5.8.08

Rubras cabrão, eram rubras.



A pedra que me matou era vermelha. Chamava-se António Romeu Caravau Pintado, mas os amigos tratavam-no por «calhau». Foi o meu primeiro amor. Não me deixou saudades após ter abandonado o meu corpo, os meus dedos a minha mente e a minha vida.

Assim se giza um momento de virtude. Singelo embora perene, admissivelmente, como todos os momentos virtuosos que se gizam numa noite desbocada.

De que ris? Achais piada às minhas palavras? Nem por isso? Mais ou menos? Não passam de palavras mijadas contra o vento, seus sacanas.

Enquanto isso, reparem que não deixa de ter graça marcar presença num funeral como este, a morte de um amigo, de um parente próximo; de um amante.

Sobranceiro, na sabedoria de anos e anos de exéquias, cumprimentos à família, beijos no rosto do falecido e ternuras que se fazem calor num copo de água negra. Num copo de água negra.

Sobranceiro.

Digno, em suma, de um talento que jamais descansa, um pouco como o azul que vibra no céu do sol de uma cidade que está sempre de pé e cheia de pica; nem mais, nem menos, para trás, para a frente, na montra esquiva de um oceano escondido além do Tejo e prestes a mergulhar-se num banho de Cova da Moura, de Marquês, de Saldanha, de Alameda, de Jardim da Parada de Intendente de Governo Civil ou será antes de Senhora da Hora?

Hã?

Boa noite Lisboa.

Esta vai daqui directa ao coração da noite que te embala as ondas e as cebolas e as gaivotas e o dom pedro e o sol do mar na cara rosada e o Rossio e os homens pretos que te povoam nesse regaço negro a que chamas elefante branco - por vezes.

Ou, talvez que não, afinal o que é o coração da noite para te embalar assim tão frouxo, descaído, torpe até?

São os táxis da praça da República, os vadios de Chelas ou os embaraços do Cais do Sodré misturados com a ralé de Santos?

O teu coração da noite?

O teu coração?

Um músculo que entorpece cada vez que o exercitas a toque de cigarra?

Megera.

...

A vida é assim, 155 euros e ainda a fugir para a frente.

Diabo de sorte complexa. Tantas coisas para.


Estou revoltada convosco, todos vós e os vossos ridículos pronunciamentos, juras, negócios e barlaventos.

Amor. Amizade. Dinheiro. Cortinados. Filhos.

Enojais-me.

A noite é bela e todas as pessoas que correm para a frente nada sabem do amor, mesmo que não acreditem nisso.

É o momento de te declarar o meu só que não chego para tanto: sou incompleta e fugaz; faço parapente na maresia dos teus cabelos, encalho no porte dos teus gestos subtis, tenho medo dos rochedos que acarretas nas mãos e, ao invés de dizer que te amo, prefiro deixar estar tudo na mesma. Eu sou assim, lindo.

Ouve isto, por estranho que possa soar, lembra-me de ti.