31.8.08

Prosa licenciosa*



«There only two ways to pipe down a particularly talkative gal and make her appreciate life at its best; the first is to punch her nose straight out no questions asked and quietly walk away; the second is to force fuck her into a trance of orgasmatic complacency and benign silence.»


*Licenciosa de discurso directo sem leito nem preito e de licença poética à la Bocage transplantada a partir da veia de um canto esfumaçado de Wattford na Primavera,de lílases, rosas, margaridas, flores, que era o que a minha avô dizia sempre que a fala, vamos falar de flores, a conversa das pessoas, dos seus íntimos, vamos falar de flores, não lhe agradava.

Sem pedir licença, esta mulher antepassada primeva de poucas palavras curtas e de meigas mãos frias acudia a falar de flores, instava a que se falasse de flores, pedia licença para que se falasse de flores. Gritava sem peio que se tinha de falar de flores!

A sua prosa, a sua maneira de falar sobre flores, isto era mesmo assim, lograva - por vezes - raiar o mais licencioso dos costumes que à época se pudessem considerar virtuosos, nobres, românticos ou meramente desagradáveis.

Coisas, achaques dizia o avô, desenvolvidos a partir da leitura de Júlio Dinis, na cama com Camilo, uns pózinhos de João da Ega escarninho nos lábios rouje à mistura na sesta da tarde com o sentido do gracioso que encontrava nos assuntos dos homens - do seu homem - que a tentavam.


23.8.08

Prosa bárbara*



«I learned that it is the weak who are cruel, and that gentleness is to be expected only from the strong.»


* Bárbara de Babi, uma tipa que me levou ao céu e ao inferno e que tive de deixar antes que me matasse. Para lhe chegarem aos calcanhares têm muito caminho para andar, muitas coisas para pensar e carradas de pessoas para conhecer. Não me diz respeito, nada tenho a ver com isso e pela primeira vez na minha vida não me importo. Não é da minha conta, tenho um cheque a receber, estou belo como nunca e sou inteligente até quando mudo o filtro do óleo aos pulmões. Quanto mais ao resto, tudo se resolverá, como diria um amigo. Não papo grupos, não curto de insultos e de crianças está o planeta repleto.

Pensamento da tarde



«They tell us that suicide is the greatest piece of cowardice... That suicide is wrong; when it is quite obvious that there is nothing in the world to which every man has a more unassailable title than to his own life and person.»

Schopenhauer, vertido do alemão para o inglês por tradutor desconhecido.

Pais e filhos



«(...) O nosso relacionamento era bom, se bem que moldado por um certo acanhamento; por vezes tinha a sensação de que ele me lia os mais íntimos pensamentos, que me prescrutava sem ter de me fazer perguntas. Na altura em que ele ainda era vivo pensava ser muito diferente dele, embora me agradassem, talvez em demasia, as mulheres com quem se passeava. Acho que, nesse particular mundano, tínhamos gostos muito semelhantes. Cheguei mesmo a sentir um vago ciúme da maneira pela qual as minhas amigas o olhavam e falavam dele.

Médico, trabalhava muito, tinha-se especializado em psiquiatria na Inglaterra e, aparentemente, gostava da profissão, embora com ela ganhasse imenso dinheiro, coisa que era contrária aos seus princípios marxistas. Austero, não era dado a falas brejeiras mas, quando dizia algo, as suas palavras faziam sentido e elucidavam qualquer conversa.

Gostava de tratar doentes com depressões. Estava convecido de que a grande maioria destas tinha na sua génese repressões sexuais (foi por intermédio dele que me interessei por William Reich), associadas, dizia, a carências afectivas que remontavam ao ventre materno.

Quando a minha mãe morreu começou a ter mais namoros e a passar fins-de-semana fora com maior frequência, tendo aparecido um dia em casa com uma mulher bela que parecia muito interessada por ele. Mas, talvez por causa da consciência que tinha da loucura, não parecia levá-la a sério, o que a mim me perturbava muito.

Afinal, contrariamente ao que vagamente se chegou a recear no círculo mais fechado da família, de morrer com um problema cardíaco, veio súbita e estupidamente a falecer num acidente de automóvel, quando ia para clínica, como sempre fizera todos os dias, numa estrada que conhecia de olhos fechados, ao derrapar numa mancha de óleo e embater num camião de 10 toneladas. (...)»

A partir de um rascunho deitado fora por José Dias Ferro, homem de quem me orgulho de ser filho.


22.8.08

Talvez... Chocolate?



Tenho andado ocupado a reflectir nos últimos dias (sim, ao fim de trinta e tal anos de vida parece-me que já não era sem tempo). Não tenho chegado a grandes conclusões, também é um facto, mas pelo menos tenho ganho em paz de espírito e em certezas. Uma delas é a de que quanto mais leio menos gosto de escrever e de que quanto mais escrevo menos gosto de ler. Não respeito o díptico que eu próprio recomendei vezes sem fim aos jovens que, nos últimos anos, me pediram para ler os seus escritos: «Lê, lê, lê; escreve, escreve, escreve.»

