30.9.07

Pensamento do dia



"Hoje em dia, há simplesmente demasiados escritores por leitor. Há um par de décadas atrás, um adulto que pensasse sobre livros ou autores ainda por ler, lembrava-se de trinta ou quarenta nomes; actualmente, esse número chega aos milhares. Hoje, entra-se numa livraria como se entra numa loja de música cheia de álbuns de grupos e solistas, em que se levaria mais do que uma vida a ouvi-los. E muito poucos entre esses milhares são exilados ou particularmente bons. Contudo, o público vai lê-los, e não a ti, apesar da aura que te rodeia, não porque o público seja perverso ou insensato, mas porque, estatisticamente, pertence ao âmbito do que é mediano e medíocre. Por outras palavras, o público quer ler sobre si próprio. Em qualquer cidade do mundo, a qualquer hora da noite ou do dia, são mais as pessoas que nunca ouviram falar de ti do que as que já ouviram."


Joseph Brodsky, in "A Condição a que chamamos exílio". Tradução via O Lado Negro da Lua.

28.9.07

O estranho caso do Luso Tagus



Sempre gostei muito de barcos. Sobretudo de barcos grandes. Gosto de os ver passar ao longe e de imaginar as paragens que já visitaram, os dramas que testemunharam, as histórias que calam para sempre no silêncios das suas esteiras, os destinos que se misturam nos portos onde atracaram.
Quando descobri o Luso Tagus apaixonei-me logo por ele. O navio estava (e continua) ancorado (encalhado é a melhor expressão) num molhe do Cais Comercial de Faro, no Algarve. Está cheio de ferrugem e votado ao abandono.
Mal o vi, fui logo buscar a câmara e à medida que o fotografava pus-me a imaginar o que teria levado o Luso Tagus àquele triste destino. Para ali encalhado, ligeiramente inclinado no seu eixo, a ganhar ferrugem e a perder o brilho da sua outrora intensa cor azul.
Que mistério se esconderia por trás do Luso Tagus? Afoito, logo me lembrei de pirataria… Depois, mais realista, ocorreu-me a hipótese de naufrágio… Só que o Luso Tagus não tinha nenhum rombo no casco, a pirataria é coisa de outros mares que não o nosso, e o barco parecia ter-se encalhado ali, sem mais, não por força da Natureza, (nenhum barco encalha num cais), mas sim por intervenção do Demo, ou seja, tinha de certeza havido mão humana no estranho caso do Luso Tagus.
Quando cheguei a casa fui logo a correr investigar a história do navio com bandeira panamiana que se chamava Luso Tagus.
As minhas expectativas não saíram frustradas. O Luso Tagus transportava tabaco de contrabando, há uns bons 15 anos, quando as autoridades detectaram a marosca e o apreenderam. Após um inquérito, o armador foi condenado a pagar uma multa para reaver o navio, só que nunca o fez e o barco por lá ficou, a ganhar ferrugem. Li tudo isso na internet, num antigo recorte de jornal scanarizado, mas a minha curiosidade não ficou saciada.
Passados uns dias voltei ao cais e, desta feita, estavam vários pescadores mesmo junto ao molhe do Luso Tagus. Fui-os abordando o melhor que um estrangeiro sabe e pode e, ao fim de algum tempo, um deles, mais expansivo, contou-me então o resto da história: após o armador se ter esquivado a pagar a choruda multa que a justiça estipulara, vários anos se foram passando no ramerame judicial, enquanto o barco perdia todo e qualquer valor comercial, à medida que as engrenagens ferrugentas da burocracia se ocupavam disso mesmo, quando, finalmente, há três ou quatro anos, a propriedade do barco reverteu, na sua totalidade, para o Estado português, o qual tratou de o vender em hasta pública.
Só que, ó miséria, apenas um sucateiro se interessou e o Luso Tagus foi arrebatado por uma ninharia de dois ou três mil contos, tendo como futuro ser esventrado, desmanchado e transformado em sucata pura e dura. No entanto, isso não sucedeu, porque o Estado foi ter com o sucateiro e lhe exigiu, não os poucos milhares de contos pelos quais este arrematara o navio, mas e ainda umas largas dezenas de milhares de contos pelo “aluguer” do espaço onde o barco estava encalhado.
E o tipo, ao dar conta da armadilha, deu os dois ou três mil contos que gastara pelo Luso Tagus por perdidos e mandou o navio dar uma larga volta ao Estado português grande.
O tempo passou, passou, e o Luso Tagos foi novamente apreendido pelas ferrugentas malhas da burocracia estatal. O pescador que me contou isto estava revoltado: “O senhor já viu, um barco novinho em folha e agora nem para sucata serve?”
Mas eu também tinha lido algures que o problema era ainda mais complexo: o problema da poluição. Dizem os activistas da protecção ambiental que o Luso Tagus, mais as suas ferrugens e as suas tintas desbotadas, aos poucos e poucos, vai poluindo as águas onde se encontra encalhado…
Sobre isso, o pescador nada sabia, a não ser que já tinha sacado daquele sítio “quilos e quilos de peixe, amigo, quilos e quilos!”… Eu por mim, não tenho muito a acrescentar, a não ser o seguinte: gosto muito do Luso Tagus. Está no Cais Comercial de Faro e tão cedo não se irá embora; por isso, amigos, quando forem ao Algarve, não se esqueçam de o visitar. O Luso Tagus, como podem verificar, não é bonito: é belo.

