8.5.08
Matemática do pólen
Quanto valem 50 gramas de pólen? E cinco? E 50 toneladas? A matemática do pólen não é fácil e depende de muitos factores, dos quais um dos menos importantes é o da lei da procura e oferta. O polén enquanto bem não é regulado apenas por essa lei nem esse é o factor mais determinante no comércio da substância, por uma simples razão: o comércio de pólen é ilegal.
Como tal, a actividade obedece a outros critérios que não o da lei de mercado e, assim, sem regulação, o preço/valor do pólen está sujeito a bruscas alterações: num dia, 50 gramas de pólen podem valer 250 euros, no outro 500 e no seguinte 1000. Por outro lado, como é um comércio ilegal, não há controlo de qualidade e isso faz, mais uma vez, com que a qualidade/valor do pólen tenha uma enorme tendência para flutuar ao sabor das marés da manufacturação e transporte do mesmo até este cumprir a essência de qualquer bem da sua categoria: ser consumido.
Não, não é fácil determinar o valor do pólen. Excepto, isto é, quando este é legal, ou seja, quando se destina a consumo próprio. Aí, o valor do pólen é sempre o mesmo: quanto valem 50 gramas de pólen? Ora, depende da moca que isso provocar. Nesse sentido, fumar 5 gramas ou fumar 50 pode ser exactamente a mesma coisa, apenas variando, talvez, os efeitos para a saúde do consumidor.
Desta maneira, estabelece-se uma clara diferença entre dois tipos de pólen: o que é ilegal e o que o não é. O primeiro, flutua ao sabor dos critérios da economia paralela, o segundo permanece num valor estável, que é o da broa perceptível que o bem proporciona. Tanto faz serem cinco ou cinquenta gramas, o pólen vale o que vale, enquanto pedrada é legal e ninguém vai preso por causa disso; mas, caso seja para comerciar, as coisas piam mais fininho. O primeiro critério para determinar a legalidade ou ilegalidade do pólen é quantitativo e tem a ver com a quantidade que se possui. E se é relativamente fácil alegar que 5 gramas partidas em brocas se destinam meramente a consumo, não é tão fácil fazê-lo com 10 barras de cinco gramas cada.
Obviamente, pode sempre conjecturar-se que 50 gramas em dez barras ou só num calhau, desde que cuidadosamente enfiadas no bocal de um negrilé, também se fumam. Também se consomem. E de uma só vez. QED.
O pólen é um bem consumível, como o ácucar, a canela, o cravinho e outras especiarias de perfume exótico. A única diferença é que ninguém vai preso por ter 50 quilos de ácucar na dispensa (embora isso me levante muitas suspeitas. Porque raio é que alguém teria 50 quilos de açucar aos pacotes armezenados na dispensa?..)
Por seu turno, isto remete para algo de realmente interessante: comprar 5 gramas de pólen não dá cana; comprar 50 quase de certeza que dá. O que é que separa o comércio da posse para consumo? Não faz sentido, para se possuir um determinado bem, seja para consumo ou posterior trespasse, é necessário adquiri-lo; ora, se a aquisição é ilegal por natureza, como é que se legitima a posse? Estão a ver a coisa? Pode-se fumar pólen? Pode-se. Pode-se vender/comprar pólen? Não. Pode-se fumar/consumir pólen? Sim.
Começamos então a compreender melhor a matemática do pólen: desde que proves que é só para encher a cabeça, tanto te faz ter uma broca, como ter 50 gramas ou 5 toneladas de pólen; o importante é que seja para consumir e não para comerciar. É claro que é difícil alegar a posse para consumo de cinco toneladas, da mesma maneira que é difícil defender a posse apenas para consumo próprio de uns míseros 50 quilos de áçucar amontoados na dispensa de um T2...
Como vemos, isto encerra em si um paradoxo lógico: podes ter, mas não podes comprar para ter, e para sabermos que não compras o que tens, tens que o ter em quantidades pequenas, de preferência numa única embalagem; isso também nos ajuda a impedir que vendas o que não é suposto teres comprado, claro... Paradoxal, na verdade. Essa pequena, essa única embalagem que trazes, por reflexo de outros tempos ainda oculta no cós das calças, essa pedrita que não é suposto adquirires, de onde é que ela se materializou? Hã?
Mas, obviamente que a matemática do pólen, por ser este um bem, e por hora um bem lícito e ilícito em simultâneo, permanece ciência de contornos vagos e de difícil estabelecimento. Nem a inteligentsia que nos rege deseja outra coisa. Em muitos aspectos, a matemática do pólen de hoje é análoga à matemática do aborto de há uns dez anos atrás. Obscura e repleta de mitos. Um deles, é o de que liberalizar seria fazer proliferar...
Contudo, nalguns casos particulares, a matemática do polén é um saber límpido e cristalino, como aliás também o era em casos análogos a matemática do aborto. Como o foi, por exemplo, para o Rato, um pobre diabo que nunca fez mal a ninguém e que dispensava a meia dúzia de tipos uma meia dúzia de pedras de pólen para pagar um quarto miserável numa pensão rasca e onde não possuia mais do que duas mudas de roupa e as suas 50 gramas.
Para o Joaquim d’ Eça (sim, é uma pessoa verdadeira e é esse o nome verdadeiro do Rato) a matemática do pólen foi sinistramente rigorosa e eficaz: 50 gramas de pólen valeram-lhe – exactamente - dois anos e três meses a ver o sol aos quadradinhos, na agradável e ilustre companhia de ladrões, proxenetas, violadores e assassinos.
Perceberam a matemática da coisa?
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