Alturas houve em que a percepção da minha própria incapacidade de passar a escrito ideias, sentimentos, acções, sincronias, personagens, dramas, vontades e paixões me desalentou e me deprimiu. Inconstante e preguiçoso em tudo o que faço, cheguei a atribuir a esses pecadilhos a minha crónica falta de talento.

Para além disso, apoquentava-me ainda uma noção difusa de que tudo o que haveria para ser dito, ou neste caso escrito, já teria sido passado a papel impresso milhares de vezes no passado e de formas muito mais impressionantes do que aquelas que alguma vez pudesse conceber; por muito que lutasse contra os meus crónicos defeitos da falta de perseverança, do egotismo que sempre me corroeu e, claro está, da minha preguiça genética.

Hoje, no entanto, e já que para algum motivo o Criador me dotou de juízo, julgo saber um pouco mais sobre essas matérias, por triviais que possam aparentar ser.

É certo que o meu sonho de juventude, quando a leitura de Álvaro de Campos me galvanizava na busca de palavras temperadas a aço e a de Camuss as corrompia enternecidas a passo de amante desregrado, e a de Kafka as deixava perplexas num quarto sombrio de noite escaravelhado, ao mesmo tempo que a de Tolstoi as avassalava numa grandeza de cenários tão presentes quanto irrealmente actuais, e a de Dostoievsky as dilacerava com o recurso a um machado linguístico de remorsos escondidos numa pensão bafienta a saber a alho, urina e sangue, algures numa Rússia que sem ter conhecido encontrei depois vezes sem conta, nas obras que iam dar a lado algum na margem sul do Tejo (pele queimada, bolhas nas mãos), na venda de seguros de vida aos ricos que deles não precisavam mas gostavam de comprar porque é isso que os ricos fazem, na divulgação agressiva de medicamentos que a ninguém importavam a não ser aos accionistas leitores do Finantial Times, essa vida, esses livros, esse sonho - é verdade -, esse jamais será cumprido: nunca serei um escritor na verdadeira acepção da palavra; nunca serei alguém que escreve algo que altera radicalmente o entendimento das pessoas, de tão brilhante, de tão ofuscante, apaixonante, exaltante, visceral, repugnante ou - em suma - imoderado que seja.

Isso, contudo, se em outras épocas me deixaria desalentado, hoje encaro-o com a tranquilidade dos olhos que tanto ou nada viram e das mãos que quase nada escreveram numa luta pela paz, pela lucidez, pela compreensão, luta interior do indivíduo só confrontado desde cedo com a sua mortalidade e que já se vai prolongando há algumas décadas. Olarila.

Sei perfeitamente que estou em conflito. Se o não estivesse, não escreveria. Escrever é um estado emotivo de insatisfação e uma necessidade de fugir ao vazio; de certo modo, escrever é uma doença, até porque escrever é uma das mais solitárias ocupações que existem: o que dizer, como dizê-lo, como olhar para o papel, para o monitor, para o espaço, como saber se o que se disse é acertado ou, pelo contrário, embaraçoso, terrível, asqueroso?

Quem escreve, não nos iludamos, escreve só, é ele próprio, ou ela, nestes tempos politicamente correctos em que as palavras escritas (ou a banda desenhada, ou os cartoons como dizem os súbditos duma dada religião) insultam mais do que um murro nos cornos, bem aplicado, a fazer saltar dois ou três dentes, ele ou ela própria, sozinha, sozinho, absolutamente só, só com os objectos, com as as ferramentas que são as palavras, as ideias, os sentimentos, os truques do ritmo, da sintaxe, da gramática, da pontuação, dos piques e dos clímaxes, dos dramas, das liberdades, da morte, da vida e... Sim, do medo.
Porque quem escreve, lógico, não escreve no vácuo. Escrever é dizer algo ao outro, às pessoas, que estavam tranquilamente em suas casas e se lembraram: deixa lá ler o que este sujeito tem para dizer: vivo no séc. XXI mas sou moderno, gosto muito de ler e ainda mais de levar um clássico debaixo do braço para o trabalho.

Pois, escrever não é nada fácil, alcançar a excelência in media res escrita, muito menos. O díptico que mencionei há uns parágrafos atrás, ajuda, embora também frustre: comparar os nossos míseros esforços com o labor de gigantes arrasa, destrói veleidades e faz de nós anões, mas não devemos afogar-nos na mágoa, assobiar para o lado, ter uma vida burguesa e habituarmo-nos à nossa mesquinhez.

Bem pelo contrário. Ler, ler, ler; escrever, escrever, escrever, para este tipo de pessoa que acabo de descrever, não é uma receita: é um prazer.

