Seria óptimo se o petróleo se mantivesse em alta. Dessa forma, talvez que outras energias, menos nocivas para o planeta, pudessem tornar-se lucrativas - coisa que o não eram até há muito pouco tempo. Aquecimento global oblige, é urgente reformar o paradigma do petróleo e esta alta de preços, se estiver para ficar, ajudará imenso a essa mudança - dolorosa, é um facto, mas nem por isso menos necessária.
27.5.08
Alta petrolífera
Seria óptimo se o petróleo se mantivesse em alta. Dessa forma, talvez que outras energias, menos nocivas para o planeta, pudessem tornar-se lucrativas - coisa que o não eram até há muito pouco tempo. Aquecimento global oblige, é urgente reformar o paradigma do petróleo e esta alta de preços, se estiver para ficar, ajudará imenso a essa mudança - dolorosa, é um facto, mas nem por isso menos necessária.
25.5.08
Pensamento da noite
24.5.08
Filosofia do Francis (I)
Um dia, estamos eu o Francis a almoçar, aproveito um intervalo entre duas garfadas de carne assada para lhe confidenciar que estava apaixonado. O Francis, sem se descair, bebe dois golos do meu vinho branco e deixa-me discorrer um pouco mais sobre o objecto da minha paixão. Entusiasmado, coloco a rapariga dos meus afectos num pedastal que até eu, hoje, considero demasiado elevado. Então, saciado ou se calhar apenas enfadado das sinceras virtudes que eu descortinava na S., o Francis arrota abruptamente, levanta-se da cadeira com ruído e exclama, num tom que não admitia interjeições: - E os três pratos, já cumpriste a filosofia dos três pratos com essa tipa? Se ainda não o fizeste, não vale de nada a pena estares-me a falar dessa bacana. A filosofia dos três pratos? - perguntei eu - de súbito interessado. Sim, a filosofia dos três pratos, a coisa mais importante a ter em conta no relacionamento com uma mulher - replicou ele - enquanto nos preparava um café. Deixei o assunto amornar. Abri a janela, puxei dum cigarro, disse olá aos melros que aproveitam as árvores do meu quintal para fazerem o ninho e deixei-me estar, tentando digerir com toda a tranquilidade o que seria aquela história da «filosofia dos três pratos». Então, o Francis comunica em voz alta da cozinha: - o café está pronto, também tomas?.. Replico que sim e ele serve-o em duas chávenas. Saboreamos o café. Pergunta-me se aceito um whisky - do meu, claro, aquele que guardo numa gaveta que as visitas não conhecem, nem a minha mulher conhece, mas o Francis não é uma visita normal, nem tão pouco a minha mulher e eu respondo que sim, que «o meu single malt é dos bons». Nisto, fazendo de conta que não deu pelo remoque, o Francis descobre dois cálices e despeja neles duas generosas doses de escocês. Com ou sem gelo - questiona. Sem, puro - respondo. São umas três da tarde, vou sorvendo o whisky e quase que me esqueci da S.; na rua só os melros e o homem do café a mijar à socapa de encontro a uma árvore - juro que nunca entenderei porque é que mija na rua se tem um W.C. no café - perturbam a quietude deste sábado, fim da Primavera, princípio do Verão. Faz calor, está muito quente e o Francis parece dormitar. Olha lá - grito-lhe eu, cruelmente - que vem a ser isso da filosofia dos três pratos, hã? Abre os olhos, pestaneja, passa a mão livre pela testa, termina o seu copo e responde, imperturbável: Os três pratos? Ora, pois, cona, cu e broche, antes de teres a certeza de que uma gaja está disposta a dar-te os três pratos, não te apaixones por ela.
Pensamento do dia
21.5.08
Pensamento da noite
20.5.08
As razões do Ruca
O meu amigo Ruca, menino da foto, telefonou-me ontem à noite a informar-me de que tinha terminado tudo com a Maria, uma rapariga que eu lhe tinha apresentado nem há duas semanas. Fiquei pasma. Afinal a Maria é uma óptima companhia, bonitita, sempre simpática, alegre e boa camarada. Perguntei ao Ruca das razões que o tinham levado a acabar o relacionamento com uma mulher que tinha «um coração de ouro». E ele respondeu-me, de pronto: «Ó Vanessa, lá coração de ouro ela teria, não o nego, mas tinha também uma cona de ferro!»..
