25.7.07

O rio vai desaguar

Que fixe. O rio, finalmente, está quase, quase a desaguar. Corre contra a montanha, do chão para o céu, mas está quase, quase a desaguar. Já não era sem tempo. O rio vai desaguar e eu quero tudo quando isso acontecer. Tudo. Tudo aquilo que me negaram a vida toda. É isso o que eu quero. Mais nada. Quero tudo o que me foi negado e se for intenção de alguém erguer diques ao rio eu vou lá estar e arrebento com tudo à chapada e ao pontapé se assim tiver de ser. O rio está quase, quase a desaguar.
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O Mar é já ali, e por trás do mar fica o Paraíso. Quem quiser vir comigo até lá, que venha, quem quiser ficar pelo caminho, que fique. Estou-me nas tintas. Mais vale só do que mal acompanhado. Não me voltam é a roubar aquilo a que sempre tive direito e que, umas vezes por culpa própria, na maior parte por culpa de outrem, me foi negado este tempo todo. Não. Acabou-se a brincadeira. Não me voltam a fazer a folha. Eu sou muito bonito, mas também sei ser muito feio. Não tenho culpa disso. Foram vocês, foi a vida quem me ensinou. Não maltrato ninguém, nem os bichinhos nem as plantas, o rio precisa delas para correr, mas quem se meter comigo é melhor que esteja ciente de que eu não sou bom de assoar; quem me trair é bom que saiba a tempestade que está a comprar.
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Uma coisa óptima acerca de se ir contra às paredes é que ao fim de um certo número de choques se ganha um sexto sentido em relação aos obstáculos, até em relação àqueles que parecem invisíveis. Nada me veio de mão beijada. Foi sempre porrada e mal viver. Acabou-se. Estou farto. Tenho 36 anos e vou ser feliz. Só ou acompanhado. Prefiro acompanhado (afinal, quem não prefere?) mas se for só, then so be it.
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Não há porrada pior do que aquela que já levei ao longo da vida. E é bom – asseguro-vos - é muito bom levar na tromba assim, anos e anos a fio. É muito bom passar fome, à séria; é muito bom dormir na rua, à séria; é muito bom ir parar ao hospital, à séria. Ganha-se uma resistência do caraças. Survival of the fittest, como diria Darwin.
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Mas julgam que perdi a poesia? Julgam que perdi a capacidade de sonhar? Julgam que deixei de ser menino? Não, não deixei. Só que só o demonstro se o merecerem. Caso contrário, faço de mim o pior bandido que possam imaginar. Truques, esquemas, cinismos, violências, golpes sujos, conheço-os a todos, porque de todos fui vítima no caminho até aqui. Foderam-me de mil e uma maneiras mas acabei por escapar ileso e aqui estou e sabem porquê? Porque sou e sempre fui um menino, um menino que ama, que sente, que chora, que abraça, que ri, que se comove e que possui um coração enorme que acredita na bondade humana e no amor. E isso, apesar de tudo, continua a ser verdade. Mas também é verdade outra coisa: menino sim, parvo é que não.
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Não, não me voltam a roubar. Que fixe. O rio, finalmente, vai desaguar.