22.1.09

Ariel - Parte IV (revisão)


Telma, Telma, ganha juízo, mas com quem tu te foste meter, miúda?!? Já o conheces desde os tempos do liceu, e desde essa altura que este fraquinho existe, vais dar cabo da tua vida por causa deste animal, vais condenar aquele homem que até parece simpático?.. És mesmo puta, Telma, uma puta de merda, quase verbalizei, zangada, agarrada ao meu copo de champanhe! O outro pulha simpático bazara, fazendo-se de desentendido, era um estúpido também, mas não deixava de parecer simpático, o seu amigo estava a mijar, o que é que tu vais fazer, Telma rapariga, tens 30 anos e estás a deitar fora a tua vida?
Telma, Telma, estás a dormir?!? Vai atrás deles, anda, mexe-te! Pedro estava à minha beira, as suas palavras eram lei e o que dizia a força que me fazia avançar para a frente e só lhe consegui responder, exausta, ainda a beberricar o meu champanhe: e o outro, o que fazemos do outro, o que fazemos do outro, Pedro? Preocupas-te em demasia querida, um beijo nos lábios dele, avante, mexe-te, vai atrás deles, quero saber onde vão, depois diz-me alguma coisa!

Deixei-me escorregar do banco, sorri para o Carlos do balcão, pobre Carlos, também ele prisioneiro do Pedro, e mecanicamente comecei a dirigir-me para a saída do 23. Sabia que o Pedro estava outra vez sentado com a puta velha, fazendo conversa, a controlar, ignorando-me, desprezando-me.
Ele fora o meu primeiro gajo, com dezasseis anos, desflorara-me, mas não julgava arrepender-me, não antes de ele se ter feito mau e guardara-me para ele em tudo, apesar de todos os outros da secundária que me cobiçavam e me botavam convites porcos.
Eu era dele, pertencia ao Pedro. Enfiara-me com ele na casa-de-banho do liceu e foi aí que me iniciara na arte do broche. Sim, arte do broche, porque é preciso arte e engenho, não é só abocanhá-lo. Ele conduzira-me desde esse primeiro dia e desde essa altura nunca mais o largara. Fizera tudo o que o meu chulo queria de mim, até fingir que gostava de bêbados feios que me pagavam cocktails de champanhe, como agora, era pura paixão, obsessão genuína, luxúria; não era amor.
O amor não nos obriga a submetermo-nos a humilhações diárias com outros canalhas para conseguirmos dinheiro e esquemas para o nosso canalha preferido.
Não, era algo de mais doentio e decadente. Era o meu vício! Se ele me ajudara a subir horizontalmente na vida devido aos contactos famintos de podridão do Ministério, eu não o ajudara menos quando me fingira de senhora séria, distinta e culta ao seu lado naqueles eventos sociais onde ele fazia um figurão bem falante e conhecido de todas as personagens importantes.
O Pedro conhecia os podres de muita gente. Poucos, se comparados aos dele, somente eu conhecia os podres dele verdadeiros: charutos cubanos, vodka e caviar, putas ordinárias, ligações a árabes suspeitos, negócios mentirosos, homossexualidades travessas. E as armas, e as armas e a droga, sim, também isso. Vai atrás deles, vai! Saí do 23 a tempo de os ver a dobrar a esquina, aquela mulher, a inimiga, dissera o Pedro, caminhava escorreita, ele, gajo dos cocktails de champanhe, nem por isso, aos esses, estava bêbado, topara-o logo. Não passava dum bêbado, porque é que o Pedro me ordenara segui-los? Não lhe bastava saciar-se com os relatos das conversas do meu ministro? Não, ao Pedro nada disso bastava.
Entrei no meu carro e segui-os devagar e à distância, dando tempo para que se afastassem de mim, enquanto subiam a rua, de mãos dadas (de mãos dadas?!?) até que pararam, junto a um carro novo, um bólide novo em folha, em frente ao teatro de São Carlos.
Que faziam? Não sabia, nem queria saber, as ordens do Pedro eram muito simples, tinha de os seguir e de reportar o que vira, para onde se dirigiam, o que faziam não interessava. Chovia. Tinha saudades do meu ministro, o meu doce ministro era meigo, casado mas meigo, não tinha nada a ver com o Pedro, nem com aquele homem bêbado armado em esperto e nem com a rapariga mentirosa, o Pedro dissera-me para tomar atenção àquela desgraçada, que se abraçava a ele e lhe fugia, ele até que era bonito, quando um carro disparado passou pelo meu e se foi imobilizar junto deles.