Questão socrática...


Lavas as mãos antes, ou depois de urinares?

26.9.07

Pensamento da noite


Adversity has the effect of eliciting talents, which in prosperous circumstances would have lain dormant.

Horácio


25.9.07

Até sempre rapaz


Lembras-te, devias ter um oito anos e eu cinco, fomos ao circo pela mão do nosso avô, tu explicaste-me o mundo dos palhaços, o que era um tigre, como eram parvos os macacos, e que um urso me comia, mas a ti não, porque eras grande e forte e o matavas antes dele conseguir dizer viva o Porto?


Lembras-te do que nos divertimos nesse dia?


Lembras-te, as primeiras férias que passámos em Caminha, ainda antes de abrir o parque de campismo da Gelfa, ali em Vila de Âncora, e todos os Verões que por lá vivemos, a praia de parte da manhã, o almoço na Madalena e as tardes a jogar xadrez? A avó fazia iscas de bacalhau e farinha de pau e papas de sarrabulho e avô falava sobre um alemão que se chamava Brecht, ou qualquer coisa assim, lembras-te?


Lembras-te, já tu tinhas tido o teu primeiro amor, daquela célebre corrida contra o primo Emílio, quando o avô nos contrabandeou até à linha da meta, na bagageira do carro, e ganhaste gelados para ti e para mim?


Lembras-te, das férias em Peniche, do Forte, da música «it's rainning again» no jukebox, do bilhar e do primeiro cigarro que fumámos juntos, o avô que quase nos apanhava?


Lembras-te, dos tempos em tu já eras jornalista e eu andava a caminho de o ser, das nossas longas noites a discutir filosofia política, o jornalismo, a metafísica e os outros assuntos mundanos, a altas horas da noite, quando chegavas da rádio, no quarto que ambos partilhávamos no Porto?


Lembras-te, muito mais tarde, eu estava a passar a 25 de Abril, tu telefonaste e disseste, com a voz metálica que a rádio te dera: «A avó morreu» e eu quase me matei nesse dia, porque não compreendia e não podia compreender?


Lembras-te, quando foi a vez do avô, o primo Emílio deu-me dez contos para a mão, peguei em ti e no Goncas e a seguir ao funeral levei-vos a beber um copo em memória do velhote e tu acusavas-me, já não sei bem do quê, e o Goncas fez a paz entre nós e demos aquele abraço e quase chorámos?


Lembras-te, quando continuámos o negócio do velho Fernando, fizemos sociedade e depois a vida negra um ao outro e a famíla se pôs a envenenar e nos detestámos como nunca o tínhamos feito?


Não, é verdade que não te lembras. Não te podes lembrar, não é?

No outro dia, vinha eu de viagem e falava sobre ti, sobre essas dias da nossa juventude, quando a tua tia, minha mãe, me telefonou a confirmar que não te podias lembrar, a confirmar que nunca mais te lembrarias.


