«(...) De dia para dia parecia sentir-me cada vez mais centrado nas oito paredes que me rodeavam, na sua cor, no desenho das infiltrações e nas raízes que as penetravam. Nelas, é certo, mas também nas três janelas, sem contar com a móvel, que davam alternadamente para a luz e para o vento, todos os dias menos quando não chovia ou fazia sol, as raízes entram e deixam o seu traço, quer se queira quer não. Essas belas três janelas de que escrevo, as três belas janelas são tubos de escape por onde se escoa o fumo dos bongos, é certo, mas as oito paredes não passam de colunas esculpidas em Sua (dele) homenagem.
(...)
Estava só, completamente a sós com o espaço compreendido na equação resolvida entre oito paredes, duas mestras, quatro intermitentes e outras duas sobrantes no mármore, em demasia - como era mister dizer-se, na rua que as abraçava a todas, as equações, sem nunca se comprometer com qualquer uma delas que fosse, embora as abraçasse ad infinitum a todas, indescriminadamente, pois assim é da razão de ser despotista das ruas onde desde 1714 a merda de pombo a gosto se faz escutar e mais não digo ou não tivesse sido esse o parecer do bom grande amigo Sebastião -, já para não falar das pedras da calçada à portuguesa que agora me recordam incessantemente a minha condição de solitário, rodeado de colunas, de estuque, de tinta, de paredes e de construção civil falida. Contudo, a equação não se finda só numa soma de colunas, equações ou falências, bem pelo contrário. Obviamente, por analogia, também os bongos desempenham uma influência cruel. (...)»
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