23.11.06

Ontem à noite


Ontem à noite decidi tentar algo que já não tentava há muito e que, da última vez (há uns meses atrás), correu excepcionalmente bem: escrever algo com uma grande moca (ou estala, ou pedra; como vos servir a carapuça).
Estava eu em casa, meia-noite e tal, acabadinho de chegar do campus, e, após uma conversa deveras estimulante sobre blogs e escrita com um velho amigo de Portugal, Braga, decidi dar uso ao meu cachimbo de água (a.k.a. Bongo. Novinho em folha, esverdeado, em acrílico, comprado numa loja local de Birmingham). Fiz a “sopa”, fui ao frigorifico buscar um iogurte (sabor: amora) e abri um pacote de bolachas (daquelas com pepitas de chocolate no meio da bolacha) que coloquei na mesa à frente da qual, dentro de minutos, estaria sentado a escrever.

Ora bem, abro a janela (não quero o meu quarto cheio de fumo) e constato que não está frio, nem orvalho, mas um grizo do caralho! Enfim, um pequeno sacrificio se quero, de facto, consumir a sopa que tão divinamente enfeita o meu cachimbo. Após a consumação do acto, sento-me imediatamente à mesa, a música a tocar, já alegre, pois sei que a ETA (Estimative Time of Arrival) da moca mesmo a sério será dentro de cerca de 20-30 minutos (que é como quem diz 1200-1800 segundos), altura em que já não estarei em condições de prosseguir com o libertador acto que é escrever.
É agora uma hora e quinze minutos (não sei os segundos). Pego na minha folha habitual para rascunhos, pego na caneta azul, pouso-a, e pego na preta (por motivos que desconheço, prefiro fazer rascunhos a preto). Título da minha primeira tentativa: Escritos de um analfabeto. Basicamente, tentei escrever um texto com um qualquer assunto sério e profundo, mas cheio de erros ortográficos e de pontuação. Não resultou. Não encontro um tema decente e se escrever como deve ser com a tola é dificil, escrever mal de propósito afigurou-se-me ainda mais fastidioso. Rapidamente desisto e passo para outra (embora seja um conceito interessante ao qual talvez volte um dia). Tive outra ideia: um texto sobre as razões que me levam a escrever. Hm... não. Revelou-se repetitivo e, na verdade, não consigo realmente dizer o que me leva a escrever. Risco o texto e passo à frente. Já sei! Vou escrever um poema. Infelizmente, sou totalmente desprovido da capacidade de escrever poesia e caí no erro inocente de pensar que, só porque não estou sóbrio, sou um grande poeta.

Não é verdade.

Abro um livro de um grande poeta português em busca de inspiração, Jorge de Sena, e percebo que não vai ser naquela noite que vou versar sobre alguma coisa.
Bah!, já só tenho cinco bolachas!

É o fim, já não estou em estado de escrever.

Deito-me, fecho os olhos e penso. E naquela altura devia ter-me levantado e escrito o meu poema. Entrei naquele mundo onde raramente entramos. É o mundo que está entre a realidade e os sonhos, entre os pensamentos e as acções, entre as formas e os conceitos. Perdido dentro do meu mundo, escrevo o meu poema, na minha mente, com o coração. De rajada e em um só gesto!... e dedico-to.
Adormeço, a música a tocar, a luz acesa, os versos a dançar em mim.
Hoje acordei. Ressacado, mas acordei. Tentei desesperadamente agarrar aquele momento de iluminação, tão claro ontem, hoje esquecido e perdido, guardado algures... em mim e em ti.