17.4.08

Interlúdio

A porta do metro fecha-se com esforço e um pesado estrondo metálico. O rosto da multidão inexpressiva irrompe na carruagem, cansado, atropelando-me com olhares pesados e desajeitados. Deixo-me absorver pela leitura e não é sem ponta de incómodo que sou obrigado a encolher as pernas para permitir que ela ocupe o lugar em frente. Senta-se ainda ofegante, o seio alvoroçado, e ajeita o cabelo negro com gestos rápidos e dedos diligentes, pequenos e bem desenhados. As mãos frágeis e seguras rebuscam a mala impacientes. Um gancho, dois ganchos. O peito recupera o ritmo normal e o coração volta a esconder-se num ritmo silencioso. Aos poucos, o rubor abandona as faces para revelar uma tez clara. Não é muito alta. O seu corpo pequeno e elegante ajeita-se no banco, cruza as pernas e, por um breve instante, os seus profundos olhos castanhos cruzam-se com os meus. Desviam-se sem me dar importância, indecisos entre a indiferença e a frieza. Não me concede o tempo de perceber qual. Talvez, apenas, cansaço? Observo-a invertida na janela da carruagem. Pousa lentamente a mala cor-de-rosa sobre o colo, entrelaça os dedos. Arrisco uma mirada desinteressada. Em pouco tempo, as delicadas pálpebras parecem lutar contra o torpor e o embalo da viagem. Observo-a até que aquele penetrante castanho acaba por se refugiar da minha inocente curiosidade. A expressão marmórea não se altera, mesmo enquanto dorme, desfrutando de um sossego aparente. Imagino os lábios desenharam-se num sorriso tímido e deixarem escapar um franco riso de dentes brancos e perfeitos. Adivinho uns olhos castanhos sinceros e ternos aprisionados pela capa de frieza inicial. Toco o cheiro dos seus caracóis negros junto ao rosto e saboreio uma voz doce e angelical, de mudas palavras e belo cantar. Os meus lábios antecipam o toque do sabor, mas... Procuro na escuridão e abro os olhos. O banco em frente encontra-se irremediavelmente vazio de sensações. Tenho tempo de vê-la afastar-se, os caracóis negros sacudindo-se de cá para lá sobre os ombros, a silhueta fundindo-se com o negrume triste do túnel, até deixar de ser, no meio da gente igual, enquanto a lagarta de aço se resigna ao seu eterno deslizar rastejante de aço e ferrugem, escrava de carris frios… Conheci-a mulher, sonhei-a princesa no reino dos sentidos. Terei sonhado? Terei sonhado sozinho? A conhecer-me, rir-se-ia de me ouvir falar assim. Talvez volte a sentar-se à minha frente. Revelar-lhe-ei… Aguardarei um olhar que já sei terno e conquistarei o sorriso ocultado nos lábios que pressinto suaves. Será aceitação…