A puta da morte tinha-te saqueado a memória, assim, sem mais, nem quarenta anos tu tinhas ainda. É estúpido. Tão estúpido que ainda hoje, três semanas ou mais depois o estúpido da coisa não me abandonou. Estás morto. É tão simples quanto isso, mas, ao mesmo tempo, não é nada simples.


Eu lembro-me, dois dias após esse telefonema, lá estava eu, à tua campa, com os outros, os que por cá ficaram, bem mais pobres, tristes, infelizes, a dizer-te adeus, a pensar que se calhar não é bem assim, que se calhar até é verdade que ainda nos voltamos a ver e a pensar que nada disto faz sentido nenhum, a pensar que tenho tanta pena de ter andado chateado contigo nos últimos anos, a pensar que há mais de três anos que não queria saber de ti e a recordar que até ficara intimamante satisfeito quando me disseram que ultimamente tinhas tido uns problemas profissionais.


Pois.


A pensar no cabrão que fui e que sou. E sobre isso, nada a fazer. Até sempre Nuno Miguel. Eu sei que nunca gostaste que te chamasse assim. Gostavas mais do teu nome de guerra, não é? NCF, o primeiro jornalista português a entrar em T após a invasão. Foste triturado pelos gajos do Parlamento quando regressaste, mas enfim, tinhas tido os tomates para lá ires, enquanto eles, refastelados no conforto da Pátria, debitavam umas lérias sobre o sofrimento dos nativos. Os filhos da puta. Aliás, essa história continua muito mal contada e se eu fosse outro gajo era tipo para por tudo em pratos limpos por ti, mas não o sou e isso a ti, se calhar, já nada adianta.


Histórias antigas, é o que isto é, meu primo, meu irmão.


Faz-se tarde. Desde que te foste, passei a beber menos. Ando triste. Por um lado, digo às pessoas, «antes ele do que eu», por outro, estou triste porque só agora percebo a falta que me fazes. E assim é a vida. We win some, we lose some, in the end we all die. Até sempre, rapaz, dorme bem, dorme um sono leve e solto e descansado. Se possível, sonha. Sonhos bonitos. Se possível ainda, sonha comigo, sonha com aquele miúdo a quem ensinaste a dizer «merda prós cabrões que nos lixam!». Sonha com aquela criança que era o teu compincha, o teu cúmplice e o teu companheiro. Eu, por mim, não preciso de sonhar, pois nunca te esquecerei.


PS - Esta foto é para ti. Suponho que o Goncas não se oporá a isto. É a foto da mão dele com a sua filha, a tua prima. Quando a Martha for grande, se eu ainda for vivo, vou contar-lhe sobre ti, vou dizer-lhe que o primo Nuno era um homem com H grande.

24.9.07

Obsessão nocturna

Passa pouco da uma da manhã e a escuridão acaba de se abater sobre o quarto. Nenhuma luz é visível e sou incapaz de sentir algo mais que não seja o corpo dele, jovem e vigoroso, bem pertinho, à distância de um breve e rápido voo, solitário naquela cama tão grande e vazia. Esta é a terceira noite em que o visito e, durante o dia, é o calor da sua pele que habita a minha mente e alimenta o meu desejo. Não me consigo fartar dele, estou viciada! Viciada no seu corpo quente e no seu sabor. Viciada no sangue que pulsa por todo o seu corpo. Quero mordê-lo e chupá-lo até matar esta fome que me consome. Quero ficar saciada! Espreito do meu canto: o seu corpo está imóvel e a respiração repete-se lenta e pausada. Tão tranquilo! Mal sonha que em breve estarei a tocá-lo, a mordiscar aqui e ali, e que partirei, tão silenciosa como cheguei, apenas para voltar na noite seguinte e saciar a minha sede uma vez mais. Começo a percorrer o quarto e a chegar cada vez mais perto. A cada centímetro que percorro, consigo sentir o calor da sua carne cada vez mais próximo (cada vez mais inebriante!) e o êxtase percorre o meu corpo. Uma mão! Uma mão levantou-se em direcção a mim na escuridão! Todos os meus sentidos entraram em alerta máximo! Ter-me-ia detectado? Estaria ciente da minha presença? Mas, fui sempre tão carinhosa ao longo de todas estas noites, tão cuidadosa na minha aproximação silente, tão suave no toque... Sempre me esforcei para o não despertar da tranquilidade dos seus sonhos. Outra mão! Este jogo começa a ficar perigoso, mas ele é meu e nunca se conseguirá livrar de mim! Duas mãos!

