11.1.09

Ariel - Parte IV

Conseguimos acordá-la do torpor e o castanho perfurou-me inquisitivo e confuso, por momentos perguntando-se onde estava. Ao olhar para mim e para o Hel, a memória avivou-se-lhe, saiu do carro de um salto e um observador de fora nunca diria que aqueles pequenos pés que saltitavam em direcção à casa do Hel ainda agora enfeitavam, inertes, o banco de trás do chaço do meu companheiro. Quanto a mim, o meu humor estava diferente. Chegados à pesada porta castanha da casa do Hel, a adrenalina de conduzir com os copos já há muito se fora, vencida pela bebida. A aguardente começava, agora, a cobrar o seu preço e com juros. Acho que foi aquela última cerveja. Merda! «Hel, acho que… hm… não tens uma cama ou um sofá… já me deitava.» «Claro, deita-te aí na minha cama». Ouvia a voz do Hel distante e envolta num estranho eco enevoado, se é que tal é possível ou sequer existe. Desequilibrando-me, mas segurando-me ao ombro do meu amigo, tive tempo de lhe segredar ao ouvido: «não faças nada que eu não fizesse». Falava a sério. Teria percebido isso? Todo o seu rosto se contorceu num estranho sorriso. Não era cumplicidade, muito menos compaixão pelo meu triste estado. Não tive tempo de descobrir. Pesado como um pedra, caí na cama do Hel, quente, macia, abraçando-me com o carinho e o desejo que imaginava nos braços da ruiva. Estranha mulher. Conhecera-a hoje, naquele bar, com o Hel, e que incrível atracção exercia sobre mim. Sentiria o Hel o mesmo? Aproximara-se de nós, nós dela, como se uma força nos atraísse, um misterioso desígnio e, copo atrás de copo, a conversa prolongara-se até nos obrigarem a sair do bar. Já estava deitado, esparramado na cama. Pensamentos desconexos furavam a minha mente unindo-se a sonhos de cabelos de fogo e pele de seda. Seda a arder. Hehe… Ela sentou-se num sofá, cruzou as pernas, e colocou uma mão sobre o joelho, o Hel serviu-lhe um copo, fechei os olhos, por um momento, só um bocadinho… as vozes confundiam–se, animadas em risos e sussurros… abrio-os num esforço supremo... mas era demasiado.

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Foi o piscar de olhos mais longo da minha vida. Quando os voltei a abrir, estava sozinho. A miúda e o Hel, abandonando-me ao torpor alcoólico da cama, haviam-me deixado só. Os estupores! Provavelmente, o porco do Hel já se estava a aproveitar da situação, situação em que eu planeava estar neste preciso momento! Grande porco, já lhe mostro. Animado por um novo fulgor, levantei-me de um salto, peguei num molho de chaves que estava na secretária encardida, escarrei no monitor e empurrei o plasma (estranho, um plasma novinho em folha num quarto tão modesto) para o chão e o barulho que fez ao estilhaçar-se deixou-me feliz. Calcei os sapatos, saí porta fora e procurei o meu automóvel. Não estava, claro, conduzira o do Hel, que estava bem perto, tentando-me a entrar. Estranho, se o Hel não levara o seu carro, então, onde poderiam estar…? Lembrei-me do molho de chaves que roubara, abri o carro, sentei-me ao volante, fiz rodar a chave na ignição e, suavemente, baixei o travão de mão. Sorri. Os pulhas haviam-me lixado mas eu ia fodê-los bem fodidos, estavam bem fodidos e, rangendo todas as articulações do chaço, arranquei disparado. Para onde, não sei.