19.5.08
Uma época excelente
Chegou ao fim mais uma época de futebol e está terá sido, porventura, das melhores dos últimos tempos. Lá fora, o Cris tornou-se não só no melhor jogador, mas também no melhor marcador. Por cá, o Porto foi campeão, com inusitada vantagem. Ao Sporting, que até um clube simpático, coube vencer a Taça e isso trouxe diversidade, o que é sempre de louvar. Mas a cereja no topo do bolo, o ingrediente que fez desta uma excelente época, residiu, sem dúvida, no facto de o Benfica ter obtido um dos seu piores scores de sempre e de para o ano se ter de contentar com a UEFA e em não descer de divisão!
16.5.08
A mulher da saia branca
- Uma carta, Vasco?
- Sim, sim, uma carta!
- Mas…
- Francisco, quero que me ajudes a escrever uma carta. Estou realmente interessado nela e sabes bem como tenho dificuldades em abordar uma mulher que me interesse.
- Bem… pois, posso fazer-te o jeitinho, mas uma carta…
- Tu tens jeito, Francisco, já li coisas tuas. Vá!
Com um suspiro conformado perante o olhar implorante do Vasco, aceitei, para júbilo do meu companheiro. Não queria nada ter de lhe fazer aquilo, nada!, mas ele acabara de me encostar à parede. De caneta em riste, escrevi, metaforizei, sonhei e pintei uma mulher que também já conhecia e habitava as minhas fantasias. Não se estava a afigurar nada fácil fazer isto ao meu amigo. Finda a carta, o Vasco guardou-a com mãos escrupulosas na pasta, desejando não amarrotar nem uma linha das que ele julgava que conquistariam o coração da mulher da saia branca. O resto da tarde passou-se como previsto.
Quando partiu, dei por mim a aguardar o resultado com impaciência…
O estrondo vindo do lado de fora parecia querer arrombar a porta à força de nós dos dedos. Quem seria a besta e o que quereria a um domingo? Sem surpresa, sabia bem a quem pertencia aquele punho furioso a descarregar frustração na minha porta de pintura e verniz recentes. Espreitei pelo óculo apenas para confirmar o rosto do Vasco transpirando impaciência e os olhos a rebentar humilhação. Com um sorriso, abri a porta como se não fosse nada comigo.
- Vasco! Entra, ‘tás bom? – saudei-o calorosamente.
- Não ‘tou nada bom, pá, nada bom! – desabafou ao irromper porta adentro.
- Então?
- A carta, Francisco, a carta!
- Pois, a carta para a tal mulher! Que tal correu? – perguntei em tom casual.
- Que tal correu, que tal correu? Riu-se, explodiu em gargalhadas à minha frente! Fiz figura de urso! – bradou em urros de incredulidade.
- Mas… mas – balbuciei, - estava tão bem escrita!
- Já viste bem como isto acaba? – perguntou em tom agressivo. Lançou a mão ao bolso e sacou do papel amachucado, percorreu com os olhos as linhas ridiculizadas pela mulher da saia branca e leu: «O sol morrerá apenas para pontilhar o breu do céu em pontos brilhantes, sob os quais celebraremos o nosso ósculo.» - Mas que merda é esta!? Eu estava convencido de que sabias o que estavas a fazer!