PAF!

«Pronto! Está feito! Há três noites que me andas a pôr os nervos em franja! Vai zumbir e chupar sangue para o diabo que te carregue! Puta da melga!»

Pensamento do dia


Wer fremde Sprachen nicht kennt, weiss nichts von seiner eigenen.


Johann Wolfgang von Goethe

21.9.07

Les grands esprits toujours se rencontrent

Então, pá, sempre cumpriste aquilo a que te propuseste hoje? O que era mesmo? Tinhas que acordar bem cedinho para ir à faculdade ver das listas e das inscrições, não era? Pois era, pá, pois era! Depois, estavas numa de ir à EDP resolver aquela questão do pagamento, se bem me recordo. Sim, falas bem! Ah! Sempre foste à Segurança Social resolver a tal dúvida e pôr tudo em pratos limpos? Pois, isso... E na farmácia, sempre te trataram da tal declaração? Epá, sabes… Conta, conta que eu quero saber como foi essa tomada de consciência que te disse «Olha lá, tu põe-te a toques, meu docinho. Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. Olha que o mundo não perdoa, passam-te a perna e és deixado para trás.» Pois, então, lá acordei cedinho para tratar de tudo, devia ser umas dez da manhã… Ena! Dez da manhã! Que madrugador! Lá fui para a faculdade ver das listas e das inscrições. Devia ser cerca da uma e picos da tarde quando lá cheguei e o departamento estava fechado para almoço. Mas lá encontrei a prof e ela disse-me que aquilo ainda estava em processo e tal… e a conversa lá avançou pr’ós vários verbos perceptivos, computadores, congressos universitários… Bem, suponho que aproveitaste a deixa para ir tratar das outras coisas. Pois, então! Foi exactamente o que pensei... E lá foste! …mas encontrei o meu melhor amigo, sabes como são estas coisas, les grands esprits toujours se rencontrent e tal, fomos almoçar lá na cantina, beber umas cervejitas, pôr a conversa em dia, dar uma olhadela pelos corredores e mancar o sangue novo que se passeia pela facultatis. O gajo até é importante, convém manter o contacto e tal. Mas, fui tratar do resto, fui! Ah, pois! Aqui o menino quando decide uma coisa, não se fica pelos ajustes! Aqui não há pão p’ra malucos! Gosto de te ouvir falar assim, pá! É isso mesmo! Motivação! Determinado e expedito! Conta lá como correu na EDP, então! Então, cheguei lá… e estava fechado. Eia, que azar, que azar! Lá terá que ficar para outro dia. E na Segurança Social? Pois, sabes como é, eles fecham cedo, de modo que… Vejo, vejo… os preguiçosos, né? Mas, suponho que na farmácia até te safaste. Afinal, nem a dois minutos fica da tua casa! Pois, isso… A directora vai ficar uma semana no estrangeiro e coiso, pelo que também não foi hoje. No estrangeiro? Essa malta não quer é mexer uma palha, é o que é! Pois! Mas, suponho que te divertiste, pelo menos… Ó, sim! E, agora, que te propões a fazer? Agora? Agora, vem aí o fim-de-semana e tu bem sabes que para mim fim-de-semana é sagrado. Nem prá frente nem pra trás! Não faço pevide. As tarefas ficam para os dias de semana! Tenho dito! É isso mesmo! Nem sabes como invejo os gajos como tu: disciplinados e cumpridores! É assim mesmo! Sabes que isto, na vida, um gajo tem que ter pulso! Pulso e garra!

