um pouco, foste sair com outros imprestáveis como tu para se embriagarem em bares e discotecas ou sítios piores, na companhia sabe-se lá de quem, devem de ser todos drogados e proxenetas, é o que é, não admira que te tenha acontecido o que te aconteceu e ainda bem, é para aprenderes.
Mas… Já está tudo resolvido, resolvi tudo, e à parte estar de directa, cansado, exausto por causa disto, já está tudo resolvido!
Estás cansado? Cansada estou eu de te aturar e às tuas asneiras, era bem pior se não estivesse resolvido, bem pior. Não tens vergonha? Porque é que não pões os olhos no teu irmão? Observa como é bem sucedido na vida, como já leva património e inteligência e dinheiro nos bolsos, é um estúpido mas é bem sucedido na vida, porque é que não pões os olhos nele, porquê?
Acho que estás a ser injusta, não tive culpa da merda do chaço que é quase mais velho do que eu ter resolvido deixar de trabalhar a meio da noite, sem mais, nem menos.
Não tens culpa? Não tens culpa? Um chaço? Um chaço? Pois fica sabendo que esse dito chaço custou bom dinheiro a ganhar a mim e ao teu pai há 15 anos, toma nota! Por falar nisso, se já está a trabalhar como deve de ser mete-te à estrada e vem devolvê-lo ainda hoje! A culpa é toda tua!
Mas?!? Mas a culpa de quê?!? Apenas te pedi um conselho sobre como deveria agir, se deveria ligar para o Automóvel Clube e nada mais! Resolvi o assunto!
…
Bem, olha, tenho aqui uma série de textos que preciso que revejas. Vou enviar-tos já.
Agora?
Sim, já, e vê lá se está pronto até ao final do dia que tenho pressa de os entregar na minha editora. Faz-me isso bem, ouviste? Quero que fique perfeito, perfeito, ouviste?
Dói-me a cabeça, estou cansado, não pode ficar para amanhã?
Cansado? Cansada estou eu da tua inconsciência, da tua falta de maturidade, da tua falta de projectos de vida de dinheiro, dos teus convívios a altas horas da madrugada com drogados e proxenetas e de destruíres automóveis caríssimos!..
Mas?!? Mas, está bom, não destruí coisa alguma, rola perfeitamente, nem sequer um risco lhe acrescentei!
Chega. Não quero mais ouvir falar dos teus desmandos. Revê os textos que te enviei agora, são só 20 páginas e quero que faças um bom trabalho para variar, quero que fique perfeito, estamos combinados ou tenho de falar ao teu pai?
Como queiras, vou começar já a tratar disso e podes contar comigo: vai ficar ferpeito.
Vais alternando, alternando...
Pronto, o imundo já tá em casa. Fez-me passar uma noite em branco, fez-me andar a passear alegremente uma bateria de alguns 30 quilos pela cidade fora, fez-me amaldiçoar a minha sina que só me coloca nas unhas imundos destes, velhos, com manhas, temperamentais e sempre prontos a trair-nos quando mais deles necessitamos e, no fim, veio a pérola, a cereja no topo do bolo; após o problema diagnosticado e a motorização remediada mesma à justa para dar gás até chegar ao posto de socorro, voilá, quando lá chego, pimba: «Ó chefe, isto já está bom, realmente isto deixou de alternar doidamente e foi por isso que o seu imundo o deixou agarrado, mas olhe, já está a alternar outra vez, tá tudo normal, não consigo perceber o que é que se passou...» Atão e agora? «Agora, olhe, deixe-se ir alternando, vá alternando, enquanto for alternando, não há problema nenhum»...
Tonitruando...
...o bólide rasga a noite, rolando pesado e poderoso sobre o asfalto negro, húmido de orvalho. Tudo está bem, entre o brandy e o café, as palavras e a verdade, embriagados de honestidade, carência e sinceridade, não éramos sete, como diria o outro, mas três e mais a força do coração, até que...
Revoluções:
Debalde; You'll get your revenge through sales
19.11.08
17.11.08
15.11.08
14.11.08
Cheguei tarde, a miúda tinha bazado
Mas era cedo, vinte para as três, a contar pelo que me dizia um gajo drogado que queria vender coca. E gostava do que me dizia, apesar de deitar o amor com professores de música fora. O tipo. Faltava-me uma foto para lhe dizer bom dia. Ou boa noite. Ou adeus. E depois encontrei-te e resolvi morrer por cordas querida, apenas e mais 4 com três são 12. Sabes?
13.11.08
Pensamento de Outono
Spectrum meets AC/DC
Foi hoje confirmado em Lisboa que os AC/DC não irão actuar em Portugal. O país inteiro ergue-se no próximo sábado de madrugada em protesto contra a falta de vontade do ministério da cultura em fazer regressar a Lisboa uma banda que desde os seus primórdios nos disse algo a todos.
