Rolei uns 10 minutos, passei por duas rotundas onde virei sempre à esquerda e dei por mim a 130 quilómetros horários numa estrada secundária em direcção ao Guincho. Para o Guincho, sabia que o Hel sempre levava as suas conquistas para o Guincho. A recta era longa e, se bem que um pouco perigosa, de certo modo convidava a reflectir.
Ao canto esquerdo da minha visão periférica o Palácio da Pena proporcionava-me coordenadas conflituantes; abri a janela, cheirei o ar e senti um vago aroma a maresia, é curioso como o regresso duma esmagadora bebedeira me aguçava temporariamente os sentidos, todo eu estava alerta e pisei mais no acelerador, sem saber muito bem ao que ia, pois do Hel e da ruiva nem sombra.
Na curva, ao fim da recta, no último segundo, travei e a desacelerar meti por um caminho de terra batida, chamem-lhe instinto, mesmo a tempo de não dar de frente de carro com eles. Lá à frente, lá à frente estava o meu carro, o R6 amolgado na porta de trás estacionado na berma da curva da estrada de asfalto que abandonara mesmo a tempo.
Congratulei-me ao ralenti e deixei-me deslizar, na certa estavam os dois na marmelada, sorri, desliguei as luzes, agachei-me, sem perder todavia o campo de visão por completo. A verdade é que ainda guiava e com os olhos no retrovisor estacionei cinquenta metros mais ao lado, na perpendicular, à sombra dum muro que ladeava um terreno baldio e onde não batia a Lua, sorte minha.
Olhei para esquerda, completamente seguro e enfático da minha resolução, vi as luzes do R6 e vi uns quantos vultos na semi-penumbra com que a Lua os banhava. Dois, quatro vultos?.. Fechei e abri os olhos a confirmar se não fora vítima de um pós-choque alcoólico, coisa que se tinha vindo a tornar mais frequente nos últimos tempos, embora o escondesse de mim próprio, mas não, eram mesmo quatro vultos e atirei-me ao chão, a névoa da madrugada cheirava a esturro, o meu sentido aranha não enganava, nunca me tinha enganado e, rastejando, fui-me aproximando-me deles, que se lixassem as calças e os sapatos novos, se na pior das hipóteses fosse um bacanal, se fosse um bacanal, sacudi lama da mão, é verdade, estaquei, um bacanal, não era um bacanal, não de certeza, sacudi lama das pestanas e quase disse em voz alta: Onde está a Loira?
Acalmei-me, julguei o meu estado geral promissor, entre bebedeiras e cheio de lama a espiar um bacanal em que entrava o Hel, gargolojei e, discreto, deixei-me ficar, a ver.
A loira. A gaja do clube 23 onde combinara encontrar-me com o Hel na noite anterior, just a night out to kill time and drink with whores, assim lhe tinha asseverado A loiraque nos seguira no seu Wolksvagen Miura, sim, recordava, eu tinha-lhe dado a bisca para fazer isso, a gaja tinha-me dado os sinais, mesmo depois de termos engatado a ruiva, e ela seguira-nos, Telma, chamava-se Telma. Chegara antes do Hel ao 23. Bem boa. Loira mas falsa. Uma falsa loira.
Lembrava-me de a ter encontrado quando fora vomitar à romana e fumar à budista, já nem me lembrava dela, enquanto rastejava todo sujo de lama, de a reencontrar, essa é que era a palavra, logo após chegarmos a casa do Hel, de dar com ela à entrada da quinta, os dois limpinhos, embora eu estivesse embriagado, de conduzi-la a um anexo, de rodar a maçaneta da porta e de deitá-la numa cama. Agora ali estava eu, a rastejar outra vez, mas desta talvez que fosse por uma boa causa.
Em definitivo, não era a loira ali em frente, abri os olhos, era o Hel e a ruiva e dois tipos grandes, amacacados. A Lua brilhou na pêra imberbe do Hel e então vi a pistola na mão do gorila. O outro símio, entretanto, calcava a ruiva para dentro do porta-bagagem.
Hum... Muito estranho mesmo. De repente, chicoteando o ar, a coronha da pistola abateu-se sobre a nuca do Hel e ele caiu dobrado como se fosse ravioli para dentro da bagageira.
