13.1.09

Ariel – Parte VIII

Caiu um silêncio pesado no pequeno quarto. De súbito, o sorriso escarninho deu lugar a uma expressão de ferro, os seus olhos vivos e negros cravaram- se na mulher, levantou um dedo longo e, seco e ríspido, regougou: «Tu! Anda cá! Vem comigo.» A ruiva ficou imóvel, presa num torpor de indecisão entre o acatar a ordem e o medo das consequências se não o fizesse. Com uma velocidade e agilidade surpreendentes para um homem tão encorpado, Pedro trilhou com violência sobre a madeira velha do quarto, fechou os dedos gordos e ásperos sobre o braço dela e começou a arrastá-la, afastando-me com um violento soco no estômago quando o tentei impedir. «Contigo falo mais tarde, porco!» Antes de bater com a porta e me trancar de novo, vislumbrei uns cabelos loiros e ouvi uma voz feminina: «Era ele? Apanhaste o Lú…?» «Cala-te!» silvou Pedro, interrompendo-a. Os passos afastaram-se, batendo na madeira seca e apodrecida do chão, a passada larga e constante do Pedro marcando o compasso para o toque rápido e sonoro dos saltos da mulher desconhecida. A ruiva parecia segui-los sem resistência.

Silêncio.

Ergo-me com grande esforço, tossindo, o ar a voltar a encher os pulmões. Dirijo-me para a janela e espreito por detrás da cortina verde, manchada pela humidade. A chuva intensa fustiga as janelas com a força de um chicote e apenas vislumbro os carros dos meus captores e o chão de pedra do exterior da casa. Mas…? Observo com mais atenção por entre a chuva que escorre a jorros pela janela. Para lá da vedação, julguei ver um outro carro,
escondido por alguma vegetação, ali, tão perto. Parecia... Poderia ser? O meu carro...? Desisti, a tempestade não me permite distinguir quase nada. Fosse como fosse, o mais importante era descobrir uma forma de me evadir e depressa, antes que o brutamontes decida vir «falar» comigo. O sol começava a romper por entre a cortina esfarrapada.