Um texto de estalo
Tinha de acontecer. Ao fim de trinta e oito anos de uma vida passada nos meandros menos claros da existência, vida essa envolvida em situações mais ou menos obscuras, na companhia de pessoas pouco ou nada recomendáveis e com diversos pecados e pecadilhos escondidos nos cantos do sótão mais inacessível da minha consciência, obviamente, era fatal que o dia de hoje, ou melhor, a sua madrugada, mais tarde ou mais cedo, tinha de ter um lugar e, na verdade, o estranho era que tivesse tardado tanto a acontecer.
Mesmo assim, ser acordado às seis da manhã com alguém a tocar à porta como se nos quisesse deitar a casa abaixo não me fez logo pensar em sarilhos (devo estar a ficar soft) e o meu primeiro impulso foi abrir a porta a ver quem era. Nisto, zás, dois paisanos de olhinhos ruins e de tacha arreganhada do lado de lá da soleira fizeram logo com que se me saltassem as campainhas de alarme, só que já era tarde. Então, quando num timbre que não admitia desmandos o mais velho dos dois mecos se anunciou, «Polícia Judiciária, como se chama?», senti um nó na garganta e lamentei amargamente não me ter deixado estar tranquilamente na cama, tão quentinha, macia, aveludada que a tinha deixado.
Fosse como fosse, nos meus preparos ridículos, de cuecas e de tronco nu, sem me ter precavido com o trinco de segurança, ali estava eu, nada havia a fazer, os sabugos tinham-me caçado como mandam os livros (de madrugada, de madrugada que é quando os meliantes dormem), e eu lá me vi a responder, tentando afastar da postura e da voz quaisquer indícios de comportamento culposo: «Lúcio Ferro, Lúcif para os amigos, Sr. Comandante, de que se trata?..» O mainato mais velho sacou da carteira, enfiou-me um cartão com o devido dístico pelos olhos dentro e retrucou à queima-roupa: «Inspector, se faz favor, Inspector, conhece uma tal de Sílvia Pinto? A dita Sílvia Pinto reside aqui? O seu nome é mesmo Lúcio Ferro? O que faz o senhor na vida?»
A salva de perguntas assim disparada era suficiente para embebedar um peru em véspera de Natal mas eu tinha tanto sono e tanta vontade de regressar ao meu ninho quentinho que nem dei fé do tom agressivo com que era interpelado.
Sílvia Pinto? Não, não me lembrava de nada que metesse gajas com sobrenome e isso tranquilizou-me. É certo que havia uma Sílvia que conhecia dumas cóboiadas no Porto, mas não era Pinto nenhum; havia a Sílvia com quem o meu amigo Hel tinha andado embrulhado, mas essa era mesmo é gavião; havia também a Sílvia "bicos" que conhecia do Intendente, e havia ainda uma outra Sílvia, do Bairro Alto, a quem eu pagara uns jantarinhos e mais umas flores e assim, essa belíssima gralha, uma cabra ladrona. Mas Pinto? «Não, senhor Comandante, não conheço nenhuma Sílvia Pinto, moro aqui sozinho e asseguro-lhe de que me chamo Lúcio Ferro, Lucif para os amigos.»
O sabugo arreganhou outra vez a tacha e o finório mais novo ensaiou meter a patinha a obstruir a porta, estava-se mesmo a ver de que tinham a mania que eram duros e meti logo o meu pé de permeio que isso de pôr o pezinho em ramo verde não me agrada, sobretudo quando se trata de ramo que me pertence de arrendamento escrito e notariado e o finório lá recuou a patinha enquanto ia desafinando, em voz de pássaro-cantor semi-assinistrado pelas vicissitudes dos galhos alheios: «Isso não são maneiras de falar com o senhor Inspector, senhor Lúcio Ferro, Não são maneiras... Conhece ou não Sílvia Pinto? Está ou não sozinho em casa?»
Toda a atitude daquele meco me fazia lembrar um filme negro da série B, só que não estávamos em Hollywood e por outro lado eu tinha demasiado sono para comédias de crianças e assim num repelão abri a porta em toda a sua extensão, deixando-os avaliar longamente o meu magnífico torso, os meus esplêndidos glúteos e, claro está, o avantajado enchumaço que trago no meio das pernas até lhes dizer, já com cara de quem não vai em passaradas: «Chamo-me Lúcio, Lúcio Ferro, Lucif para os amigos, gosto sempre de ter a Lei por amiga e pessoa de bem, Comandante e não conheço Sílvia Pinto alguma. Estou sozinho em casa (era mentira mas eles não tinham nada a ver com isso) e se quiser ver ou saber mais é bom que tenha um mandado, isto não é um regime fascista, pois não?»
Os gajos recuaram, meio desconcertados com a minha tirada estrambólica, reavaliando quem tinham à sua frente, refazendo os seus juízos, devia de ser por causa dos glúteos, até que o passarão mais velho tossicou e, delicodoce, embora com olhinhos assassinos, me lançou mais uma bicada: «O senhor é um brincalhão, senhor Lucif, mas na polícia não gostamos de brincalhões. O que faz na vida, de uma vez por todas?»
