24.10.08

Café Central

«(...) No dia seguinte acordei só na cama da L. às 10 da manhã e lá fora estava um sol fresco de Outono, um daqueles sóis de Outono de que é impossível não se gostar; acto contínuo senti-me rejuvenescido sentei-me na borda da cama da L. e tacteando liguei a rádio.

Vesti-me sem pressas, servi-me generoso das compotas confeccionadas pela mãe da L. (cruzes, canhoto, o diabo seja cego, surdo e mudo, raios que a mulher cozinha bem), sorri para o espelho antes de escovar os dentes e saí para a rua após me certificar de que não deixara vestígios demasiado evidentes da minha presença naquele espaço ambivalente, o espaço da L. e o espaço onde me escondia dela.

Soprava uma brisa ligeira, era dia de mercado em Corroios e o Ferro ainda não abrira o tasco, mas de qualquer modo não fazia mal, reflecti, até porque não encontrava lugar onde estacionar o carro e, sobranceiro, rumei em direcção a casa a meio gás, só pelo prazer da condução, de olhar travesso no espelho retrovisor, gesto sorna e molenga no volante, pé longo mas seguro no pedal, via Morais Sarmento, Praça do Chile, Almirante Reis, até por fim estacionar, que sorte, mesmo à porta de minha casa.

Não tendo mortalhas para o tabaco, antes de entrar dirigi-me à PME mais próxima de serviço, uma tabacaria que à moda antiga apregoava os jornais do dia em contra-luz, discuti o preço e uma revista de política conjugal e cambista com o proprietário, um tal de Nunes, senhor próximo da minha idade, aviei-me dos papéis que precisava, associei café à ideia do primeiro fumo do dia e, bem disposto, meti-me a subir a rua, cheio de fôlego, como quem vai para a estação mas antes disso se detém no Café Central. (...)»