3.5.08

Módulo 1

Dê por onde der, não há fuga possível ao tédio de uma sala de espera no centro de saúde. As caras repetem-se todas as manhãs num inexpressivo enfado, apenas para acenderem o rosto em esperança luminosa quando o altifalante profere o seu nome numa voz arrastada (quase incompreensível). No Módulo 1, a situação repete-se com rigor matemático. Esta manhã é igual a tantas outras manhãs em tantas outras iguais salas de espera, ainda o sol se espreguiça em raios de sol vagarosos de…
- Desculpe, já começaram a chamar? - as minhas cogitações acerca das peculiaridades das salas de espera são rudemente interrompidas por uma voz envelhecida, mas desperta. Obrigando a mente a regressar à cadeira de plástico vermelho onde o corpo se mantém inerte, respondo, lacónico:
- Sim, já.
- Como? – reforçou, erguendo as sobrancelhas inquisitivas de pêlo ralo e disperso, inclinando-se na cadeira na minha direcção a fim de ouvir melhor.
- Sim, já começaram a chamar – returco em voz alta ao homem que, obviamente, não reparou quando a mulher da cadeira ao lado passou para o consultório em passos apressados, curvada sobre o estômago dorido e queixoso, chamada pela voz rouca de interferência do altifalante. Recosta-se na cadeira, os olhos vívidos e argutos, anichados no meio das rugas lavradas pelo tempo sob as órbitas, percorrendo a sala como dois pequenos besouros desorientados.
- As pessoas conversam muito alto e depois não ouço quando chamam… - justificou-se num desabafo rouquenho, interrompendo estas linhas, olhando de soslaio para as duas mulheres que trocavam animadas impressões sobre as suas aflições, e rodando no chão, com hábito de dedos, a bengala de madeira talhada no topo em decoração de cabeça de cavalo, o pescoço fechado num anel dourado.
- Pois… - assento mecanicamente, mais cortês que concordante.
O velho exibe uma calva brilhante e lunar, recortada por cabelo grisalho e gasto que, coroando os lados da nuca, desce em repas cinzentas junto às orelhas salientes e de linhas grossas quase até ao maxilar. O rosto nu e corado pelo calor abafado da sala ganha relevo através de um nariz de largas narinas que se abrem e fecham num ritmo lento, espaçado, e de uma fenda ornada por lábios finos e gretados que libertam, a curtos espaços, suspiros enfastiados e aclarares de garganta. Com ar desconfortável, obriga os dedos inchados e de articulações perras a alargar e ajeitar a gola tesa de goma da camisa de um branco imaculado que sufoca o papo do pescoço. O sangue concede em descorar o rosto em ebulição.
Tudo no ancião transmite uma sensação de sobriedade e enfadonho arranjo, desde as calças verde oliva e dobradas na bainha, quase tão vincadas como a sua fronte, passando pelo sapato castanho, grande e pesado, impecavelmente engraxado e luzidio, que a perna cruzada agita com impaciência, até aos olhos de um verde tão escuro que se confunde com castanho, à medida do vestuário liso e sem padrões.

Aldino R.

Revelando uma energia e velocidade de menino, pega no casaco de tweed castanho e levanta-se de um salto em resposta à voz feminina do altifalante rouco. Vejo Aldino partir em pernas e bengala ligeiras. Logo regressa, lento e desanimado, sentando-se com peso no gemido da cadeira. Parece que o chamaram por engano. O rosto renova-se numa gravidade de olhar absorto no vazio da espera silenciosa, sempre entediante. Parece ainda não saber que no Módulo 1 a espera nunca é breve e que só um divago de mente nos pode libertar.