3.11.08

Prosa neurasténica



«Who do you think you are? You see that gal over there? Yeah she's your wife and she's saying it's time for you to come home.»


Naquele dia, como aliás em todos os outros, não tinha nada a perder. Coisas de espirais, suponho. Escrevia e dizia o que me vinha à cabeça e os outros que se amanhassem com as consequências. Aliás, nunca fora muito bom a lidar com as consequências e por causa disso evitava-as. Não era do meu assunto, embora me agradassem as maleitas do foro psíquico, que não as minhas, está visto, mas agradavam-me as maleitas do foro psíquico e quando encontravam como veículo de expressão o belo sexo, para usar um eufemismo em voga ao tempo, ainda me agradavam mais. Claro que, pondo sempre de parte as consequências, pois estas nunca me agradaram e mesmo quando pouco ou nada tinha a perder desconfiava muito de que alguma vez me agradassem, o certo é que nunca agradam, são difíceis, naquele dia fizeram-se bonitas; sabem como é, a sedução neurasténica é infantil e corruptível: duas escolas primárias e três infantários de milfs. Utilizando outra vez uma expresssão grata ou tempo, eram coisas da neurostenia da época em que vivemos de há uns dois mil anos a esta parte.

Naquele dia cheguei tarde a casa e a primeira coisa que fiz, após abrir a porta, foi ligar o computador pessoal e esperar que se fizesse luz. Como a luz tardava, enrolei um cigarro, cheguei-lhe lume, fiz estalar a gulheta de uma lata de cerveja, reclinei-me no chão e deixei-me estar, paciente, à espera da luz que tardava em acender-se. Coisas da neurostenia da época em que vivemos, anda tudo tão vidrado com luz que até parece que o presente desta última se escreve a negro, ou preto, para bom sul-africano entendedor.


Flash. Havia luz, ou habemos padre, como dizem os tipos da católica, esses neurasténicos profissionais. E foi assim, numa noite igual a todas as outras que resolvi que nunca mais sonharia, nunca mais teria sonhos, nem outras baboseiras que tais. Obviamente, com o passar do tempo cheguei à conclusão de que essa era uma missão impossível, quase como se fosse autêntico estar desejoso de comprar acções do BPN, mas não fazia mal, mais uma vez, a verdade é que esse era um estado de ser que não me interessava: um estado de espírito neurasténico e por isso divorciei-me do tema mal tive oprtunidade.

Era o mês de Novembro. Mês de suicídios. Acordei às duas da tarde, vesti o pijama, calcei os chinelos, apanhei o 27 e saí no Pragal.

Naquele dia a ponte estava concorrida e a BT ocupada com dois acidentes à saída do tabuleiro. Coisas da neurostenia, pensei, reflecti, e quanto mais pensava, reflectia ou na volta estava a dormir e era um sonho, à medida que ia caminhando, sobriamente, para Lisboa, mais forte sentia em mim a convicção de que a doença se tinha vindo a alastrar, subrepticiamente.