Farto dos tipos e já sabedor de que não tinham vindo por mim (de nome vulgar ou de Pinto nada tenho), respondi-lhes como que a descaso: «Ah, a minha profissão? Sou jornalista, claro (sabia bem o que dizia apesar de não ser bem verdade, ser jornalista é algo que cai sempre bem junto de melros destes, metem logo a cabecinha na areia), mas, geralmente, a estas horas costumo estar a dormir, como todos os outros cidadãos cumpridores», despachei, sardónico.
Olharam um para o outro, à procura de mais milho que me pudessem atirar, percebi que nem migalhas de pão já tinham e o tucano mais velho, ainda mais delicodoce, lá me foi piando um «muito obrigado pela sua colaboração, senhor Lúcio Ferro, estamos apenas a fazer o nosso trabalho e... Claro que iremos verificar o que nos disse...»
«Isso», respondi eu, «verifiquem, verifiquem, podem começar pela passarona aí da minha vizinha», acompanhando as palavras com o gesto da mão a apontar a porta do lado, rematando que compreendia, «que estavam apenas a fazer o seu trabalho» e que se me fossem «dando licença voltava para a cama, ia ter um dia longo na redacção, passar muito bem, muito obrigado». Então, vendo que os tipos nada mais grasnavam nem sequer continuavam a enfunar as suas poses com alegadas penas judiciarescas, de mansinho dei por terminado, julgo que de comum acordo, aquele tegaté surrealista e, devagarinho, fui cerrando a porta, com um ou dois taxativos «bom dia» à mistura com um cordial «adeus» implícito no gesto, até a fechar por completo.
Fingi afastar-me mas, como quem não quer a coisa, deixei-me estar à escuta a ver se lhes ouvia as patinhas a despedirem-se com o bico a dar a dar, mas os abutres não arredavam pé e do lado de lá topei-lhes um cacarejar mais ou menos assim: «Chefe, vai deixar este gambozino fazer pouco de nós? Calma, Antunes, calma, o tipo não sabe de nada e, a bem dizer, nós é que viemos chatear o gajo de madrugada. Olhe, toque aí à vizinha, no mínimo ficamos a saber o que já desconfio. O quê, chefe, o quê? Que viemos aqui ao engano Antunes, ao engano, chiça!»
Ouvi-os tocar à campainha e, pé ante pé, ainda meio apardalado, lá fui andado em direcção ao quarto de dormir. Sentia-me ensonado, estremunhado, vazio. A bocejar deitei-me e o calor que emanava do corpo da bela avezinha que engatara com chilreios românticos e canções proíbidas na noite anterior fez-me sentir protegido, como um passarinho de regresso ao ninho. Em menos de nada caí no sono e esqueci-me de tudo.
Acordei bastante mais tarde, com um, dois, três, quatro beijos melosos no rosto e nos lábios. Abri os olhos e lá estava a minha avezinha, bonita, a sorrir para mim. Sentei-me na cama, pigarreei, reparei que ela já estava vestida e perguntei as horas: «Dez da manhã, meu querido, tenho de ir trabalhar», toma mais beijos, agora no peito e já a seguir no pescoço, «tenho de ir trabalhar, mas volto, adorei, meu gatarrão, adorei!». Adorou, dizia a gaja, que tinha adorado, maravilha, afinal de contas a bebedeira que me dera o lustre conversacional para a engatar não prejudicara o meu desempenho viril e, outra vez a sentir-me entesoado, satisfeito, preguei-lhe um linguado de truz que terminei a seco, talvez um pouco bruscamente demais, ao ser invadido por uma dúvida, uma dúvida que me gelou os ossos e me arrepiou a pele. Ao afastá-la, tacteando-lhe os seios, deitei-lhe a bisca, a ver se pegava ou se estava enganado: «Gostaste mesmo, doce?.. Gostaste?.. Sílvia?..»
De repente, o meu rouxinol meloso transformou-se pterodáctilo brutal: «Sílvia?!? Sílvia?!? Quem julgas que sou, meu sacana, quem julgas que sou?!?» Afastei-me logo do bicho e fingindo um conhecimento que não possuía, sem fazer pevide de como realmente se chamava, gritei, suplicante: «Desculpa, querida, desculpa, enganei-me, enganei-me!» Ela, furibunda, aplicou-me uma sonora bofetada que por pouco não me trilhava os dentes na boca, saiu do quarto possessa, bateu com a porta da rua e desapareceu a duzentos à hora, sem ao menos me dar tempo para lhe cravar o número de telefone.
Apalpei o rosto e não senti sangue, apenas uma espécie de queimadura no lábio superior, espreguicei-me e pus-me a fazer o inventário da coisa. Fora beber caipirinhas na noite anterior. Tinha conhecido aquela gaja num bar qualquer e levara-a para a cama. Dissera-lhe «nunca conheci ninguém como tu», mas depois do sexo (ouch!) e dormíramos abraçados. Pois, tinha sido mesmo isso. Quem quer que a tipa fosse. Depois lembrava-me de dois falcões à procura duma outra gaja. Pois, era isso mesmo, essa outra gaja é que se chamava Sílvia. Sílvia quê?
