24.5.08

Filosofia do Francis (I)



Um dos melhores amigos é o Francis e como o Francis não só é um tipo culto como tem quase idade para ser meu pai, ergo tem muito mais experiência de vida, presto especial atenção ao que ele me diz. Assim, e ao longo dos anos, fui recolhendo do Francis inúmeros ensinamentos que muito me têm ajudado no meu relacionamento com os outros e com a vida. Hoje, resolvi iniciar esta rubrica, em que vos tentarei transmitir algumas das pérolas de sabedoria que o Francis me transmitiu a mim. Portanto, aqui vai a primeira, intitulada:


FILOSOFIA DOS TRÊS PRATOS


Um dia, estamos eu o Francis a almoçar, aproveito um intervalo entre duas garfadas de carne assada para lhe confidenciar que estava apaixonado. O Francis, sem se descair, bebe dois golos do meu vinho branco e deixa-me discorrer um pouco mais sobre o objecto da minha paixão. Entusiasmado, coloco a rapariga dos meus afectos num pedastal que até eu, hoje, considero demasiado elevado. Então, saciado ou se calhar apenas enfadado das sinceras virtudes que eu descortinava na S., o Francis arrota abruptamente, levanta-se da cadeira com ruído e exclama, num tom que não admitia interjeições: - E os três pratos, já cumpriste a filosofia dos três pratos com essa tipa? Se ainda não o fizeste, não vale de nada a pena estares-me a falar dessa bacana. A filosofia dos três pratos? - perguntei eu - de súbito interessado. Sim, a filosofia dos três pratos, a coisa mais importante a ter em conta no relacionamento com uma mulher - replicou ele - enquanto nos preparava um café. Deixei o assunto amornar. Abri a janela, puxei dum cigarro, disse olá aos melros que aproveitam as árvores do meu quintal para fazerem o ninho e deixei-me estar, tentando digerir com toda a tranquilidade o que seria aquela história da «filosofia dos três pratos». Então, o Francis comunica em voz alta da cozinha: - o café está pronto, também tomas?.. Replico que sim e ele serve-o em duas chávenas. Saboreamos o café. Pergunta-me se aceito um whisky - do meu, claro, aquele que guardo numa gaveta que as visitas não conhecem, nem a minha mulher conhece, mas o Francis não é uma visita normal, nem tão pouco a minha mulher e eu respondo que sim, que «o meu single malt é dos bons». Nisto, fazendo de conta que não deu pelo remoque, o Francis descobre dois cálices e despeja neles duas generosas doses de escocês. Com ou sem gelo - questiona. Sem, puro - respondo. São umas três da tarde, vou sorvendo o whisky e quase que me esqueci da S.; na rua só os melros e o homem do café a mijar à socapa de encontro a uma árvore - juro que nunca entenderei porque é que mija na rua se tem um W.C. no café - perturbam a quietude deste sábado, fim da Primavera, princípio do Verão. Faz calor, está muito quente e o Francis parece dormitar. Olha lá - grito-lhe eu, cruelmente - que vem a ser isso da filosofia dos três pratos, hã? Abre os olhos, pestaneja, passa a mão livre pela testa, termina o seu copo e responde, imperturbável: Os três pratos? Ora, pois, cona, cu e broche, antes de teres a certeza de que uma gaja está disposta a dar-te os três pratos, não te apaixones por ela.