29.1.09

Ariel - Parte VII (revisão)


Queria o David, o meu ministro, casado, meiguinho, barrigudo mas cavalheiro. No entanto, estava a morrer, sufocada e com um tiro nos cornos – que os tinha - ao lado do traste da minha vida, o Pedro. Triste fim este, com 30 anos, vestida de amarelo e de preto. Nos últimos segundos em que consegui respirar, enquanto me mantive consciente, vi toda a minha vida a passar-me à frente, um flashback onde se imiscuíam os meus pais, pessoas da alta sociedade lisboeta que um dia tiveram a coragem de renegar a querida filha única, o David, que conheci numa festa em casa deles, pais hipócritas de merda, quando ainda eramos socialmente reconhecidos, e o Pedro, o chulo-colega-amante-amigo-ladrão-traficante de armas-bissexual… O David tinha uma natureza amável, era generoso com as palavras e com as ofertas. Nunca me levantou um dedo e a sua voz e sempre me tratara bem. Sempre. A sua voz. De mim, sabia-o, queria apenas sexo, umas horas bem passadas, pelas quais pagava uma pequena fortuna, sem nunca reclamar. Suponho que obtivesse de mim o que não tinha em casa: a satisfação sexual plena, a concretização de fantasias que, confessara-me, não tinha sequer coragem de abordar com a legítima, por pura vergonha, porque esta poderia pensar que tinha um tarado em casa. Com ela, o sexo era monótono, sem sabor, acontecia quase por obrigação. Já comigo, a história era diferente: eu era atrevida, divertida, emotiva, imaginativa e sempre disposta e explorar limites físicos, que roçavam o sadismo. Ele gozava imenso as horas passadas comigo, a sua «querida Telma», que também era para ele uma boa ouvinte. A intimidade chegou a tal ponto, nos últimos dois anos, que até me revelava segredos de estado, conversas de alcova que não alcançariam ouvidos de terceiros, julgava ele. Como estava redondamente enganado! Mal sabia que tudo o que me dizia era quase imediatamente vomitado para cima do Pedro, sempre sedento de confidencialidades estatais que pudesse usar em benefício próprio. O Pedro, que agonizava a meu lado, só pensava em si. Queria lá saber de mim, o cabrão, da sua puta que usava diariamente, de quem abusava fisicamente quando lhe puxava os cabelos enquanto a fodia por trás, à cão, quando estava perdido de bêbado. E não eram assim tão poucas as vezes em que isto acontecia. Naqueles últimos momentos questionava-me acerca da razão que me levava a manter-me com o meu chulo, e concluía no vítreo dos seus olhos que fora o medo, o medo, puro medo, medo que ele me matasse, como tinha vindo a ameaçar, se não fizesse o que ele mandava, como ele queria. «Ranhosa de merda, covarde, que nem tiveste coragem de acabar com a tua própria vida a fim de te afastares do teu amor, e agora estás aqui a tossicar, sufocada, com um fio de sangue a escorrer-te pelas orelhas abaixo». O meu amor, qual amor? Era o fim. Era o ponto final.