17.4.08

Interpelação

Boa tarde, o que faz hoje por aqui? Veio matar saudades ou é uma primeira vez?

Desculpe colocar-lhe esta insignificante questão, pelo menos do meu ponto de vista, mas é importante para mim e, insisto: o que faz aqui?

Veio à procura de um amigo? De amante? De um tónico cerebral? É difícil.

Quem frequenta este sítio não tem amigos, nem inimigos: por aqui só aparecem curiosos, como eu, está a ver?

Amantes então, nem falar, aqui não há disso, somos todos amigos que se reunem em torno de um blogue e, civilizadamente, colocamos perguntas. Faço-me entender?..

Quanto ao tónico cerebral, não o vejo. Quando muito parasitas cerebrais. Não se vê, o tónico, isto é, não acha?

Mas porque é que não me responde? Incomoda-lhe o ruído das minhas palavras? Enfim, não está a ver, pois, não está, não percebe o que lhe digo. Desinquiete-se. Eu já lhe mostro o que lhe estou a dizer.

Não... É verdade, ainda não vê, noto-o nos seus olhos, não percebe, embora até que ache que isso agora lhe convinha... Diga-me, será por curiosidade que aqui está?

Não?

É Pena. Mas não se vá já embora, não me deixe a falar sozinho, rogo-lhe. Até que é um sítio giro, não lhe parece?

Sim, as paredes têm gordura. Porquê? Não gosta de gordura? Nunca lhe disseram que é formosura? Azar o seu. Dantes isto era um restaurante, percebe?

Já percebeu agora? Apre, você não sabe nada de nada. Nem sei mais o que lhe diga.

Quer beber um whisky? Prefere vodka? Sirva-se pois, o bartender é um amigo. Como é que se chama? Não quer dizer? Essa agora...

Veio à procura de sarilhos, certo? Só pode ter vindo ao encontro de sarilhos... Ouça, não se vá já embora, calma, fique, que ainda não conversámos tudo o que tínhamos a falar... Não lhe parece? Pois sim, acho-lhe imensa piada. Também se ri? Não sei do quê. É quinta-feira, está a chover e o bartender cumpriu cana. Quer melhor?

Diz que gosta de mau tempo? Como, adora?.. Nesse caso, olhe, desculpe se lhe interrompi o fio à meada das suas expectativas, beba o seu vodka em paz, constato que não veio à procura de sarilhos.

Porquê é que fechou os olhos? Que pestanejar foi esse? Porquê é que de repente se pôs com esse arzinho introspectivo? Foi alguma coisa que escrevi? Ora, não pense mais nisso. Nunca lhe disseram que isto pode ser o princípio de uma longa amizade?

Ou, por outro lado, o fim de uma conversa banal ou, por outro, até mesmo a sua, repito, a sua morte, na forma de uma execrável cefaleia, a cefaleia nocturna que este sítio lhe inocula, lentamente? Não sabe o que quero dizer com estas palavras, não é? Ora, esse, fique sabendo, é o primeiro sintoma. Outros se seguirão.

Esqueceu-se onde se encontra, veja lá, ninguém aqui lhe deseja maus encontros... Conseguiu acalmar-se? Óptimo, sinto-me aliviado. Como? Não sabe o que quer dizer cefaleia? Estou a ver. Ainda não percebeu de que se trata, pois não? Não logra compreender de que se trata, o que não o favorece aos olhos de quem o interpela, o que, de alguma forma, lhe é vergonhoso...

Olhe, azar. É assim a vida, feita de interpelações e de vergonhas, de mistérios e de sanhas, de vontades mentirosas e de mentiras venturosas e de momentos assim, só para si, em que apenas não lhe parto uma garrafa na cabeça porque, bom, não me apetece, correcto?

Pois sim, tem toda a razão, é realmente um aborrecimento de morte. Por falar nisso, antes que faleça de tédio, deixe-me perguntar-lhe:

Gosta de música? De Clássica? Jazz? Rock?!?

Não temos.

Temos isto. Faça o favor de aceitar o codex, premir o botão player e ler o texto seguinte. Com sorte, ainda ganha um par de óculos de sol. Com menos, abre os olhos e faz um intervalo, um momento de pausa em boa companhia, talvez que mútua.