28.9.07

O estranho caso do Luso Tagus



Sempre gostei muito de barcos. Sobretudo de barcos grandes. Gosto de os ver passar ao longe e de imaginar as paragens que já visitaram, os dramas que testemunharam, as histórias que calam para sempre no silêncios das suas esteiras, os destinos que se misturam nos portos onde atracaram.
Quando descobri o Luso Tagus apaixonei-me logo por ele. O navio estava (e continua) ancorado (encalhado é a melhor expressão) num molhe do Cais Comercial de Faro, no Algarve. Está cheio de ferrugem e votado ao abandono.
Mal o vi, fui logo buscar a câmara e à medida que o fotografava pus-me a imaginar o que teria levado o Luso Tagus àquele triste destino. Para ali encalhado, ligeiramente inclinado no seu eixo, a ganhar ferrugem e a perder o brilho da sua outrora intensa cor azul.
Que mistério se esconderia por trás do Luso Tagus? Afoito, logo me lembrei de pirataria… Depois, mais realista, ocorreu-me a hipótese de naufrágio… Só que o Luso Tagus não tinha nenhum rombo no casco, a pirataria é coisa de outros mares que não o nosso, e o barco parecia ter-se encalhado ali, sem mais, não por força da Natureza, (nenhum barco encalha num cais), mas sim por intervenção do Demo, ou seja, tinha de certeza havido mão humana no estranho caso do Luso Tagus.
Quando cheguei a casa fui logo a correr investigar a história do navio com bandeira panamiana que se chamava Luso Tagus.
As minhas expectativas não saíram frustradas. O Luso Tagus transportava tabaco de contrabando, há uns bons 15 anos, quando as autoridades detectaram a marosca e o apreenderam. Após um inquérito, o armador foi condenado a pagar uma multa para reaver o navio, só que nunca o fez e o barco por lá ficou, a ganhar ferrugem. Li tudo isso na internet, num antigo recorte de jornal scanarizado, mas a minha curiosidade não ficou saciada.
Passados uns dias voltei ao cais e, desta feita, estavam vários pescadores mesmo junto ao molhe do Luso Tagus. Fui-os abordando o melhor que um estrangeiro sabe e pode e, ao fim de algum tempo, um deles, mais expansivo, contou-me então o resto da história: após o armador se ter esquivado a pagar a choruda multa que a justiça estipulara, vários anos se foram passando no ramerame judicial, enquanto o barco perdia todo e qualquer valor comercial, à medida que as engrenagens ferrugentas da burocracia se ocupavam disso mesmo, quando, finalmente, há três ou quatro anos, a propriedade do barco reverteu, na sua totalidade, para o Estado português, o qual tratou de o vender em hasta pública.
Só que, ó miséria, apenas um sucateiro se interessou e o Luso Tagus foi arrebatado por uma ninharia de dois ou três mil contos, tendo como futuro ser esventrado, desmanchado e transformado em sucata pura e dura. No entanto, isso não sucedeu, porque o Estado foi ter com o sucateiro e lhe exigiu, não os poucos milhares de contos pelos quais este arrematara o navio, mas e ainda umas largas dezenas de milhares de contos pelo “aluguer” do espaço onde o barco estava encalhado.
E o tipo, ao dar conta da armadilha, deu os dois ou três mil contos que gastara pelo Luso Tagus por perdidos e mandou o navio dar uma larga volta ao Estado português grande.
O tempo passou, passou, e o Luso Tagos foi novamente apreendido pelas ferrugentas malhas da burocracia estatal. O pescador que me contou isto estava revoltado: “O senhor já viu, um barco novinho em folha e agora nem para sucata serve?”
Mas eu também tinha lido algures que o problema era ainda mais complexo: o problema da poluição. Dizem os activistas da protecção ambiental que o Luso Tagus, mais as suas ferrugens e as suas tintas desbotadas, aos poucos e poucos, vai poluindo as águas onde se encontra encalhado…
Sobre isso, o pescador nada sabia, a não ser que já tinha sacado daquele sítio “quilos e quilos de peixe, amigo, quilos e quilos!”… Eu por mim, não tenho muito a acrescentar, a não ser o seguinte: gosto muito do Luso Tagus. Está no Cais Comercial de Faro e tão cedo não se irá embora; por isso, amigos, quando forem ao Algarve, não se esqueçam de o visitar. O Luso Tagus, como podem verificar, não é bonito: é belo.