- Ó, calminha aí! Pediste-me para escrever uma carta de declaração a esta tal mulher. Fiz o que pude. Não tenho culpa que ela não tenha apreciado. Além disso, podias ter lido antes de a entregar…
De olhar incrédulo, maxilar rijo e dedos encolhendo-se em punhos tensos, foi neste estado que o Vasco saiu de minha casa, furioso, resmungando entre dentes que ainda havia de descobrir o que raio era um ósculo, e a fazer tremer a casa com o bater da porta atrás dele. Gosto muito dele… do Vasco. É um bom amigo. Espero de todo o coração que este pequeno percalço não venha arruinar a nossa amizade. Foi com pesar que soube do fraquinho dele por ela e é com remorsos que penso que lhe lixei a carta para a mulher da saia branca. Mas tinha de ser… Tinha de lhe pôr um travão. Na verdade, a mulher da saia branca tem nome. Conheci-a ainda antes do Vasco. É a Joana, a bela Joana. Tal como o Vasco, também eu não pude deixar de reparar nos caracóis negros, nos olhos castanhos e, sim, também presenciei a saia branca dançando num passo feito de sugestão de pernas quando vi chegar, vindo do fundo do corredor iluminado de sol da faculdade, o som de saltos transportando os passos ligeiros da figura de elegante graça da minha colega. Ao contrário do Vasco, já tive a oportunidade de me rir com o sentido de humor de lâmina afiada, perspicaz, arraigado numa personalidade forte e única (teimosa, até), e de beber o riso e o sorriso que, só por existirem, tornam irrelevante o motivo porque se fazem ver e ouvir ao mundo. Por tudo isto, talvez por mais que não consigo expressar, tirei o Vasco do caminho, como tirarei qualquer um, até descobrir o caminho para o coração da mulher da saia branca.
Pensamento do dia
12.5.08
Inspiração árdua
No momento em que os primeiros raios de sol daquela tarde de primavera entravam e iluminavam a entrada da carpintaria, vinda da luz, a jovem mulher entrou com passos firmes, chegou-se ao balcão e disse sem ponta de hesitação nas sílabas: «Venho encomendar-lhe um texto». Perante palavras e tom tão seguros, o carpinteiro ficou, por momentos, tentando encontrar pensamento de resposta. A mulher tamborilava uns dedos longos e impacientes no balcão sujo de serradura. O modesto carpinteiro desvendou-a de imediato autoritária e cheia de domínio, não só pelas palavras aguçadas e modos confiantes, mas também porque, à medida que subia os olhos pelo rosto, não conseguiu atravessar as lentes negras que lhe obscureciam a sinceridade. Porém, havia algo de cativante nela. Nisto, a resposta parecia ainda tentar percorrer um caminho tortuoso até à língua. Ela interrompeu o processo sem cerimónia: «deve ser descritivo (mas sóbrio), breve, ter orações subordinadas completivas, uma corzinha de hipálage, disjunções emoldurando as janelas e verbos ditransitivos à entrada. Voltarei ao fim da tarde para efectuar o pagamento, SE o trabalho me agradar». Já virara costas no momento em que o carpinteiro, em aflição submissa e em jeito de desculpa, respondeu: «Mas, menina, eu costumo trabalhar mais com verbos estativos, nem sempre transitivos, domino alguma coisa na área das conjunções. E com esse prazo, certamente compreenderá…» «Desenrasque-se!» Cortou-lhe a palavra com a lâmina afiada de voz fina. Silenciou-o. Com ar não menos altivo do que o que carregava ao entrar, e batendo o salto severo e cadenciado no chão, afastou-se em passos curtos para a azáfama da rua.
O homem esperou até que o som dos passos sobre o chão de madeira se escoasse no barulho da cidade. E agora? Estava perfeitamente habituado a trabalhar com ferramentas simples: adjectivos, advérbios, despretensiosos verbos e outros que tais. Embora já andasse nestas lides há muito tempo, o seu rudimentar conhecimento de carpintaria não chegava para subordinadas completivas. Sabia bem como construir uma sólida subordinada restritiva, o seu pai ensinara-o, e nunca construíra um texto com uma vírgula fora do sítio. «Trabalho impecável, até ao ponto final!», fora a frase que sempre ouvira da boca de quem nos seus textos entrava e neles se passeava. Além disso, raios!, dominava tão melhor a narrativa! Para que tinha ela de lhe pedir uma descrição?
Nada havia a fazer. Tinha de meter mãos à obra. De certo modo, encarava como desafio a rispidez da falta de um sorriso por parte dela. Encontrando renovada motivação, dirigiu-se até à gaveta das peças, abriu-a com um rangido até meio e espreitou para ver o que sobrava desde que construíra o último texto. Tão em cima da hora, não tivera tempo de renovar o stock. Tirou alguns adjectivos, vários substantivos e algumas preposições. Com eles, esperava alinhavar uns sintagmas que resultassem em frases cativantes. Compreendendo que a gaveta estava perra, esticou o braço até ao fundo. Às cegas, fechou a mão suja de serradura sobre uma massa amorfa e indistinta. Curioso para ver sobre o que se fechara a sua mão, retirou-a do fundo húmido e, para seu espanto, deparou-se com umas quantas isocronias e uns deícticos que já não via há muito tempo. Material de narração, não ia precisar.
