10.1.09

Ariel -Parte 2




Lúcio não morreu nessa noite. Como era seu amigo, certifiquei-me disso. Entre as ilusões e as certezas de que abarrotava o suposto diálogo que com ele mantinha, ao mesmo tempo que o seu pé descansava no acelerador como se a sua existência disso dependesse, lá chegámos, entre duas passas num cigarro artesanal enrrolado por mim e meia dúzia de conselhos fraternais dele a porto seguro, porto conhecido e por isso mesmo mais navegável.

A conversa, a animação e a camaradagem jorravam, quando por fim estacionamos no 24horas de serviço, como se do R7 imanasse um afluente no rio da nossa parvoíce imberbe mas sincera, como se a rapariga que ele insistira em trazer connosco fizesse também parte dum papel
maior no desígnio máximo das coisas e foi assim que lhe pisei o pé abruptamente e fiz com que o ruído do motor acelarasse toda a estação de serviço até os três de nós nos rirmos como crianças à solta na vida que era aquela estrada até minha casa, a minha casa onde planeara adormecer o Lúcio Ferro de uma vez.

Mal sabia eu, contudo, que a noite ainda reservava surpresas, sobretudo a maior de todas e não a que apenas acabava de me confrontar com os seus lábios púrpura e os seus grandes olhos castanhos, tentadores, deitados no banco de trás do meu R7 conduzido por ele, o meu grande amigo, na sua demência alcóolica, ainda crente em fidelidades igrejas e códigos de honra ultrapassados.

Talvez não fose a última vez que me encontrava com ele, mas fosse como fosse valia a pena. Era ela. Sim, era ela. A ruiva que o acompanhava. A mulher com quem iria ser feliz. Sim era com ela. Mesmo que o Lúcio tivesse de morrer por causa disso.