Afastei o assunto da cabeça, levantei-me pesadamente e ainda como me deitara fui até à cozinha preparar café. Enquanto este subia pensei no que tinha para fazer e cheguei à conclusão de que não fazia nada. Não fazia nada? Não podia ser. Bem, tinha sido jornalista, mas há uns bons 5 anos que não alapava o traseiro numa secretária de redacção. Pois, já me recordava, eu agora era escritor, tinha até dois livros publicados, mas há mais de seis meses que não escrevia nem uma linha, andava bloqueado, não era?
Por fim, sorvi o café em goles demorados e deixei-me ficar sentado na mesa da cozinha a apanhar o sol que me chegava da marquise. Depois fumei um cigarro, que me soube bastante bem. Quando finalmente me ergui da cadeira tudo pareceu encaixar-se e fazer sentido, por mais estúpido que ele fosse. Os bófias, a avezinha furibunda, as caipirinhas, os lençóis revolvidos e manchados, uma tipa chamada Sílvia Pinto procurada pela polícia. Teria sido um sonho? Pouco importava, sorri, cheguei até a gargalhar, era material de primeira água e ainda de cigarro no canto da boca peguei na malga de café, meti uma perna à frente da outra e a esvoaçar na minha nuvem pessoal fui sentar-me à secretária a escrever um texto de estalo.
Mesmo assim, ser acordado às seis da manhã com alguém a tocar à porta como se nos quisesse deitar a casa abaixo não me fez logo pensar em sarilhos (devo estar a ficar soft) e o meu primeiro impulso foi abrir a porta a ver quem era. Nisto, zás, dois paisanos de olhinhos ruins e de tacha arreganhada do lado de lá da soleira fizeram logo com que se me saltassem as campainhas de alarme, só que já era tarde. Então, quando num timbre que não admitia desmandos o mais velho dos dois mecos se anunciou, «Polícia Judiciária, como se chama?», senti um nó na garganta e lamentei amargamente não me ter deixado estar tranquilamente na cama, tão quentinha, macia, aveludada que a tinha deixado.
Fosse como fosse, nos meus preparos ridículos, de cuecas e de tronco nu, sem me ter precavido com o trinco de segurança, ali estava eu, nada havia a fazer, os sabugos tinham-me caçado como mandam os livros (de madrugada, de madrugada que é quando os meliantes dormem), e eu lá me vi a responder, tentando afastar da postura e da voz quaisquer indícios de comportamento culposo: «Lúcio Ferro, Lúcif para os amigos, Sr. Comandante, de que se trata?..» O mainato mais velho sacou da carteira, enfiou-me um cartão com o devido dístico pelos olhos dentro e retrucou à queima-roupa: «Inspector, se faz favor, Inspector, conhece uma tal de Sílvia Pinto? A dita Sílvia Pinto reside aqui? O seu nome é mesmo Lúcio Ferro? O que faz o senhor na vida?»
A salva de perguntas assim disparada era suficiente para embebedar um peru em véspera de Natal mas eu tinha tanto sono e tanta vontade de regressar ao meu ninho quentinho que nem dei fé do tom agressivo com que era interpelado.
Sílvia Pinto? Não, não me lembrava de nada que metesse gajas com sobrenome e isso tranquilizou-me. É certo que havia uma Sílvia que conhecia dumas cóboiadas no Porto, mas não era Pinto nenhum; havia a Sílvia com quem o meu amigo Hel tinha andado embrulhado, mas essa era mesmo é gavião; havia também a Sílvia "bicos" que conhecia do Intendente, e havia ainda uma outra Sílvia, do Bairro Alto, a quem eu pagara uns jantarinhos e mais umas flores e assim, essa belíssima gralha, uma cabra ladrona. Mas Pinto? «Não, senhor Comandante, não conheço nenhuma Sílvia Pinto, moro aqui sozinho e asseguro-lhe de que me chamo Lúcio Ferro, Lucif para os amigos.»
O sabugo arreganhou outra vez a tacha e o finório mais novo ensaiou meter a patinha a obstruir a porta, estava-se mesmo a ver de que tinham a mania que eram duros e meti logo o meu pé de permeio que isso de pôr o pezinho em ramo verde não me agrada, sobretudo quando se trata de ramo que me pertence de arrendamento escrito e notariado e o finório lá recuou a patinha enquanto ia desafinando, em voz de pássaro-cantor semi-assinistrado pelas vicissitudes dos galhos alheios: «Isso não são maneiras de falar com o senhor Inspector, senhor Lúcio Ferro, Não são maneiras... Conhece ou não Sílvia Pinto? Está ou não sozinho em casa?»
