13.7.07

Tintin, o mundo e os filhos da puta



Comecei a ler Banda Desenhada muito jovem. Por volta dos 12, 13, já tinha lido o Astérix, o Tintim, o Lucky Luke e o Blake and Mortimer, entre tantos outros. Essa paixão pela BD sobreviveu à maturidade de outras leituras e a BD continua a ser para mim um género gráfico-literário da maior importância. Aprendi mais no Astérix (no antigo, não na merda que vem depois da morte do Goscinny) acerca da sociedade e dos costumes e da hipocrisia, do que em qualquer outra obra literária. Corto Maltese, por seu turno, ensinou-me a poesia, ensinou-me a aventura, ensinou-me o valor da amizade e transmitiu-me plenitude emocional. Ao Pato Donald e à Margarida fui buscar muitas noções sobre o amor; ao Tio Patinhas e aos sobrinhos, outras tantas sobre a família; Mortimer ensinou-me a importância do espírito crítico e Blake o fair-play dos genuínos cavalheiros.

Aqui há uns anos atrás, uns cabrões quaisquer tiraram a Lucky Luke o seu cigarro e colocaram-lhe uma palhinha à hillbilly atrasado mental na boca. Chateou-me, mas o Luke nunca foi um dos meus heróis favoritos. Agora, leio aqui, e confirmo aqui, que querem banir o álbum de Tintim, intitulado: “Tintim no Congo”. O argumento é quase o mesmo que usaram para “desfumigar” Lucky Luke; dizem que este álbum de Tintim oferece um retrato “racista” dos negros com os quais o herói interage.

Eu sempre tive amigos pretos ao longo da vida. Até cheguei a levar nos cornos por causa disso (há sempre alguém que não goste de pretos e muito menos de brancos que se dão com estes últimos). O álbum “Tintim no Congo” li-o pela primeira vez teria dez anos e é, ainda hoje, um dos que mais aprecio.

Mas não devia, aparentemente, pessoas como eu, são racistas. Da mesma maneira, não deveria gostar de Herman Melville nem do seu fabuloso Moby Dick, claro está, porque se trata de um livro que atenta contra os sacrossantos princípios ecológicos da nossa época politicamente correcta. De Rudyard Kipling, então, nem falar: como gostar de ler Kim, um livro em que os indianos surgem como um bando de analfabrutos exóticos?

Pois claro, não devia gostar, mas gosto, e muito. Isto que vos digo até pode parecer-vos de somenos importância. Mas estou em crer que não. Onde é que isto irá parar, onde? O mais irónico desta porra é que, regra geral, estes “censores” da Cultura Ocidental são os primeiros a virem dizer que, em nome da especificidade cultural, a mutilação genital feminina, o uso do hijab nas escolas, os casamentos arranjados etc, são para ser respeitados. Pois é. Onde é que esta porra irá parar? Sinceramente, não sei. Vou mas é ter com o meu amigo Corto. Talvez ele me saiba dar uma solução apropriada para mais esta filha da putice com requintes de malvadez.