20.12.06
A vingança
Faz um mês que todos os sábados à noite me bato ao Bar da Cristina. Vou lá desde que tinha 16 anos e o Olívio achou por bem representar-me uma noite, vá, digamos: “normal”.
Na realidade já não punha os pés no Bar da Cristina há uns bons cinco anos mas, ultimamente, como tenho estado a viver numa casa que os meus pais me emprestaram, deu-me para revisitar o passado. Estou retrospectivo, se quiserem.
Da primeira vez que entrei no Bar da Cristina, apesar da tenra idade, ia preparado para tudo, já que com o Olívio nunca se sabe o que é uma noite “normal”. Mas, dessa vez, até que o foi.
Bom, este texto não diz respeito ao Olívio. Até porque depois disso já lá fui sozinho e acompanhado. Recomeçando, faz um mês todas as noites de Sábado que vou ao Bar da Cristina e esta prosa pouco ou nada tem a ver com o Olívio.
Diz respeito a mim e a mais algumas pessoas e em último lugar diz respeito ao Olívio.
Ou melhor, diz ainda uma coisa de nada respeito ao Bar da Cristina, visto que em vinte anos não me recordo de alguma vez ter estado na presença da Cristina, num outro sítio que não fosse o bar dela. Nem quando era puto. Nem quando eu era, nem ele, que sempre foi um menino muito precoce.
Acabo de chegar a casa vindo de lá e tão impressionado cheguei que não resisti em dar-vos conta das emoções que me avassalam. Uma coisa correu bem: vá lá, desta feita, o Olívio ficou em casa e não se lembrou de aparecer de surpresa. Estive no Bar da Cristina uns 10, 15 minutos. Tá tão gostosa... Mais do que nunca. Mas, como para todos os efeitos nada tenho a ver com isso, espero que nem o Olívio nem mais ninguém se lembre de ir armar merda à conta dos dois beijinhos que trocámos.
Foram 10, 15 minutos, o que deu tempo suficiente para estacionar mal o carro à porta, assim como quem descuidadamente se faz anunciar, beber uma cerveja e botar na Cristina uma palavra adocicada em tom de sofrimento inapaziguável.
Por falar nisso, não deixa de ser curioso como o meio de locução (ou será de locumução?) de um homem contribui para nos sentirmos seguros e ousados. É só um parêntisis, acho que o Freud disse algo sobre a matéria. Pouco interessa.
Já é a terceira noite de Sábado consecutiva que vou ao Bar da Cristina. Estou a gostar de lá ir, aquilo está meio para o vazio e a espaços sou só eu e ela, cada um na sua, a fingir que não há electricidade no ar, palhas não palhas um roçanço.
A Cristina é atraente e já tenho reflectido acerca disso desde que tinha 16 anos, quando a vi pela primeira vez, tinha ela 20 e o Olívio, idem aspas, aspas, muito embora seja um tipo cuja idade não se define. É gira, a miúda. Era gira e continua a ser muito embora seja desconfiada como o raio.
Ou será que isto são os copos falar? Hoje demorei-me um pouco mais por lá e como já tinha bebido umas quantas antes, não sei se às tantas não estarei a fazer juízos de valor sobre a pessoa da Cristina. Lá que é boa como o milho é. Baixinha, toda curvilínia, um rosto de determinação e desconfiança permanente, é aquele tipo de mulher que dá mesmo vontade de... Se é que me faço entender.
Pouco mais sei, vicissitudes da vida, já a gramo há muitos anos, mas nunca se proporcionou. No próximo sábado canta. E o Olívio, que já sabe da música de cor e salteado, preferiu ocultar-me tal temática, tão ou tão pouco espinhosa para o prosseguimento das nossas amigáveis relações. De facto, nunca se pode confiar no Olívio.
Não deixa de ser realmente uma foda ela namorar com um antigo patrão meu, namoro sério, um tal de João do Vasilhame, do tempo em que o ajudava a vender lotes de terreno aos avos. É chato, visto tratar-se de um gajo bacano, conhecido na praça, respeitado no município e para lá das suas fronteiras. Para além disso é um homem de dinheiro, socialmente regenerado, proprietário de terras, detentor de negócios no estrangeiro, em suma: é um tipo com Poder. Realmente, é chato.
Diga-se, em abono da verdade, O João do Vasilhame (claro que não é assim que a ele se referem quando está presente) até belas mocas um dia me representou; entre outras uma menage à cinque. É que esse meu antigo patrão tem uma filosofia que justifica o seu sucesso: a razão é a de ele estar firmemente convencido de que para embrulhar a malta não há nada como LMR; tradução: Louras, Morenas e Ruivas.
Mas a Cristina sabe que eu a acho gira e eu sei que ela também me acha giro. Foda-se. O cabrão do meu antigo patrão sempre teve bom gosto. Isso corta uma beca a tesão mas se quando uma mulher agrada ao Olívio e ele lhe agrada a ela o meu amigo esquece logo merdas insignificantes dessas e toma as rédeas da coisa sem grandes preocupações, porque razão não o devo fazer também? É, a Cristina canta no Sábado, e a ver vamos que músicas tem para me cantar...
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