Toda a atitude daquele meco me fazia lembrar um filme negro da série B, só que não estávamos em Hollywood e por outro lado eu tinha demasiado sono para comédias de crianças e assim num repelão abri a porta em toda a sua extensão, deixando-os avaliar longamente o meu magnífico torso, os meus esplêndidos glúteos e, claro está, o avantajado enchumaço que trago no meio das pernas até lhes dizer, já com cara de quem não vai em passaradas: «Chamo-me Lúcio, Lúcio Ferro, Lucif para os amigos, gosto sempre de ter a Lei por amiga e pessoa de bem, Comandante e não conheço Sílvia Pinto alguma. Estou sozinho em casa (era mentira mas eles não tinham nada a ver com isso) e se quiser ver ou saber mais é bom que tenha um mandado, isto não é um regime fascista, pois não?»
Os gajos recuaram, meio desconcertados com a minha tirada estrambólica, reavaliando quem tinham à sua frente, refazendo os seus juízos, devia de ser por causa dos glúteos, até que o passarão mais velho tossicou e, delicodoce, embora com olhinhos assassinos, me lançou mais uma bicada: «O senhor é um brincalhão, senhor Lucif, mas na polícia não gostamos de brincalhões. O que faz na vida, de uma vez por todas?»
Farto dos tipos e já sabedor de que não tinham vindo por mim (de nome vulgar ou de Pinto nada tenho), respondi-lhes como que a descaso: «Ah, a minha profissão? Sou jornalista, claro (sabia bem o que dizia apesar de não ser bem verdade, ser jornalista é algo que cai sempre bem junto de melros destes, metem logo a cabecinha na areia), mas, geralmente, a estas horas costumo estar a dormir, como todos os outros cidadãos cumpridores», despachei, sardónico.
Olharam um para o outro, à procura de mais milho que me pudessem atirar, percebi que nem migalhas de pão já tinham e o tucano mais velho, ainda mais delicodoce, lá me foi piando um «muito obrigado pela sua colaboração, senhor Lúcio Ferro, estamos apenas a fazer o nosso trabalho e... Claro que iremos verificar o que nos disse...»
«Isso», respondi eu, «verifiquem, verifiquem, podem começar pela passarona aí da minha vizinha», acompanhando as palavras com o gesto da mão a apontar a porta do lado, rematando que compreendia, «que estavam apenas a fazer o seu trabalho» e que se me fossem «dando licença voltava para a cama, ia ter um dia longo na redacção, passar muito bem, muito obrigado». Então, vendo que os tipos nada mais grasnavam nem sequer continuavam a enfunar as suas poses com alegadas penas judiciarescas, de mansinho dei por terminado, julgo que de comum acordo, aquele tegaté surrealista e, devagarinho, fui cerrando a porta, com um ou dois taxativos «bom dia» à mistura com um cordial «adeus» implícito no gesto, até a fechar por completo.
Fingi afastar-me mas, como quem não quer a coisa, deixei-me estar à escuta a ver se lhes ouvia as patinhas a despedirem-se com o bico a dar a dar, mas os abutres não arredavam pé e do lado de lá topei-lhes um cacarejar mais ou menos assim: «Chefe, vai deixar este gambozino fazer pouco de nós? Calma, Antunes, calma, o tipo não sabe de nada e, a bem dizer, nós é que viemos chatear o gajo de madrugada. Olhe, toque aí à vizinha, no mínimo ficamos a saber o que já desconfio. O quê, chefe, o quê? Que viemos aqui ao engano Antunes, ao engano, chiça!»
Ouvi-os tocar à campainha e, pé ante pé, ainda meio apardalado, lá fui andado em direcção ao quarto de dormir. Sentia-me ensonado, estremunhado, vazio. A bocejar deitei-me e o calor que emanava do corpo da bela avezinha que engatara com chilreios românticos e canções proíbidas na noite anterior fez-me sentir protegido, como um passarinho de regresso ao ninho. Em menos de nada caí no sono e esqueci-me de tudo.
Acordei bastante mais tarde, com um, dois, três, quatro beijos melosos no rosto e nos lábios. Abri os olhos e lá estava a minha avezinha, bonita, a sorrir para mim. Sentei-me na cama, pigarreei, reparei que ela já estava vestida e perguntei as horas: «Dez da manhã, meu querido, tenho de ir trabalhar», toma mais beijos, agora no peito e já a seguir no pescoço, «tenho de ir trabalhar, mas volto, adorei, meu gatarrão, adorei!». Adorou, dizia a gaja, que tinha adorado, maravilha, afinal de contas a bebedeira que me dera o lustre conversacional para a engatar não prejudicara o meu desempenho viril e, outra vez a sentir-me entesoado, satisfeito, preguei-lhe um linguado de truz que terminei a seco, talvez um pouco bruscamente demais, ao ser invadido por uma dúvida, uma dúvida que me gelou os ossos e me arrepiou a pele. Ao afastá-la, tacteando-lhe os seios, deitei-lhe a bisca, a ver se pegava ou se estava enganado: «Gostaste mesmo, doce?.. Gostaste?.. Sílvia?..»
