1.4.07
A torre fascista e o Graxa de marfim
Na semana que hoje termina, aqui o amigo Lobo, para além dos seus inúmeros afazeres profissionais (treta, claro, o Lobo não trabalha, caça) também foi a dois colóquios, ou debates, ainda não percebi muito bem a diferença.
É, o Lobo, de vez em quando, gosta de ir a colóquios, debates e pseudo-merdas-intelectuais do género. No primeiro dos debates/colóquios, como estava de ressaca, passei duas horas a tentar perceber do que se tratava e… Não consegui. Mas dou-vos as linhas gerais: foi numa faculdade com um certo prestígio e o orador principal era um meco, perdão, um excelentíssimo professor doutor universitário oriundo de uma não menos prestigiada universidade inglesa.
Pois bem, não percebi de que se tratava. Falou-se de várias coisas. Reti: “Estou aqui para ouvir e não falar” a sério, meu, então porque é que és o orador “estrela” desta porra?; “Multiculturalismo, sim, Portugal tem um problema de má consciência com os países africanos”, pois, sobretudo com o filha da puta do José Eduardo dos Santos que deixa o seu povo morrer de cólera ou será com o Mugabe?; e ainda, “O ensino das línguas angolanas (alguém sabe o que são línguas angolanas?) devia ser incrementado nesta faculdade.” Ai sim? Porquê?..
Confesso que, depois desta, me deu uma enorme vontade de mandar orador e remanescentes coloquiantes à merda, mas, lá está, o Lobo não é parvo de todo e não o fiz. Na verdade, só o fiz quando o cabrão (perdão, excelentíssimo senhor doutor professor universitário de uma prestigiadíssima universidade inglesa se saiu com a seguinte pérola: “Já repararam como os americanos são “narrow-minded" e auto-centrados? Vejam bem que eles não gostam de viajar e é raríssimo visitarem outros países!” Pois. Este badalhoco (perdão, senhor professor doutor universitário) deve conhecer muitos americanos, seguramente, deve ser tu cá tu lá com o Hemingway, com o Paul Auster, com os The Doors (que até sabiam o que se escondia no Lado Negro da Lua sem nunca lá terem ido). Isto passou-me num flash pelo crânio, mas, antes de o dizer, já tinha saído (discretamente, o Lobo não é parvo, repito) porta fora e, depois de uma digressão higiénica pelos bares mais próximos, passei ao segundo colóquio.
O segundo colóquio foi diferente. A primeira diferença é que sensivelmente dez minutos antes de se iniciar o Lobo já estava bêbado, o que, vendo bem, até facilitou a compreensão do que estava em discussão: o debate era sobre racismo.
E bem, para além da repetição exaustiva dos clichés do costume sobre a matéria, é verdade, este debate apresentava uma grande vantagem sobre o primeiro: tinha gajas boas a dar com um pau (porque será que as gajas boas gostam assim tanto de temas pseudo-fracturantes-de-esquerda-progresssista-de-merda?).
Seja como for, para além de gajas boas no debate também se encontrava o meu grande amigo Helel Ben Shahar (que por sorte não estava tão bêbado como eu), e que me chamou a atenção para a jóia discursiva com que um dos oradores (representante do SOS Racismo, sim representante do SOS RACISMO) acabava de brindar a extasiada audiência; discutia-se não sei bem o quê, e diz o tal gajo: “O racismo, neste sentido, não é bom.” Pois. Nem nesse nem noutro, digo eu, mas enfim, se calhar o gajo do SOS Racismo pensa de maneira diferente.
No mesmo dia, fui trabalhar (treta, ver primeiro parágrafo) na companhia do também meu bom amigo Picasso. Como é do vosso conhecimento, o Picas gosta de fotografia. Íamos então a chegar ao tasco onde ambos temos a desdita de fingir que bulimos quando ele me diz: Vais ver Lobo, ali à esquina, está um Graxa que tem uma banquinha típica como tu não encontras em toda a Lisboa. E ainda não a fotografaste, meu grande safadote, reinei eu. O Picas respondeu que conhecia graxas à légua e que estava fartinho de saber que estes não gostam de ser fotografados.
Quando chegámos à dita esquina o meu amigo teve aquele sorriso especial que só lhe vejo quando se sente muito satisfeito: Lá estava a banquinha, solitária, sem o Graxa por perto! É agora, exclamou o Picas, vou fotografar o atelier do Graxa, até que enfim! Eu deixei-me estar a apreciá-lo, enquanto se aproximava (com um prazer todo voluptuoso) da referida banquinha, onde dezenas de boiões de graxa coloridos se ordenavam meticulosamente, compondo, tenho de o admitir, um belo quadro, um motivo citadino verdadeiramente em vias de extinção.
Está o Picas a compor o retrato, prestes a carregar no botão da máquina quando um berro o fez estremecer e lhe estragou a foto. Era o Graxa, que, saído sabe-se lá donde, corria esbracejando em sua direcção, gritando-lhe: É lá, que é lá isso de fotografar a minha banca!?! Arreda, arreda, que ainda te vou à boca!
E o Picas arredou – sem a foto.
E eu escrevi este texto. Tendo presente nele as únicas palavras sensatas que ouvira o dia inteiro, ainda a propósito do racismo, ou seria do fascismo, ou seria do Graxa, acho que era mesmo acerca do que nós somos: “Antes de chamarem fascista a alguém, antes de o desprezarem por o considerarem racista, suíno, o que quer que seja, olhem para dentro de vós, para o pequeno fascista que está em vós, porque, não se esqueçam, isto do fascismo não tem patente, é uma característica presente em todos”.
Obrigado, José Mário, que puta de inquietação.
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