Um raio de luz fez-me reconhecer um dos tipos. Não me lembrava de onde mas também não estava nem aí, rastejei de volta, vomitei o bagaço que me restava e alcandorei-me para dentro do R7, enojado. No espelho retrovisor o R6 avançava para longe em primeira. Sentei-me, rodei a chave, fiz inversão de marcha e entrei na estrada.
Segui-os durante uns bons 20 quilómetros, até virarem à direita e rumarem, ao que parecia, à vila de Loures. Muito rapidamente me desenganei, ao passarmos o convento de Mafra, na direcção oposta que atribuíra ao R6 e a um outro carro, grande feio, no qual não reparara inicialmente porque estava escondido atrás da curva do rapto, sim, não podia ser um bacanal, era violência a mais, o que significava que tinha pela frente no mínimo três símios hostis, bem como o Hel e a ruiva, mas já não estava preocupado, há muito tempo que não o estava.
Não fosse a curiosidade e um certo laço de companheirismo que me prendia ao Hel, há muito teria rumado a casa, talvez a esconder-me atrás da minha namorada num sítio ainda mais desconhecido de todos e quaisquer que me desejassem mal do que seguir um R6 atulhado de hostis e com o Hel e uma ruiva qualquer na bagageira.
Ao canto esquerdo da minha visão periférica o Palácio da Pena proporcionava-me coordenadas conflituantes; abri a janela, cheirei o ar e senti um vago aroma a maresia, é curioso como o regresso duma esmagadora bebedeira me aguçava temporariamente os sentidos, todo eu estava alerta e pisei mais no acelerador, sem saber muito bem ao que ia, pois do Hel e da ruiva nem sombra.
Na curva, ao fim da recta, no último segundo, travei e a desacelerar meti por um caminho de terra batida, chamem-lhe instinto, mesmo a tempo de não dar de frente de carro com eles. Lá à frente, lá à frente estava o meu carro, o R6 amolgado na porta de trás estacionado na berma da curva da estrada de asfalto que abandonara mesmo a tempo.
Congratulei-me ao ralenti e deixei-me deslizar, na certa estavam os dois na marmelada, sorri, desliguei as luzes, agachei-me, sem perder todavia o campo de visão por completo. A verdade é que ainda guiava e com os olhos no retrovisor estacionei cinquenta metros mais ao lado, na perpendicular, à sombra dum muro que ladeava um terreno baldio e onde não batia a Lua, sorte minha.
Olhei para esquerda, completamente seguro e enfático da minha resolução, vi as luzes do R6 e vi uns quantos vultos na semi-penumbra com que a Lua os banhava. Dois, quatro vultos?.. Fechei e abri os olhos a confirmar se não fora vítima de um pós-choque alcoólico, coisa que se tinha vindo a tornar mais frequente nos últimos tempos, embora o escondesse de mim próprio, mas não, eram mesmo quatro vultos e atirei-me ao chão, a névoa da madrugada cheirava a esturro, o meu sentido aranha não enganava, nunca me tinha enganado e, rastejando, fui-me aproximando-me deles, que se lixassem as calças e os sapatos novos, se na pior das hipóteses fosse um bacanal, se fosse um bacanal, sacudi lama da mão, é verdade, estaquei, um bacanal, não era um bacanal, não de certeza, sacudi lama das pestanas e quase disse em voz alta: Onde está a Loira?
Acalmei-me, julguei o meu estado geral promissor, entre bebedeiras e cheio de lama a espiar um bacanal em que entrava o Hel, gargolojei e, discreto, deixei-me ficar, a ver.
A loira. A gaja do clube 23 onde combinara encontrar-me com o Hel na noite anterior, just a night out to kill time and drink with whores, assim lhe tinha asseverado A loiraque nos seguira no seu Wolksvagen Miura, sim, recordava, eu tinha-lhe dado a bisca para fazer isso, a gaja tinha-me dado os sinais, mesmo depois de termos engatado a ruiva, e ela seguira-nos, Telma, chamava-se Telma. Chegara antes do Hel ao 23. Bem boa. Loira mas falsa. Uma falsa loira.