Em esforço para não se enganar, erigiu algumas ideias sobre um frágil modelo descritivo que desencantara no bafiento e húmido barracão das traseiras. Pegou na pesada caneta e no dicionário novo e, com baques ruidosos, começou a martelar nomes, flexionando-os em género, tentando descortinar o melhor caso e, muitas vezes enganando-se no número, suspirava, destruía o que já fizera e recomeçava. Limpando o suor da testa com a palma seca da mão, levou uns adjectivos da boca aos dedos e, de caneta em riste, tentando nunca deturpar os substantivos, aparafusou-os lenta e cuidadosamente. Sabia-os incompatíveis com alguns nomes e fez o seu melhor para usá-los nas posições certas. Tentara alguma fugaz e comedida adjectivação dupla. Começava a entrar no ritmo. Serrou umas orações, colou-as a outras, afinou uns predicados, e assim se pasmava perante algumas metáforas sinceras e sinestesias oníricas. Com destreza, as preposições iam ligando uns vocábulos e era de peito inchado que constatava perfeitas as conjunções e locuções utilizadas no admirável polimento do texto.
Quanto mais o texto crescia, mais o carpinteiro pensava se estaria à altura de tão exigente pedido. Sentira autoridade na voz da mulher e o facto de não ter visto os seus olhos escondidos pelas lentes escuras dos óculos tornava-a ainda mais distante e inalcançável. Habituara-se a olhar nos olhos de quem lhe pedia textos e a saber logo ali, no ímpeto da conversa, o que queriam. Nunca pensara neste contratempo. Não houvera conversa, muito menos olhar. A reacção dela seria uma surpresa. A lima pensativa e paciente alisava, incessante, advérbios pontiagudos, sinónimos desnecessários, neologismos ridículos. Evitava parêntesis longos, pois sabia que tais, se mal empregues, não tinham serventia maior do que enfraquecer a edificação. As hipálages eram difíceis de encontrar nos tempos que corriam, mas não eram obstáculo insuperável.
Qual pintor que se afasta para admirar o quadro, recuou uns passos para contemplar a sua obra que, longe de estar cómica, era no mínimo invulgar. Conseguira alcançar um perfeito equilíbrio átono, sem nunca chegar a ser aborrecido. Sabia que tinha a tónica no sítio certo. Os acabamentos das janelas emolduradas eram do mais belo e gramatical disjuntivo que já criara. Tinha conjugado os verbos a seu gosto e foi com surpresa que constatou uma capacidade desconhecida para manipular os ditransitivos. Mas era a formosura dos adjectivos, a dinâmica sintáctica e algum génio fonético que faziam do texto a bela construção que o carpinteiro fitava. Pincelando o texto de inspiração, deu a segunda demão com ideias frescas. Gostara de o construir, era diferente. Esperava apenas que agradasse à mulher.
Ao longe, o rufar dos saltos aproximava-se. Transportavam um rosto ainda impávido e de olhar secreto. O texto estava à sua frente e o carpinteiro, observando o perfil feminino desenhado contra a réstia de sol primaveril que morria, pela janela, no chão de madeira encerado da carpintaria, podia jurar um sorriso no canto do lábio e, talvez, um brilho quente iluminando as lentes negras.
Do «sagrado»
9.5.08
Mau
Uma coisa...
Pensamento da madrugada
«Gostava de pensar os teus cabelos. Não sei o que andas a fazer ou tão pouco o que fazem os teus cabelos. aloirados. que gostava de pensar. Isso é. Hard to deal with. Gosto de ti. Queres dar-me a tampa? Este é o momento oportuno para o fazeres, sabes, não vale a pena pensar em nós sem cabelos. e isso acaba por ser ridículo. Gosto dos teus [cabelos], enquanto gostares dos meus dedos nos teus [cabelos]».
Luís Namora, estudante.
