A corrida desenfreada começara. Aos meus pés, jazia o corpo do homem, inanimado. Atrás de mim, as chamas crepitavam violentamente, consumindo a madeira velha do quarto, onde ainda há instantes estivera cativo com ela, e o fumo insinuava-se, insidioso. Observei por uma fracção de segundo o terrível espectáculo que provocara e comecei a duvidar do meu bom senso. Porém, não era o momento certo. Já estava feito. Agora, era preciso agir, sem demora, já. Agir! Em breve, dariam pelo fogo. Era imperativo encontrar um meio de fuga. Se, pelo menos, conseguisse chegar ao carro... Ok, pensa... Ariel! Tinha de a encontrar antes de fugir. Não podia abandoná-la à sua sorte. Resoluto, comecei a avançar, em passo rápido, por um corredor ladeado por várias portas, sempre atento ao som de vozes ou ao ruído de passos. Não se avistava vivalma. Segurando a coronha da arma com uma força esmagadora, como se esta pudesse, muito simplesmente, fugir, avancei mais uns passos, rompendo o silêncio, e dei com as escadas. Com o coração a agredir-me o peito num ritmo frenético, descompassado, desci os degraus um a um, muito devagar, um… dois… três… sempre os meus passo seguidos pelo típico ranger de madeira velha da casa. Sem dúvida, seria apenas um instante até o fogo reclamar para si a habitação e pôr todos a fugir. Acelerei o passo. Já no rés-do-chão da vivenda, ouvi, vindas de uma porta, à direita, vozes de homem conversando animadamente e rindo. Só podiam ser os outros gorilas, ainda inconscientes do fogo que se alastrava, inexorável, pela casa. À minha frente, o hall de entrada e a porta principal. A saída! Dei um passo em frente, parei, voltei a avançar para a porta, coloquei a mão na maçaneta e estaquei; contive-me e reprimi a minha cobardia. Se fugisse sem sequer procurar por Ariel... Não era nenhum herói, mas... À minha esquerda, havia um corredor, não muito longo, que terminava numa esquina. Lá de cima, da janela do quarto, conseguira ver um pátio de pedra, as traseiras da casa. Este corredor só podia ir lá dar e parecia ser a única parte da casa que faltava investigar. Avancei pelo corredor, na esperança de, no fim, encontrar Ariel, mas detive-me antes de dobrar a esquina, imobilizado pelo som de violentos gritos aterradores e gemidos de dor. «Fala puta, fala! Onde está o porco do Lúcio? Quem é este pirralho com quem te caçámos? Como te chamas, vaca? Fala, despeja tudo antes que dê cabo de ti!» Arrisquei-me a colocar a cabeça de fora. A poucos passos de distância, o sujeito mal-encarado, a quem Ariel chamara Pedro, acabara de transpor a porta das traseiras, que dava para o pátio de pedra, e estava de novo no interior; suava em bica e respirava ofegante, os olhos cintilando num misto de ódio e prazer. A seu lado, encostada à ombreira da porta, de braços cruzados, uma mulher loira observava o triste espectáculo. Reconheci-a! Era a loira com ar aputalhado que se fizera ao Lúcio, no 23, ainda esta noite, que parecia ter já sido há uma eternidade, talvez mais. As coincidências seguiam-se umas às outras. Se estas duas se tinham aproximado de mim e do Lúcio, tal não era apenas pelos nossos lindos olhos e charme pessoal. Era óbvio que queriam algo que eu ou o Lúcio tínhamos. Mas, o quê? Talvez alguma informação? Mas, de novo, o que poderia ser? Eu não passava de um estudantezeco universitário e o Lúcio, apesar do emprego que tinha e das informações com que lidava, bem, esse sempre me dissera que quanto menos soubesse, melhor para ele. Meti ordem no meu raciocínio e abri os ouvidos. Estavam a conversar (o que é um eufemismo). As suas vozes alteradas ressoavam pelo corredor. Só o meu coração e respiração frenéticos se faziam ouvir, ao ponto de temer que isso me denunciasse.
- Mataste-a? – perguntou a loira, estarrecida. - Nem descobriste quem a enviou.
- Hmph! – rosnou Pedro. – Não falou, a puta. – Galgou a entrada num passo e desferiu outro violento pontapé. Voltou a entrar.
- Como planeias recuperar o microfilme? Não a devias ter matado! Devias ter-te controlado e…
Nesse momento, a mão de Pedro rasgou o ar e os seus dedos grossos fecharam-se em torno do pescoço da mulher, apertando lenta, mas implacavelmente, silenciando a interlocutora cujos olhos medrosos e implorantes o encaravam, aterrorizados...
- Mataste-a? – perguntou a loira, estarrecida. - Nem descobriste quem a enviou.
- Hmph! – rosnou Pedro. – Não falou, a puta. – Galgou a entrada num passo e desferiu outro violento pontapé. Voltou a entrar.
- Como planeias recuperar o microfilme? Não a devias ter matado! Devias ter-te controlado e…
Nesse momento, a mão de Pedro rasgou o ar e os seus dedos grossos fecharam-se em torno do pescoço da mulher, apertando lenta, mas implacavelmente, silenciando a interlocutora cujos olhos medrosos e implorantes o encaravam, aterrorizados...
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