Lembrava-me de a ter encontrado quando fora vomitar à romana e fumar à budista, já nem me lembrava dela, enquanto rastejava todo sujo de lama, de a reencontrar, essa é que era a palavra, logo após chegarmos a casa do Hel, de dar com ela à entrada da quinta, os dois limpinhos, embora eu estivesse embriagado, de conduzi-la a um anexo, de rodar a maçaneta da porta e de deitá-la numa cama. Agora ali estava eu, a rastejar outra vez, mas desta talvez que fosse por uma boa causa.
Em definitivo, não era a loira ali em frente, abri os olhos, era o Hel e a ruiva e dois tipos grandes, amacacados. A Lua brilhou na pêra imberbe do Hel e então vi a pistola na mão do gorila. O outro símio, entretanto, calcava a ruiva para dentro do porta-bagagem.
Hum... Muito estranho mesmo. De repente, chicoteando o ar, a coronha da pistola abateu-se sobre a nuca do Hel e ele caiu dobrado como se fosse ravioli para dentro da bagageira.
Um raio de luz fez-me reconhecer um dos tipos. Não me lembrava de onde mas também não estava nem aí, rastejei de volta, vomitei o bagaço que me restava e alcandorei-me para dentro do R7, enojado. No espelho retrovisor o R6 avançava para longe em primeira. Sentei-me, rodei a chave, fiz inversão de marcha e entrei na estrada.
Segui-os durante uns bons 20 quilómetros, até virarem à direita e rumarem, ao que parecia, à vila de Loures. Muito rapidamente me desenganei, ao passarmos o convento de Mafra, na direcção oposta que atribuíra ao R6 e a um outro carro, grande feio, no qual não reparara inicialmente porque estava escondido atrás da curva do rapto, sim, não podia ser um bacanal, era violência a mais, o que significava que tinha pela frente no mínimo três símios hostis, bem como o Hel e a ruiva, mas já não estava preocupado, há muito tempo que não o estava.
Não fosse a curiosidade e um certo laço de companheirismo que me prendia ao Hel, há muito teria rumado a casa, talvez a esconder-me atrás da minha namorada num sítio ainda mais desconhecido de todos e quaisquer que me desejassem mal do que seguir um R6 atulhado de hostis e com o Hel e uma ruiva qualquer na bagageira.
O problema era que aquele era o «meu» R6. Certo, ganhava na barganha, pois ficava com o R7 do Hel, mas não tinha os documentos do carro e, ao mesmo tempo, recordei amargado, os meus próprios papéis estavam debaixo do fundo falso da bagajeira do R6, eu e a minha paranóia do secretismo, sempre a esconder as coisas. Diabo, sacudi a cabeça e fiquei sóbrio, todo adrenalina O Hel e a gaja estavam desmaídos por baixo do meu número de segurança social, carta de condução, número de contribuinte, cartão de eleitor, seguro, título e registo. Senti a garganta seca.
Reduzi a marcha e quase fui tentado a virar no desvio da A8. Os outros avançavam ainda em comboio para costa, direcção Ericeira; sentia-me preso atrás do R6 e do carro grande que o precedia. Havia demasiada estória, problemas, laços envolvidos por entre lacetes para me afastar e deixei-me estar em velocidade de cruzeiro até os outros passarem um portão eléctrico e desaparecerem para lá da vedação. Reparei que havia uma vivenda perto, girei o volante do R7 e estacionei, pensando em dormitar pelo menos uma hora, até ser de manhã, até procurar um café e quem sabe decidir que tudo não passava dum sonho. Então, quase a fechar os olhos, pensei que pena a loira, a Telma, não estar comigo. Que seria feito dela?
Reduzi a marcha e quase fui tentado a virar no desvio da A8. Os outros avançavam ainda em comboio para costa, direcção Ericeira; sentia-me preso atrás do R6 e do carro grande que o precedia. Havia demasiada estória, problemas, laços envolvidos por entre lacetes para me afastar e deixei-me estar em velocidade de cruzeiro até os outros passarem um portão eléctrico e desaparecerem para lá da vedação. Reparei que havia uma vivenda perto, girei o volante do R7 e estacionei, pensando em dormitar pelo menos uma hora, até ser de manhã, até procurar um café e quem sabe decidir que tudo não passava dum sonho. Então, quase a fechar os olhos, pensei que pena a loira, a Telma, não estar comigo. Que seria feito dela?
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