10.1.09

Ariel - Parte III

Abandonei o devaneio de morte e felicidade em que me lançara na estação de serviço e, arrancado de volta à realidade, com uma mão no estômago e com a outra sobre a boca, soltei um sonoro arroto acre, que me incendiou o estômago, por esta altura uma perigosa bomba de vinho tinto e aguardente. Após um silêncio de espanto face à minha manifestação repulsiva, os meus dois companheiros riram ruidosamente. No banco de trás, os dois olhos castanhos, despertos e lacrimejantes de um riso quase infantil, miravam-me e ao meu companheiro promissores e convidativos, e os seus lábios de púrpura seda desenhavam-se num sorriso de cumplicidade... ou talvez não passasse de um desejo inflamado pelo álcool. Parecíamos três fedelhos, mas eu, pelo menos, desejava algo mais naquela noite, inexoravelmente, involuntariamente, queria mais. E se bem conheço o meu caro Lúcio, não estava sozinho na minha ânsia. Seja como for, decidira que esta noite não seria de partilhas. (Ah, ei-la, estamos a chegar a minha casa). Por um momento, julguei que o Lúcio não conseguiria, mas não há mais rijo do que ele e não há aguardente que o derrube. O sono voltara a esconder o castanho quente dos olhos da nossa companhia e o seu cabelo espraiava-se languidamente sobre o seu rosto, pintando o banco do velho R7 em tons de vermelho, ao passo que o seu peito trabalhava lentamente, enchendo-se de longas e tranquilas golfadas de ar. Dormia profundamente, mas sentia que, ao mínimo encorajamento, o seu cabelo de fogo estaria pronto para dançar para nós… para mim. Até dava pena acordá-la. «Ó, Hel, estás a dormir de olhos abertos, meu? Sentes-te bem?» Lúcio estacionara e o barulho que fez ao quase arrancar o travão de mão sobressaltou-me e afastou o meu olhar basbaque do calor que o corpo no banco de trás emanava, numa calma pronta a explodir. «Eu... não, estou bem, é aqui, chegámos. Teremos de a acordar.» «Ya… como se chama mesmo?»