De repente, o meu rouxinol meloso transformou-se pterodáctilo brutal: «Sílvia?!? Sílvia?!? Quem julgas que sou, meu sacana, quem julgas que sou?!?» Afastei-me logo do bicho e fingindo um conhecimento que não possuía, sem fazer pevide de como realmente se chamava, gritei, suplicante: «Desculpa, querida, desculpa, enganei-me, enganei-me!» Ela, furibunda, aplicou-me uma sonora bofetada que por pouco não me trilhava os dentes na boca, saiu do quarto possessa, bateu com a porta da rua e desapareceu a duzentos à hora, sem ao menos me dar tempo para lhe cravar o número de telefone.
Apalpei o rosto e não senti sangue, apenas uma espécie de queimadura no lábio superior, espreguicei-me e pus-me a fazer o inventário da coisa. Fora beber caipirinhas na noite anterior. Tinha conhecido aquela gaja num bar qualquer e levara-a para a cama. Dissera-lhe «nunca conheci ninguém como tu», mas depois do sexo (ouch!) e dormíramos abraçados. Pois, tinha sido mesmo isso. Quem quer que a tipa fosse. Depois lembrava-me de dois falcões à procura duma outra gaja. Pois, era isso mesmo, essa outra gaja é que se chamava Sílvia. Sílvia quê?
Afastei o assunto da cabeça, levantei-me pesadamente e ainda como me deitara fui até à cozinha preparar café. Enquanto este subia pensei no que tinha para fazer e cheguei à conclusão de que não fazia nada. Não fazia nada? Não podia ser. Bem, tinha sido jornalista, mas há uns bons 5 anos que não alapava o traseiro numa secretária de redacção. Pois, já me recordava, eu agora era escritor, tinha até dois livros publicados, mas há mais de seis meses que não escrevia nem uma linha, andava bloqueado, não era?
Por fim, sorvi o café em goles demorados e deixei-me ficar sentado na mesa da cozinha a apanhar o sol que me chegava da marquise. Depois fumei um cigarro, que me soube bastante bem. Quando finalmente me ergui da cadeira tudo pareceu encaixar-se e fazer sentido, por mais estúpido que ele fosse. Os bófias, a avezinha furibunda, as caipirinhas, os lençóis revolvidos e manchados, uma tipa chamada Sílvia Pinto procurada pela polícia. Teria sido um sonho? Pouco importava, sorri, cheguei até a gargalhar, era material de primeira água e ainda de cigarro no canto da boca peguei na malga de café, meti uma perna à frente da outra e a esvoaçar na minha nuvem pessoal fui sentar-me à secretária a escrever um texto de estalo.
10.11.08
Costa Júnior
Feito de rotinas e de desencontros, leva algum tempo a instalar-se embora esteja sempre presente. Harre, diabo. É bom olhar em frente, ver-te ao espelho e sorrir, compreender e saber deixar estar-te, simplesmente. Não prestar atenção ao que dizem em torno, não prender as nódoas negras que nos despem a pele. Caminhar, apenas. Harre, diabo, sempre em frente.
Caminhar em frente sem ver as palas dos outros mesmo que não calhe de ser assim ou que não seja essa a nossa sina. Maomé. Cavaleiros. Meca. Camelos. Mar. Areia maravilhosa. Serena. Arábia. Mil e uma noites.
Costa Júnior. Pintura, oposição ao governo e cavalheiros elegantes no Café Ceuta da exposião do bairro. Numa cama de espuma todos deitados uns com os outros, como quem não quer a coisa. Mentira, tudo isso é falso, j'acuse!, jacuzzi, sistema, Ceuta. Avenida de Ceuta. Ponte 25 de Abril.
Avenida dos Aliados. Futebol Clube do Porto. Lisboa a arder. Mentes cão. Bebes o perfume das chamas. É uma gaja. Esquece. Peso da Régua. Esquece, deixa lá isso. Vila Real de Santo Àntónio, está morno e mesmo assim insisto na forma de dizer.
É um gaja, claro que é uma gaja, seria estúpido se o não fosse, correcto? Quem sabe. eu não, não tenho nada a ver com isso, façam como entenderem melhor, tou no ir e não estive aqui, certo?
Na boa. Fica bem, puto. Não te esqueças das horas. Nem da imaginação. Ou dos dentes. Meu amor. Fica bem otário. Lambuza o chão, palhaço. Não te dás a ninguém, burro.
Cool, estou cool. Estou Costa Júnior.
9.11.08
Entretanto, em Vladivostoque
Meios de informação ocidentais noticiam hoje que um acidente num submarino nuclear russo da classe Victor III terá causado vinte mortos. Como sempre, os dados conhecidos pecam por incompletos e o próprio nome de baptismo da embarcação permanece misterioso.
O porto de Vladivostoque é a principal base da marinha russa no Oceano Pacífico, desde os tempos de Alexandre II. A força desta esquadra permanece como factor dissuassor para quaisquer intervenções marítimo-militares no extremo-oriente, ainda hoje, 160 anos após o seu estabelecimento.