E bem, a noite vai curta, faltam-me as musas. Tenho que as ir procurar, não é? Antes de ir, digam-me lá, aceitam um chocolatinho?

17.8.08

Mosquitos por cordas



Paris-Texas



Quinta do Mocho, arredores de Lisboa, Portugal, madrugada de 17 de Agosto de 2008. Um grupo de rapazes pretos invade uma habitação pela força, encurrala um outro jovem negro na cozinha da mesma e abate-o a sangue frio. Calhei de passar pela zona esta madrugada, andava perdido à procura de qualquer coisa de que já não recordo, talvez fosse de uma voz que amo. Não encontrei nada, apenas ouvi tiros.

Posts. Um atrás e dois à frente.

Good evening

15.8.08

Pensamento da noite



Quanto mais velho fico, menos me importo com o que possam pensar sobre mim. A excepção a isto são não só as gajas que ainda não comi mas sobretudo as pessoas de quem gosto.


11.8.08

Avante, para Tiblissi!

Num contra-ataque relâmpago - após ataques georgianos na Ossétia do Sul há menos de uma semana - tropas russas encontram-se, de acordo com os últimos relatos (18h00 de 11/08/2008, hora de Portugal), a uns escassos 60 quilómetros de Tiblissi, capital da república caucasiana da Geórgia, onde também se localiza o porto de Batumi, na margem oriental do Mar Negro, autêntica porta de saída de todo o petróleo do Cáucaso para a Europa. A maior parte dos analistas que escutei e li em diversos meios de informação durante o dia parecem convencidos de que o Kremlin não se atreverá a ocupar o país, instalar bases militares e um governo fantoche. Pode ser que se enganem.

5.8.08

Rubras cabrão, eram rubras.



A pedra que me matou era vermelha. Chamava-se António Romeu Caravau Pintado, mas os amigos tratavam-no por «calhau». Foi o meu primeiro amor. Não me deixou saudades após ter abandonado o meu corpo, os meus dedos a minha mente e a minha vida.

Assim se giza um momento de virtude. Singelo embora perene, admissivelmente, como todos os momentos virtuosos que se gizam numa noite desbocada.

De que ris? Achais piada às minhas palavras? Nem por isso? Mais ou menos? Não passam de palavras mijadas contra o vento, seus sacanas.

Enquanto isso, reparem que não deixa de ter graça marcar presença num funeral como este, a morte de um amigo, de um parente próximo; de um amante.

Sobranceiro, na sabedoria de anos e anos de exéquias, cumprimentos à família, beijos no rosto do falecido e ternuras que se fazem calor num copo de água negra. Num copo de água negra.

Sobranceiro.

Digno, em suma, de um talento que jamais descansa, um pouco como o azul que vibra no céu do sol de uma cidade que está sempre de pé e cheia de pica; nem mais, nem menos, para trás, para a frente, na montra esquiva de um oceano escondido além do Tejo e prestes a mergulhar-se num banho de Cova da Moura, de Marquês, de Saldanha, de Alameda, de Jardim da Parada de Intendente de Governo Civil ou será antes de Senhora da Hora?

Hã?

Boa noite Lisboa.

Esta vai daqui directa ao coração da noite que te embala as ondas e as cebolas e as gaivotas e o dom pedro e o sol do mar na cara rosada e o Rossio e os homens pretos que te povoam nesse regaço negro a que chamas elefante branco - por vezes.

Ou, talvez que não, afinal o que é o coração da noite para te embalar assim tão frouxo, descaído, torpe até?

São os táxis da praça da República, os vadios de Chelas ou os embaraços do Cais do Sodré misturados com a ralé de Santos?

O teu coração da noite?

O teu coração?

Um músculo que entorpece cada vez que o exercitas a toque de cigarra?

Megera.

...

A vida é assim, 155 euros e ainda a fugir para a frente.

Diabo de sorte complexa. Tantas coisas para.


Estou revoltada convosco, todos vós e os vossos ridículos pronunciamentos, juras, negócios e barlaventos.

Amor. Amizade. Dinheiro. Cortinados. Filhos.

Enojais-me.

A noite é bela e todas as pessoas que correm para a frente nada sabem do amor, mesmo que não acreditem nisso.

É o momento de te declarar o meu só que não chego para tanto: sou incompleta e fugaz; faço parapente na maresia dos teus cabelos, encalho no porte dos teus gestos subtis, tenho medo dos rochedos que acarretas nas mãos e, ao invés de dizer que te amo, prefiro deixar estar tudo na mesma. Eu sou assim, lindo.

Ouve isto, por estranho que possa soar, lembra-me de ti.




4.8.08

Pedras negras



Sex pistols digressed in P a couple o' days ago. Not in "Vilar de Mouras" as reported, but really in «Walls of Leather». Media turns the other chick and ignores de devil.

Com um sorriso prazenteiro nos lábios e o meu amor nos dedos