21.12.06
Epitáfio duma paixão impossível
Queres os meus olhos e não sei como tos dar. Queres ver-te por eles e eles não te sabem ver. Queres que suba até ti e não te sei escalar.
Na minha imperfeição só a mim me vejo, só a mim me penso e nunca te sei a ti. Não te posso dar os meus olhos porque eles não te dirão nada de ti, apenas e só te contarão sobre mim. Como sou egoísta. Serei eu assim tão como todos os outros te são para ti?
Embriagas-me os pensamentos, toldas-me o discernimento e sinto-me um sapo ansiando pelo beijo de uma princesa encantada. Misteriosa, subtil, poderosa, mágica. Sim um sapo, nada mais do que um reles batráquio uivando à lua o desespero de uma paixão impossível. Todas as noites um corvo sobrevoando a janela que dá para o teu leito, espiando-te, espiando furtivamente os teus gestos, as tuas mudanças de humor, os teus desejos, os teus anseios e…. Os teus medos também.
E sou ainda e tão só o sapo que sou e que não percebe que jamais me beijarás. Como podias tu beijar um batráquio viscoso que até quando deseja que o beijes não é em ti que pensa mas ainda e sempre só em si? Não, não podias nem podes. Como me sinto (ainda e sempre eu e eu e mais eu) como me sinto mirrar, amarelecer, angustiar-me com o teu desdém, com o carinho, com o afago caprichoso do teu desdém soberano que me leva a ajoelhar-me perante ti e a adorar-te com o fanatismo duma intemporal devoção sobre-humana.
Queres os meus olhos. Tens uma faca? Estripa-os e leva-os contigo.
…………
Porque me escolheste? Foi ódio? Que mal te fiz eu? Sim, porque me odeias tanto, que mal te fiz eu? Eu que me escondo na minha toca, eu que só quando a noite foge e a madrugada se ergue na neblina me atrevo a sair do covil e ir a mirar o teu palácio dos sonhos, ainda uma e outra vez possuído pelo demónio do desejo que me arrasta as patas para a frente, estas patas esquálidas, esse demónio que me come vivo, que me leva ao inferno e de volta ao paraíso quando o sol se ergue e tu sais para vida e eu tenho de voltar para a morte sem ao menos me poder saciar na contemplação da beleza que irradias.
Tens-me. Sou teu. Sim, já sou teu. Faz-me o que for capricho teu fazer-me. Destrói-me, lava-me, suja-me, deita-me fora, eu, sim eu, eu outra vez eu, eu quero morrer em ti, quero mergulhar em ti, quero ser usado por ti, manipulado por ti, quero que me faças mal, quero que me destruas, quero morrer em ti. Morrer em ti.
Que esperas ainda? Mata-me! Mata-me já te disse, ordeno-te que mates! Que me trucides! Mata-me!..
Quem julgas tu que és? Vens aqui e suavemente rasgas-me tudo o que tenho de mais sagrado, roubas-me a alma e a vontade e agora partes assim, sem ao menos me perfurares as órbitas e me levares em sangue estes olhos que já tanto viram e que um dia jurei um dia não dar a ninguém?
Quem julgas tu que és? Quem julgas tu que sou? O teu sapo? Não, eu não sou um sapo, sou um animal nobre, um animal que vagueia solitário pelas fragas das serras evitando a companhia dos homens e deleitando-se no frio das rochas de granito que me acariciam as pegadas silenciosas.
Não me vires as costas, não me vires as costas que ainda não te terminei, ainda não te disse tudo o que te vi e que nunca te direi senão na hora em que me tiveres morto. Vem cá, vem cá sem te demorares, vem cá, vem cá…
Mata-me.
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