(...) O Trave, uma vez, numa noite quente em que conduzia o carro devagar, deu-se conta de que o som de Astor Piazolla o tinha súbita e completamente agarrado, como se lhe acariciasse os tomates.
Já conhecia o álbum mas, talvez por estar a tocar a Milonga del Angel, começou a sentir, insidiosamente, a falta física da Zaida. Foi uma espécie de angústia visceral, mas suave. Doía, mas ao de leve, por dentro. Depois, a música silenciou-se a estrada correu escura e lentamente tudo normalizou na saída da auto-estrada. A Zaida! Só agora, que ela se afastara da sua vida, é que lhe dava para estas coisas, para estas coisas da Zaida.
Era meio aciganada, «ar de puta espanhola», segundo a Isabel. Alta, muito elegante, pisando bem, mas insegura, feições marcadas, quase feia, um acidente.
Muito esperta, mas com a cabeça cheia de alicates, erudição apenas necessária, vendia chips para computadores dos aviões. O Trave, quando a conheceu, no primeiro dia, deixou-a vender o peixe dos chips e perguntou-lhe a descaso: Você é casada? Ela olhou-o, a ver, muito directa. E respondeu: Sou, porquê? Firme nos olhos também, ele disse devagar, lentamente: Pena, poderíamos passar um fim-de-semana juntos. Ela corou, articulou um vago «tenha juízo», voltou ainda baralhada aos chips e saiu. (...)
A partir de um inédito de José Dias Ferro, meu padrinho.
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