20.1.09

Ariel - Parte I (revisão)



Era o dia 20 de Dezembro de 2007, quatro dias para o Natal, tinham-me sido concedidas as férias pelas quais há muito insistia, o meu chefe apertara-me a mão e dissera-me, roufenho, a seco: «Lúcio, faz seis meses que está na casa, não se esqueça do que lhe digo, escute que talvez lhe venha a ser útil, na profissão de engenheiro há muito mais a esconder do que a plantar. Muito menos couves, não se esqueça disso, e aprecie as suas férias, meu caro.»

Embora não fosse a primeira vez que o chefe me falava não gostei lá muito do que dissera, havia demasiados assuntos pessoais em jogo; não me podia dar ao luxo de perder aquele posto profissional e sobretudo não queria arranjar sarilhos com o meu velhote nem, muito menos, colocar em causa o seu próprio prestígio individual junto das altas esferas, pelo que optei por replicar: «Que achou da reunião senhor director, esta história - dos aviões e da droga - pareceu-lhe a sério?..»

Acusou, como estava certo de que o faria, a estocada, e reiterou-me, como também sabia que o faria, que não era da minha conta, que apenas estava ali para informar o «ajudante do ministro», «claro», éramos tolos ou quê, não era à toa que o meu velhote me financiara férias profissionais pagas em Inglaterra (belo do velhote) a suas próprias expensas, fora para me treinar para aquele momento, ou assim o desejava pensar.

Então, o tipo da secretaria de Estado, todo ufanado da burocracia socialista que o levara ao poder, com um gesto brusco terminou a entrevista, voltou a desejar-me «uma boa quadra», saudei de maneira cortês e à inglesa saí, afinal já tinha entrado de férias, uma semana só para mim, talvez uma estirada a Castelo de Bode, talvez um bom banho de imersão e depois logo decidia.

Quando abandonei o edifício da Cidade Judiciária e me encaminhei para o R6 apercebi-me de que chovia no parque onde estacionara a viatura, uma chuvinha miúda, chuva molha tolos, o que até me convinha, não tinha pressa alguma e o meu propósito não favorecia testemunhas esdrúxulas, pelo que, contente, abri a bagageira, levantei o tapete da mesma e no espaço entre a roda sobresselente e a caixa de cd's do R6, como quem não quer a coisa e a fingir que olhava para o lado depositei os documentos e o telemóvel, desligado, satisfeito com a minha posição na ordem natural das coisas, antes de arrancar suavemente da sede do serviço até ao 23, o meu bar de eleição, a meio caminho entre a a minha casa e o rio, à procura de pito, apetecia-me cona.


Conduzia ligeiro por entre os buracos da baixa que remontavam à época pombalina e ainda que na noite anterior tivesse estacionado o R6 em contra-mão à porta do ministério
, só porque sim e porque ninguém me chateava por causa disso, pelo menos não chateavam funcionários com cartão ministeriável, assim corriam os assuntos no país, tudo uma questão de autoridade, despi a gabardina, saí do carro, tranquei a porta e quedei-me a apreciar o aroma da viatura novinha em folha, o belíssimo R6 que tinha sido um presente do meu pai pelo meu último sucesso reportado junto dos Negócios Estrangeiros (tudo mentira, embora bem orquestrada), com a ajuda dum putativo candidato a Presidente da República, deputado, poeta, conhecido do meu velhote dos anos de luta em Coimbra, um contacto, enfim, um dos otários que conhecia bem e que estivera presente na reunião em que se falara da revolta dos professores, o tema quente do dia e em que o primeiro-ministro(nunca me esquecerei) sorrira quando o meu secretário de Estado mencionara tráfico de armas, o golpe que se preparava com a ajuda dum tal de Pedro ligado aos americanos e do qual eu próprio fingia nada saber: «Quanto menos souberes, melhor para ti», esse era o meu mote e raramente dele me desviava, a não ser à noite.

A bem dizer, nada disso me dizia respeito, estava perto dum clube que me seduzia pelas mulheres do Leste e que me agradava pelos preços baixos; estacionara a minha própria viatura suficientemente longe dali para não ter de me preocupar com isso, muito menos com os documentos, coisas da secreta, o que queria mesmo era divertir-me e esquecer o Ministério duma vez.

Tranquei o R6 bem aferrolhado e decidi desligar-me duma vez da porra das preocupações do ministério, até porque dei comigo a entrar no clube saudado por um porteiro negro que conhecia de outras andanças, ainda a montar a onda, se bem que maldisposto.

Onde estaria o Hel? Tinha de ligar-lhe, era verdade, onde estaria o Hel naquele momento? Uma gaja loira aproximou-se e a beijar-me apalpou-me as partes baixas. Estava no 23, seguramente, sem margem para dúvidas.