Foto por Picasso.
8.5.08
Matemática do pólen
Quanto valem 50 gramas de pólen? E cinco? E 50 toneladas? A matemática do pólen não é fácil e depende de muitos factores, dos quais um dos menos importantes é o da lei da procura e oferta. O polén enquanto bem não é regulado apenas por essa lei nem esse é o factor mais determinante no comércio da substância, por uma simples razão: o comércio de pólen é ilegal.
Como tal, a actividade obedece a outros critérios que não o da lei de mercado e, assim, sem regulação, o preço/valor do pólen está sujeito a bruscas alterações: num dia, 50 gramas de pólen podem valer 250 euros, no outro 500 e no seguinte 1000. Por outro lado, como é um comércio ilegal, não há controlo de qualidade e isso faz, mais uma vez, com que a qualidade/valor do pólen tenha uma enorme tendência para flutuar ao sabor das marés da manufacturação e transporte do mesmo até este cumprir a essência de qualquer bem da sua categoria: ser consumido.
Não, não é fácil determinar o valor do pólen. Excepto, isto é, quando este é legal, ou seja, quando se destina a consumo próprio. Aí, o valor do pólen é sempre o mesmo: quanto valem 50 gramas de pólen? Ora, depende da moca que isso provocar. Nesse sentido, fumar 5 gramas ou fumar 50 pode ser exactamente a mesma coisa, apenas variando, talvez, os efeitos para a saúde do consumidor.
Desta maneira, estabelece-se uma clara diferença entre dois tipos de pólen: o que é ilegal e o que o não é. O primeiro, flutua ao sabor dos critérios da economia paralela, o segundo permanece num valor estável, que é o da broa perceptível que o bem proporciona. Tanto faz serem cinco ou cinquenta gramas, o pólen vale o que vale, enquanto pedrada é legal e ninguém vai preso por causa disso; mas, caso seja para comerciar, as coisas piam mais fininho. O primeiro critério para determinar a legalidade ou ilegalidade do pólen é quantitativo e tem a ver com a quantidade que se possui. E se é relativamente fácil alegar que 5 gramas partidas em brocas se destinam meramente a consumo, não é tão fácil fazê-lo com 10 barras de cinco gramas cada.
Obviamente, pode sempre conjecturar-se que 50 gramas em dez barras ou só num calhau, desde que cuidadosamente enfiadas no bocal de um negrilé, também se fumam. Também se consomem. E de uma só vez. QED.
O pólen é um bem consumível, como o ácucar, a canela, o cravinho e outras especiarias de perfume exótico. A única diferença é que ninguém vai preso por ter 50 quilos de ácucar na dispensa (embora isso me levante muitas suspeitas. Porque raio é que alguém teria 50 quilos de açucar aos pacotes armezenados na dispensa?..)
Por seu turno, isto remete para algo de realmente interessante: comprar 5 gramas de pólen não dá cana; comprar 50 quase de certeza que dá. O que é que separa o comércio da posse para consumo? Não faz sentido, para se possuir um determinado bem, seja para consumo ou posterior trespasse, é necessário adquiri-lo; ora, se a aquisição é ilegal por natureza, como é que se legitima a posse? Estão a ver a coisa? Pode-se fumar pólen? Pode-se. Pode-se vender/comprar pólen? Não. Pode-se fumar/consumir pólen? Sim.
Começamos então a compreender melhor a matemática do pólen: desde que proves que é só para encher a cabeça, tanto te faz ter uma broca, como ter 50 gramas ou 5 toneladas de pólen; o importante é que seja para consumir e não para comerciar. É claro que é difícil alegar a posse para consumo de cinco toneladas, da mesma maneira que é difícil defender a posse apenas para consumo próprio de uns míseros 50 quilos de áçucar amontoados na dispensa de um T2...
Como vemos, isto encerra em si um paradoxo lógico: podes ter, mas não podes comprar para ter, e para sabermos que não compras o que tens, tens que o ter em quantidades pequenas, de preferência numa única embalagem; isso também nos ajuda a impedir que vendas o que não é suposto teres comprado, claro... Paradoxal, na verdade. Essa pequena, essa única embalagem que trazes, por reflexo de outros tempos ainda oculta no cós das calças, essa pedrita que não é suposto adquirires, de onde é que ela se materializou? Hã?