7.11.08
6.11.08
Pensamento da tarde
«(...) Partiu duma frase imoralíssima, 'SOU UMA PUTA PORCA' (porca desavergonhada, foi a tradução a que Elias chegou com a galinheira Jeová para facilitarem o protocolo) e atrás desta frase, desta sentença proclamada violentamente nas portas e nas paredes da casa da Avenida de Roma, foi descobrindo os segredos de Mena e do major, os dois de cama e pucarinho. Entradas a desoras e carnavais à porta fechada; jantarinhos em pêlo nu (diz-se) e libações pelas bocas todas do corpo; brigas nocturnas rematadas a harpa doce. O mais que é lícito pressupor.
Numa palavra: Discrepâncias, lamenta a galinheira. (Discrepâncias? Deboches, quer ela dizer), ele há gente para tudo, acrescenta. Uma piquena que ia lá a casa fazer arrumações conta que aquilo eram desmandos atrás de desmandos. Que até insultos. Que uma ocasião meteu a chave à porta e os ouviu na cama a jogarem insultos um ao outro, e toma lá, minha esta, toma lá, meu aquele, e diz a piquena que aquilo era para eles se encristarem ainda mais, essas nojeiras, porque, bem entendido, entrementes eles iam fazendo as outras coisas.
A galinheira é muito franca, uma parte do que sabe chegou-lhe ao conhecimento por via da porteira, outra pelo irmão da mesma que lhe faz cobranças no mercado.
Elias Chefe acena que sim. As porteiras, oh que ouvidinhos. Oh que línguas de platina. Muitas, casadas com polícias, são polícias também por comunhão de bens; outras, abelheiras de casa em casa, rebuscam nas limpezas armazenando segredos; mas quase todas camponesas, rafeiras à meia porta, mui domésticas. Ao pobre viram o dente, ao rico abanam o rabo. Que encomendas, as porteiras. (...)
Pois muito bem. Esgravatando, esgravatando, a galinheira chega à conclusão de que mesmo depois do arrendamento (7.5.1958, cf. queixa em referência) Dantas C [o major] continuou a manter casa alhures com a legítima, isto é, com aquela a quem estava unido pela Igreja. Até aí, vamos indo, a senhoria [galinheira] tem as suas tolerâncias porque à razão da fé e da moral o casamento é sagrado. No entanto para Elias a razão é outra mas não está para a trazer para ali: 58 foi o ano em que o pai de Mena passou mais tempo em Portugal e os papás são sempre de muito mau perder quando descobrem as filhas nos lençóis dos amigos. Se ainda por cima os amigos andaram com eles nas cóboiadas, então deus te livre, é a desgraça com todos, a gargalhada final. (...)»
José Cardoso Pires
4.11.08
3.11.08
Prosa neurasténica
«Who do you think you are? You see that gal over there? Yeah she's your wife and she's saying it's time for you to come home.»
Naquele dia, como aliás em todos os outros, não tinha nada a perder. Coisas de espirais, suponho. Escrevia e dizia o que me vinha à cabeça e os outros que se amanhassem com as consequências. Aliás, nunca fora muito bom a lidar com as consequências e por causa disso evitava-as. Não era do meu assunto, embora me agradassem as maleitas do foro psíquico, que não as minhas, está visto, mas agradavam-me as maleitas do foro psíquico e quando encontravam como veículo de expressão o belo sexo, para usar um eufemismo em voga ao tempo, ainda me agradavam mais. Claro que, pondo sempre de parte as consequências, pois estas nunca me agradaram e mesmo quando pouco ou nada tinha a perder desconfiava muito de que alguma vez me agradassem, o certo é que nunca agradam, são difíceis, naquele dia fizeram-se bonitas; sabem como é, a sedução neurasténica é infantil e corruptível: duas escolas primárias e três infantários de milfs. Utilizando outra vez uma expresssão grata ou tempo, eram coisas da neurostenia da época em que vivemos de há uns dois mil anos a esta parte.
Naquele dia cheguei tarde a casa e a primeira coisa que fiz, após abrir a porta, foi ligar o computador pessoal e esperar que se fizesse luz. Como a luz tardava, enrolei um cigarro, cheguei-lhe lume, fiz estalar a gulheta de uma lata de cerveja, reclinei-me no chão e deixei-me estar, paciente, à espera da luz que tardava em acender-se. Coisas da neurostenia da época em que vivemos, anda tudo tão vidrado com luz que até parece que o presente desta última se escreve a negro, ou preto, para bom sul-africano entendedor.
Flash. Havia luz, ou habemos padre, como dizem os tipos da católica, esses neurasténicos profissionais. E foi assim, numa noite igual a todas as outras que resolvi que nunca mais sonharia, nunca mais teria sonhos, nem outras baboseiras que tais. Obviamente, com o passar do tempo cheguei à conclusão de que essa era uma missão impossível, quase como se fosse autêntico estar desejoso de comprar acções do BPN, mas não fazia mal, mais uma vez, a verdade é que esse era um estado de ser que não me interessava: um estado de espírito neurasténico e por isso divorciei-me do tema mal tive oprtunidade.