18.9.07

Negócio de família


O carro cinza atravessa a estrada degradada, rasgando a tempestade e resistindo com dificuldade à força da chuva. Os limpa pára-brisas trabalham freneticamente para cá e para lá numa tentativa de manter nítido o caminho tortuoso e esburacado. Em baixo, o rio galopa veloz, alimentado pela força do vento e pela chuva que fustiga a ribanceira. É um caminho perigoso, mas não se pode dar ao luxo de ter um encontro imediato com a polícia. O coração de Ricardo explode no peito a cada metro percorrido pelo automóvel e a cada pulsação parece querer saltar para fora. O choque e a surpresa estão espelhados nos olhos e o corpo apenas conduz o carro por instinto. Toda a sua atenção está centrada na enrascada em que está metido e no seu melhor amigo, sentado a seu lado. Tem de fazer este último favor pelo amigo... pelo irmão. Se Gabriel quer desaparecer, assim seja, e Ricardo não porá em causa o motivo... nem mesmo o método. É tarde demais para isso. Só lhe resta cumprir o pedido. Mas, como?

Ricardo fora despertado nessa madrugada pelo toque do telemóvel. Do outro lado da linha, a voz de Gabriel soara seca e arrastada, como se fosse a voz de outro homem que partisse do amigo. Um único pedido fora feito: Ricardo devia ir, sem perder mais um segundo, a casa de Gabriel, dirigir-se à cave e lá encontraria o resto das instruções. A chave estava debaixo do tapete da entrada. «Se és meu amigo, vem. Em breve, compreenderás.» Depois, a chamada terminara e Ricardo ficara sentado na cama sem saber o que pensar de tudo aquilo. Gabriel era mais do que um amigo, era como um irmão. Se precisava de ajuda, se estava metido nalgum sarilho, Ricardo iria em seu auxílio imediatamente.

Arrancou a toda a velocidade para casa do amigo.

Ele conhecia bem a vida de Gabriel. O pai era um tipo importante no mundo do crime: tráfico, lavagem de dinheiro, extorsão. Tudo com um negócio de fachada impecável e à prova de bala. Um tipo polivalente com jeito para a coisa. Gabriel acabara por se envolver naquele mundo, mas nunca escondera ao amigo o desejo de sair e de ter uma vida normal com a família. Infelizmente, não fora para isso que o pai o criara. Gabriel conseguira até à altura manter a mulher na ignorância, mas não sabia até quando. Era uma questão de tempo até descobrir… não era parva nenhuma. Queria sair antes que fosse tarde.

As luzes da casa estavam apagadas e tudo parecia estar calmo. A mulher e os filhos tinham ido passar uns dias a casa da sogra de Gabriel. A casa estava lugubremente deserta. O céu coberto de nuvens negras e ameaçadoras engolia a rua mal iluminada e o silêncio apertava o peito de Ricardo. Que se passaria? Não perdeu tempo em divagações inúteis. Saiu do carro, pegou na chave de casa e entrou em passo apressado, avançando de imediato para a cave. Lá fora, algumas gotas começavam a cair e o primeiro trovão não tardou a anunciar a sua fúria. Desceu as escadas que davam para a cave e acendeu a luz. Gabriel esperava por ele. A trave do tecto mal suportava o peso do corpo suspenso por uma corda. O rosto azulado estava quase irreconhecível: os olhos vermelhos saltavam das órbitas e a boca frouxa revelava a língua pendente. Enforcado. Ricardo contemplou esta cena macabra, incrédulo, até reparar no bilhete sob os pés do cadáver do melhor amigo. A mensagem era breve. Gabriel falara abertamente com o pai. Expusera o seu desejo de deixar aquela vida e seguir o seu caminho. O pai mostrara o seu desagrado e chegara mesmo a ameaçar-lhe a família se o filho abandonasse o «negócio». O irmão mais novo avisara-o de que o pai tentaria algo contra si. Ele sabia do que o pai era capaz. Gabriel só encontrara uma maneira de salvar a família. Morrer. Esperava enganar o pai com este golpe desesperado e conservar alguma da sua honra encobrindo o suicídio. A tarefa de Ricardo era simples, mas estava longe de ser fácil: ninguém podia saber do suicídio, a sua morte devia parecer um acidente. Pelo bem da sua família. «Desculpa, não quero deixar este fardo ao meu irmão. Não sei como reagiria. Só tu podes fazê-lo.»