Mas, obviamente que a matemática do pólen, por ser este um bem, e por hora um bem lícito e ilícito em simultâneo, permanece ciência de contornos vagos e de difícil estabelecimento. Nem a inteligentsia que nos rege deseja outra coisa. Em muitos aspectos, a matemática do pólen de hoje é análoga à matemática do aborto de há uns dez anos atrás. Obscura e repleta de mitos. Um deles, é o de que liberalizar seria fazer proliferar...
Contudo, nalguns casos particulares, a matemática do polén é um saber límpido e cristalino, como aliás também o era em casos análogos a matemática do aborto. Como o foi, por exemplo, para o Rato, um pobre diabo que nunca fez mal a ninguém e que dispensava a meia dúzia de tipos uma meia dúzia de pedras de pólen para pagar um quarto miserável numa pensão rasca e onde não possuia mais do que duas mudas de roupa e as suas 50 gramas.
Para o Joaquim d’ Eça (sim, é uma pessoa verdadeira e é esse o nome verdadeiro do Rato) a matemática do pólen foi sinistramente rigorosa e eficaz: 50 gramas de pólen valeram-lhe – exactamente - dois anos e três meses a ver o sol aos quadradinhos, na agradável e ilustre companhia de ladrões, proxenetas, violadores e assassinos.
Perceberam a matemática da coisa?
7.5.08
Painéis deslizantes
Fazem-me rir de mim próprio, dão cor aos meus dias, pedem-me conselhos, dão-me lições de vida e fazem com que escreva coisas piegas - obrigado Botas - ou apenas com que me aperceba de que a vida não começa nem termina em mim e que há na vida coisas mais importantes do que painéis deslizantes. Nomeadamente, painéis deslizantes com fechos de correr! Ah, ah, ah!
5.5.08
Seguramente
Quando é que tudo começou? Foi em 1936, os etíopes ainda resistiam na Abissínia e a invasão do Suez não passava de uma miragem. O meu exército nada mais era do que um conjunto de chefes obtusos e de material obsoleto e, para transformar a Itália numa nação digna de se sentar, por fim, «à mesa da conferência da paz», precisava rapidamente de aumentar a minha produção industrial. Isso, por seu turno, exigia a conquista da Abíssinia e, quem sabe, a anexação da Albânia. Felizmente, tinha algum tempo; afinal, tudo começa em 1936. Ou não?
Não, em definitivo; tudo começa em 2003, quando adquiri, por mero acaso, Hearts of Iron, seguramente o melhor jogo de grand strategy de sempre para pc. Desde então e até hoje, ainda não me fartei. À testa das mais diversas nações, da Alemanha nazi ao Império japonês, passando pelos EUA, esse gigante adormecido, o Reino Unido, e até de Portugal, posso dizer que Hearts of Iron não terá muitos segredos para mim. Muitos não terá, mas ao fim de cinco anos de jogo, no total serão literalmente meses em frente a um pc, Hearts of Iron é como o vinho do Porto: só melhora.
Ainda hoje, qual Benito Mussolini qual caralho, Lúcio Ferro conduziu os exércitos e a marinha italiana a sucessos inimagináveis (não menciono a força aérea porque, infelizmente, foi virtualmente aniquilada num raid de surpresa da RAF - raios esses aviões vão fazer-me falta!) Estamos em Junho de 1941, já passei o Suez, tomei a Palestina, controlo a Síria e preparo, febrilmente, com a ajuda de um corpo expedicionário «tedesco», chefiado por Von List, a invasão do Iraque. No flanco sul, após ter o ano passado perdido toda a Abissínia para os britânicos, sorrio na presença de Graziani e de Bastico, os meus marechais de opereta a quem apenas confio missões defensivas. Com um outro corpo expedicionário alemão, chefiado pelo meu general favorito - Guderian - Iremos lançar nova ofensiva e o objectivo final desta é nada mais nada menos do do que a decisão da guerra em África!
Hearts of Iron. Quando a diplomacia chega ao fim, começa a guerra.