Era o mês de Novembro. Mês de suicídios. Acordei às duas da tarde, vesti o pijama, calcei os chinelos, apanhei o 27 e saí no Pragal.
Naquele dia a ponte estava concorrida e a BT ocupada com dois acidentes à saída do tabuleiro. Coisas da neurostenia, pensei, reflecti, e quanto mais pensava, reflectia ou na volta estava a dormir e era um sonho, à medida que ia caminhando, sobriamente, para Lisboa, mais forte sentia em mim a convicção de que a doença se tinha vindo a alastrar, subrepticiamente.
Pensamento da tarde
«No dia em que Fanny atrevessou o nosso jardim, passando como a representação da elegância por entre as rosas e os jasmineiros, sobre os quais adejavam ao sol da Primavera as primeiras borboletas cor-de-palha, lia eu um livro de Balzac, e, estendido num banco de cortiça debaixo dos lilazes, sentia vagamente no espírito, ou talvez que fosse no sangue, um efeito semelhante ao que experimentaria se uma das heroínas do meu elegante narrador fizesse estacar diante de mim a parelha do seu coupé e eu descobrisse, palpando o estribo de entre uma nuvem branca, uma delicada botinha cingindo o mais arqueado dos pés e o mais aristocrático dos artelhos.»
Ramalho Ortigão
2.11.08
Domingo vou a São João do Estoril
Meteu-se-me na moleira falar sobre ti, não que não te conheça, que não saiba bem com vais reagir a frio escaldante que para ti deve de ser morno embora aqui saiba triste de Minho por visitar, sim, estou farto de saber que não te agrada este calor artificial de que me alimento, cada vez que me sento no x. e arranco daqui para fora à procura de outro mundo, que não é o teu e muito menos o meu e assim estamos bem, vou sentar-me no x. vou cruzar o Santa Maria deitar-me com o Egas Moniz virar à direita e tomar a marginal.
Sei que chegarei tarde. São 4h20 e mais 4 de acordo com o navegador de bordo quase 5 se contar com o relógio biológico e aqui parti, aqui te digo até já, vou ao Estoril, não leves a mal, estou de volta amanhã ou hoje, mais tarde ou mais cedo, hoje tenho de ir ao Estoril, tenho de o escrever na curva e de o matar no Hamilton do Mónaco da marginal da cidade de que te amo e...
Hoje.
Hoje.
De manhã. Vou a São João do Estoril.
Gulbenkian (autêntico)
Por falar em domingo. Hoje já é domingo. Fiquei de ir jantar com A, não que ela se sinta satisfeita com esse detalhe de ocasião mas não devo olvidá-lo. Vou jantar com a A. Ponto final parágrafo, porque esse é o melhor modo de encarar a minha vida. A minha vida com a A. Ponto final parágrafo. No jardim e ou com crianças., filhos Ponto. r. Ponto G.
A vida com a A. Porque não com a L? OU com a T? ou com a Joana? POrque raio a vida está refém de um ser que, perdão, o qual gosto de, não sei de que se trata, é bonita?
Isto de dizer das pessoas de quem se gosta é um sarilho, um desastre. Autêntico.
Ruiva, mulher ruiva
Ela tinha tudo, entre o querer ser portuguesa o partir brasileira e o desejar-me aqui, o mundo era dela, assim, como se ninguém mais fosse tido perdido ou roubado nas fodas que ela dava, por fora - sim, estudante de profissão - todas as noites, menos a de Domingo, Domingo para ela era sagrado e nome dela era Rita.
Por acaso, sem mais noite nem menos dia de tarde ou já agora quase de desquite, como se apresentava na padaria às 16horas e trinta, às 10 da manhã, da manhã seguinte, ela não era, nunca foi, nem jamais será... O amor da minha vida pois esse se escreve com a primeira letra do alfabeto. com a letra A.
Chamava-se Rita e fodia de mister, enrolava patos, matava saudades com os amigos a quem dizia por dizer de Lúcio como se não fosse de sua virtude enrolar todos os patos que passam perdidos na noite embora cheios de carteira ou não fosse essa a virtude de ser dos patos que passam ao pé de ti.
Por acaso, sem mais noite nem menos dia de tarde ou já agora quase de desquite, como se apresentava na padaria às 16horas e trinta, às 10 da manhã, da manhã seguinte, ela não era, nunca foi, nem jamais será... O amor da minha vida pois esse se escreve com a primeira letra do alfabeto. com a letra A.
Chamava-se Rita e fodia de mister, enrolava patos, matava saudades com os amigos a quem dizia por dizer de Lúcio como se não fosse de sua virtude enrolar todos os patos que passam perdidos na noite embora cheios de carteira ou não fosse essa a virtude de ser dos patos que passam ao pé de ti.
Joana.
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