E, agora, o carro fura pelo temporal, estremecendo com a força do vento. A estrada revela-se a cada clarão dos relâmpagos, seguidos pelo rugido ensurdecedor do trovão. Que raio de noite para morrer! «Merda, Gabriel, de todos os dias… logo com este temporal! E agora!? O que é que queres que eu faça? Como é que vou fazer o que me pediste?» Ricardo desviou o olhar para Gabriel por um instante e o despiste foi imediato. A estrada em más condições e a fúria do temporal derrubaram o carro para a ribanceira, que caiu fora de controlo no breu da noite e em direcção à impetuosidade do rio, começando a afundar-se rapidamente.

Ricardo recuperou os sentidos apenas para constatar que o automóvel estava a ficar inundado e para antever, lívido, o pára-brisas começar a ceder com estalos lentos, rachando em vários pontos com o peso da água, até rebentar no seu rosto desesperado.

Poucos dias depois, os jornais anunciavam a recuperação de dois cadáveres presos dentro de um automóvel, no rio. Um deles era o filho de um poderoso empresário. A autópsia revelara que este já estava morto antes do acidente. Suspeitava-se do outro ocupante.

Vítima de homicídio ou de um simples acaso, Gabriel obteve a morte desejada.

…………………………………………………………………………………......

- Leu o jornal de hoje, pai?
- Li, sim. … Já sabia que aconteceria algo do género. Sempre foi um desesperado.
- Era isto o que pretendia!?
- O teu irmão estava a ficar demasiado instável. Era imperativo tomar uma medida quanto a essa situação. Esperava apenas que fugisse como o cobarde que é… era… poupou-me a maçada.
- Maçada!? Quando liguei ao Gabriel, como me pediu, esperava apenas afastá-lo de tudo isto! Pensava que era para o bem dele!
- E foi. Foi o melhor para ele… e para todos nós.
……………………………………………………………………………………
- Lembra-te, meu filho, nada nem ninguém é mais importante do que o negócio da família.

Computando, computando...



Ora bolas, onde é que eu, aqui há uns anitos, estava com a cabeça, para agora andar às voltas com synonym rings, chunkers, namespace prefixs, metadata registries, POS-taggers (part-of-speech taggers), algoritmos e o carago? Sim, afinal, onde estão as gajas nuas, a cerveja e as drogas, hã?.. Bom, olhem, com uma gripalhada dos diabos, hoje, amanhã e depois fico-me por isto, computando e computando. Até sempre.

PS- Quando der em louco de vez logo vos apresentarei o modelo de dados referenciais, bem como a sequência de combinatórias preferenciais mais adequada para um correcto diagnóstico das mazelas que estão a colocar em risco o respectivo motor de busca.

8.9.07

Pensamento da noite


- Look, just because I don't be givin' no man a foot massage don't make it right for Marsellus to throw Antwan into a glass motherfuckin' house fuckin' up the way the nigger talks. Motherfucker do that shit to me, he better paralyze my ass cuz I'll kill the motherfucker, know what I'm sayin'?

- I ain't saying it's right. But you're saying a foot massage don't mean nothing, and I'm saying it does. Now look, I've given a million ladies a million foot massages, and they all meant something. We act like they don't, but they do, and that's what's so fucking cool about them. There's a sensuous thing going on where you don't talk about it, but you know it, she knows it, fucking Marsellus knew it, and Antwan should have fucking better known better. I mean, that's his fucking wife, man. He can't be expected to have a sense of humor about that shit. You know what I'm saying?

Pulp Fiction

6.9.07

From the devil's mouth...



“The suffering of the poor is something very beautiful and the world is being very much helped by the nobility of this example of misery and suffering.”

"Madre" Teresa de Calcutá. Ler mais da e sobre a "santa" aqui.

2.9.07

Nota interna

Pois é, pá. Já falei com a (...) e ela diz que acha bem, que a coisa tem pernas para andar. E pronto, people, tá visto: não tarda muito vão passar a tratar-me por vossa doutorada excelência, eheheh...