6.10.08

Tens 18 anos e a quarta-classe?



«(...) O Trave, quando a Clara tinha falado nos SPV (Sucedâneos de Paixão Violenta), pensou na Françoise. Já não lhe acontecia há muito tempo.
Tinha-a encontrado na praia, há mais de 30 anos, na Figueira da Foz, ele numa directa de farra no casino, ressaca até mais não, de aturar as burguesinhas de Coimbra (exigentes de paleio vadio para irem para a cama).
Ela estava sentada na areia com uma amiga também francesa. A amiga tinha ideias claras de política, era militante do PC francês, ambas com 23 anos. Ele com 22 andava empolgado por ideias e convicções progressistas de todo o tipo.
Françoise assistia calada à conversa com a amiga... apenas disse depois que gostava de sol e de mar. Via-se que era verdade, vendo-a olhar para aquele mar azul em frente.
Porém, passada uma hora apanhou o comboio para Lyon e durante quase um ano não souberam um do outro. Um dia, de viagem por Paris, o Trave escreveu-lhe sugerindo um encontro na Torre Eiffel. Foi assim uma sem pés nem cabeça, Lyon a 650 quilómetros de Paris e passado tanto tempo. Só por descargo de consciência apareceu na Torre. Ela afinal estava lá.
Passaram o dia juntos, a passear de mão dada, e à noite foram para um Hotel onde aconteceu sexo, mas nervoso. Ela era virgem. Virgem mesmo, fisicamente. O Trave seguia já atrasado para Inglaterra, despediram-se no dia seguinte, mas ela ficou «in the back of his mind» (já estava a pensar em inglês) e passado menos de quatro semanas reencontraram-se em Lyon.
A mãe tinha viajado e foram para casa dela. Foram oito dias apenas. Durante oito dias amaram-se ou, talvez melhor, plasmaram-se um no outro. Saíam da cama apenas para as necessidades básicas, a comida pouco lhes interessava, e logo mergulhavam um no outro; durante horas e horas, dia após dia, possuíam-se, olhos nos olhos. A vinda da mãe salvou-os, de morrer de exaustão. Ao apanhar o comboio para Portugal, olhos nos olhos sempre, quase deixava o casaco na plataforma da estação. Sem saber quando voltaria a vê-la os joelhos tremiam-lhe quando finalmente chegou.
Sem hipóteses de tornar ao estrangeiro tão cedo, o calendário de treino da força aérea era exaustivo, aguardava agora que as aulas na faculdade dela entrassem em férias. Para se reverem viria passar as férias em Portugal.
Entretanto, o Trave comportava-se muito direitinho e os colegas diziam que andava na graça de Deus. Sabe bem Deus como andava. Sentia a falta dela, tanto, de tal modo tanto, que às vezes lhe doía. Dores por todo. Era o corpo inteiro a gritar por ela.
Quando as aulas acabaram finalmente Françoise chegou a Portugal. O Trave, que a esperava no aeroporto, notou-a diferente. Ao encará-la após um abraço prolongado reparou pela primeira vez que ela tinha olhos azuis, ou cor de avelã? Tinham cor. Que o corpo dela era alto, bem feito, cabelos compridos caídos nas costas, peito bem desenhado. De repente tinha começado a vê-la. Até aí sentia-a. Agora era uma pessoa, não era uma parte dele como até então. Esquisito, pensou. Estava confuso. Quando logo depois foram para a cama sentiu as pernas dela longas e macias. Sem querer e sem pensar ou saber porquê, o sexo entre eles estava diferente. Mais kamassutrizado. Era bom, bom de verdade mesmo, mas não era a mesma coisa. Muito camaradas, tudo muito bem, muito normais...
Nos dias que se seguiram misturados com mar e piscina tudo continuou bem, mas para o Trave tinha-se partido alguma coisa.
Quando ela regressou a França, combinaram o próximo encontro, nas férias do Trave, ele, porém, sabia já que era a última vez que estavam juntos. Mas porquê? Enxertado em camelo, comentou para si próprio; de nascença enxertado em camelo.

SPV, era isso, afinal estava precisando mesmo de S.P.V. (...)»

A partir de mais um inédito de José Dias Ferro, meu pai.