8.6.07

Run Picasso, run


A viajar à bolina sem destino definido que não o de passar o tempo e talvez descobrir algo novo que me encante, que me faça entusiasmar, que me leve para longe duma existência que quis cínica e monótona, eis senão quando dou de costas comigo, ou melhor com uma foto das minhas costas, presa nos interstícios da rede.

O que faço eu ali? Lembro-me que foi num domingo de Janeiro passado, tinha ido comprar uma garrafa de vinho a um supermercado que fecha tarde e afadigava-me em direcção a casa, porque já era tarde e porque tinha pressa em ir abrir a garrafa. Não tenho dúvida alguma de que sou eu: recordo-me perfeitamente da situação porque me sentia um pouco envergonhado do saco de plástico onde trazia apenas o tintol, e o escondia por trás das costas, tentando passar o mais discreto possível por aquela estação de comboios onde sempre passo quando tomo o caminho de casa. Alguém me viu e me fotografou e pôs a foto na rede.

E eu, tão habituado a estas lides de fotografar sem ser visto, de espiar os outros sem me denunciar a mim próprio, de me considerar um tipo particularmente observador e com engenho para dissecar digitalmente o próximo, ao encontrar este triste testemunho da minha insignificante pessoa senti-me assim, um pouco como aquilo que realmente sou: um tipo insignificante com a mania das grandezas que leva pressa no rabo e hipocritamente esconde as suas fraquezas, não só dos outros, mas sobretudo de si próprio.

Ora, foi bom encontrar esta foto. Foi bom ver-me ao espelho no olhar de outrem. Foi bom tomar consciência do que sou e da minha arrogância hipócrita. Para a próxima não esconderei a garrafa. E, se tiver mesmo de a beber só, então que a beba sem falsos pudores ou desculpas piedosas. Bem-haja e bom fim-de-semana.