3.5.08
Módulo 1
- Desculpe, já começaram a chamar? - as minhas cogitações acerca das peculiaridades das salas de espera são rudemente interrompidas por uma voz envelhecida, mas desperta. Obrigando a mente a regressar à cadeira de plástico vermelho onde o corpo se mantém inerte, respondo, lacónico:
- Sim, já.
- Como? – reforçou, erguendo as sobrancelhas inquisitivas de pêlo ralo e disperso, inclinando-se na cadeira na minha direcção a fim de ouvir melhor.
- Sim, já começaram a chamar – returco em voz alta ao homem que, obviamente, não reparou quando a mulher da cadeira ao lado passou para o consultório em passos apressados, curvada sobre o estômago dorido e queixoso, chamada pela voz rouca de interferência do altifalante. Recosta-se na cadeira, os olhos vívidos e argutos, anichados no meio das rugas lavradas pelo tempo sob as órbitas, percorrendo a sala como dois pequenos besouros desorientados.
- As pessoas conversam muito alto e depois não ouço quando chamam… - justificou-se num desabafo rouquenho, interrompendo estas linhas, olhando de soslaio para as duas mulheres que trocavam animadas impressões sobre as suas aflições, e rodando no chão, com hábito de dedos, a bengala de madeira talhada no topo em decoração de cabeça de cavalo, o pescoço fechado num anel dourado.
- Pois… - assento mecanicamente, mais cortês que concordante.
O velho exibe uma calva brilhante e lunar, recortada por cabelo grisalho e gasto que, coroando os lados da nuca, desce em repas cinzentas junto às orelhas salientes e de linhas grossas quase até ao maxilar. O rosto nu e corado pelo calor abafado da sala ganha relevo através de um nariz de largas narinas que se abrem e fecham num ritmo lento, espaçado, e de uma fenda ornada por lábios finos e gretados que libertam, a curtos espaços, suspiros enfastiados e aclarares de garganta. Com ar desconfortável, obriga os dedos inchados e de articulações perras a alargar e ajeitar a gola tesa de goma da camisa de um branco imaculado que sufoca o papo do pescoço. O sangue concede em descorar o rosto em ebulição.
Tudo no ancião transmite uma sensação de sobriedade e enfadonho arranjo, desde as calças verde oliva e dobradas na bainha, quase tão vincadas como a sua fronte, passando pelo sapato castanho, grande e pesado, impecavelmente engraxado e luzidio, que a perna cruzada agita com impaciência, até aos olhos de um verde tão escuro que se confunde com castanho, à medida do vestuário liso e sem padrões.
Aldino R.
Revelando uma energia e velocidade de menino, pega no casaco de tweed castanho e levanta-se de um salto em resposta à voz feminina do altifalante rouco. Vejo Aldino partir em pernas e bengala ligeiras. Logo regressa, lento e desanimado, sentando-se com peso no gemido da cadeira. Parece que o chamaram por engano. O rosto renova-se numa gravidade de olhar absorto no vazio da espera silenciosa, sempre entediante. Parece ainda não saber que no Módulo 1 a espera nunca é breve e que só um divago de mente nos pode libertar.
2.5.08
Primavera
Gosto de andar descalço. Particularmente nesta altura do ano. Gosto de beijar a minha mulher. Particularmente nesta altura do ano. Gosto do crepúsculo. Particularmente nesta altura do ano. Gosto de muitas coisas e de outras também de que pouca gente ou ninguém gosta.
Particularmente nesta altura do ano. Não é verdade? Afinal, não sou diferente de todos os outros. Gosto do Inverno, de chuva e de frio e é certo e provavelmente isso faz de mim ligeiramente diferente de todos os outros ou se calhar até que não.
Particularmente nesta altura do ano. Mas gosto mais ainda da Primavera. Do sol frio, das nuvens de manhã escondidas no café da minha rua, do arrefecer da noite na casa da minha mulher aos Anjos e dos pés descalços ao crepúsculo desta noite em que escrevo. Particularmente.
Gosto de um cigarro ao fim da noite e de um whisky no princípio da madrugada na companhia de um amigo ou de um irmão e gosto de outras coisas que não são de se dizer aqui, nunca ou talvez que sempre. Particularmente. Enfim, gosto da Primavera.
Particularmente - nesta altura do ano.