6.11.08

Pensamento da tarde



«(...) Partiu duma frase imoralíssima, 'SOU UMA PUTA PORCA' (porca desavergonhada, foi a tradução a que Elias chegou com a galinheira Jeová para facilitarem o protocolo) e atrás desta frase, desta sentença proclamada violentamente nas portas e nas paredes da casa da Avenida de Roma, foi descobrindo os segredos de Mena e do major, os dois de cama e pucarinho. Entradas a desoras e carnavais à porta fechada; jantarinhos em pêlo nu (diz-se) e libações pelas bocas todas do corpo; brigas nocturnas rematadas a harpa doce. O mais que é lícito pressupor.

Numa palavra: Discrepâncias, lamenta a galinheira. (Discrepâncias? Deboches, quer ela dizer), ele há gente para tudo, acrescenta. Uma piquena que ia lá a casa fazer arrumações conta que aquilo eram desmandos atrás de desmandos. Que até insultos. Que uma ocasião meteu a chave à porta e os ouviu na cama a jogarem insultos um ao outro, e toma lá, minha esta, toma lá, meu aquele, e diz a piquena que aquilo era para eles se encristarem ainda mais, essas nojeiras, porque, bem entendido, entrementes eles iam fazendo as outras coisas.

A galinheira é muito franca, uma parte do que sabe chegou-lhe ao conhecimento por via da porteira, outra pelo irmão da mesma que lhe faz cobranças no mercado.

Elias Chefe acena que sim. As porteiras, oh que ouvidinhos. Oh que línguas de platina. Muitas, casadas com polícias, são polícias também por comunhão de bens; outras, abelheiras de casa em casa, rebuscam nas limpezas armazenando segredos; mas quase todas camponesas, rafeiras à meia porta, mui domésticas. Ao pobre viram o dente, ao rico abanam o rabo. Que encomendas, as porteiras. (...)

Pois muito bem. Esgravatando, esgravatando, a galinheira chega à conclusão de que mesmo depois do arrendamento (7.5.1958, cf. queixa em referência) Dantas C [o major] continuou a manter casa alhures com a legítima, isto é, com aquela a quem estava unido pela Igreja. Até aí, vamos indo, a senhoria [galinheira] tem as suas tolerâncias porque à razão da fé e da moral o casamento é sagrado. No entanto para Elias a razão é outra mas não está para a trazer para ali: 58 foi o ano em que o pai de Mena passou mais tempo em Portugal e os papás são sempre de muito mau perder quando descobrem as filhas nos lençóis dos amigos. Se ainda por cima os amigos andaram com eles nas cóboiadas, então deus te livre, é a desgraça com todos, a gargalhada final. (...)»


José Cardoso Pires