24.6.08

Gödel e Wittgenstein: afinidades



Para Gödel, em cada sistema formal existirão verdades expressáveis nesse sistema formal que não serão demonstráveis; e, para além disso, uma das verdades mais importantes sobre o sistema, a da sua consistência, não será demonstrável no âmbito do sistema. Portanto, quer Gödel quer o Wittgenstein jovem estão unidos contra a reiteração dos positivistas da antiga máxima do sofista de que «o homem é a medida de todas as coisas.» Ambos estes dois homens concorrem numa incompletude fundamental que tira ao homem a medida.
De longe, a afirmação da incompletude de Wittgenstein é a mais radical. Para Gödel há conhecimento expressável que não pode ser formalizado. Os limites da formalização, da nossa tentativa de reduzir todo o conhecimento matemático às regras específicas de um sistema, não são congruentes com os limites do nosso conhecimento. O nosso conhecimento matemático excede os nossos sistemas. Para o primeiro Wittgenstein não há conhecimento possível que escape aos limites que o próprio traça. No outro lado da significação residem todas as matérias mais importantes: a ética e a estética e o significado da vida em si. «Existem coisas, verdadeiras, coisas que não podem ser ditas em palavras. Fazem-se manifestas. São a natureza do que é místico.»
A positiva atitude anti-positivista de Wittgenstein em relação à ideia do místico – mesmo que seja um místico destituído de significado – pode ter tocado numa tecla sensível de Gödel, que era até receptivo à sugestão de que os seus teoremas da incompletude tivessem consequências na esfera mística ou, pelo menos, religiosa. Numa carta que escreveu a sua mãe a 20 de Outubro de 1963 comenta, em relação a um artigo que esta lhe enviara e o qual ainda não lera, sobre as implicações do seu trabalho: «É de esperar que mais tarde ou mais cedo a minha demonstração seja utilizada em favor da religião, visto que isso é sem dúvida também justificável num determinado sentido.» No mínimo, Gödel acreditava que o seu primeiro teorema da incompletude sustentava a insistência do Platonismo na existência de um domínio supra-sensível de verdades eternas. Como é óbvio o Platonismo não é equivalente à religião ou ao misticismo, mas há afinidades.




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