A história que vos vou contar tem início há muito, muito tempo, ainda a Europa não era Europa, e muito menos Portugal era Portugal, mas antes um pedaço de terra parte do império sob jugo muçulmano. Era o tempo em que os cristãos lutavam pelo seu lugar no berço do Ocidente, lugar esse que viriam a ocupar, a seu tempo. É a história dos Ben Shahar que eu, Francisco Ben Shahar, quero, finalmente, revelar e convosco partilhar o fardo.
Embora de longa ascendência, a história dos Ben Shahar ganha verdadeiro interesse algures no dealbar do século XIX, numa aldeola que dá, ainda hoje, pelo nome de Alguidares de Baixo, consta que fundada pelo famoso Duque de Alguidares de Baixo e de São Pedro, soldado de D. Pedro durante a guerra civil.
Embora de longa ascendência, a história dos Ben Shahar ganha verdadeiro interesse algures no dealbar do século XIX, numa aldeola que dá, ainda hoje, pelo nome de Alguidares de Baixo, consta que fundada pelo famoso Duque de Alguidares de Baixo e de São Pedro, soldado de D. Pedro durante a guerra civil.
A história dos Ben Shahar é bem menos honrosa. Caído em disgraça, o general Ben Shahar – seu nome perdido nas páginas do tempo -, principal general das forças muçulmanas de defesa contra os primeiros ataques dos Cruzados, caíra em desgraça junto do seu senhor, um Xeque que não teve força suficiente para ver o seu nome merecer um lugar entre os grandes da História. Os cristãos venciam batalha atrás de batalha, coleccionando vitórias, territórios preciosos perdiam-se para as mãos ganaciosas dos infiéis, as rotas de comércio caiam irremediavelmente sob o controlo dos jovens reinos ocidentais e, ano após ano, década após década, os muçulmanos recuavam, incapazes de para sempre susterem os ataques dos Cruzados. Corria o século XI.
Retirada a sua honra, destituído das suas funções e, por fim, definhando em vergonha, obrigado ao exílio, o antigo herói do império foge para o norte, para terras europeias, só, em busca de uma vida votada à solidão e ao perpétuo ostracismo.
Porém, o desenrolar foi outro.
O velho general não tardou a estabelecer-se algures numa terreola sem nome, seca, inóspita, onde sempre o céu parecia plúmbeo, e por Alá desfavorecida. Ali, com as próprias mãos, construiu a sua casa e ali acabaria por conhecer a mulher que daria continuidade à descendência dos Ben Shahar. Era o local ideal, uma terra desconhecida de todos, um território que ainda lutava e ambicionava chegar a país, para o velho general estabelecer a sua ignota rota de comércio… de ópio. Desonrado e com as poucas riquezas que conseguira trazer consigo do recuante império, o antigo general não sentia dever nada a ninguém, nem ao império ao qual já não pertencia. Aproveitando-se dos conhecimentos adquiridos enquanto ao serviço do império, estabelecera uma das principais portas de entrada de ópio para a virgem Europa.
Os séculos correriam céleres e prósperos pelos Ben Shahar, naquele cantinho que, poucos anos depois, um tal de Afonso Henriques fundaria como Portugal, e no canto desse canto, o qual um tal de Duque de Alguidares de Baixo e de São Pedro baptizaria, decorridas gerações, já o velho general se fizera pó, Alguidares de Baixo.
Lentamente, a fortuna dos Ben Shahar crescera e esta, ao tráfico de ópio, começara a ser aplicada pelos vários descendentes do general a outros negócios, legítimos, desde agricultura a vários investimentos bem sucedidos nas colónias, embora as antíquissimas rotas do ópio se mantivessem activas e, com a passagem do tempo, se tivessem desenvolvido.
Porém, a verdadeira história começa com o meu bisavô, um simples mas modestamente abastado comerciante e produtor de vinho sintético, Miguel Ahmadinejad Ben Shahar, ainda Portugal recuperava da guerra civil e vivia os primeiros e tímidos passos do liberalismo. De muçulmano, Miguel já nada tinha, se não o nome. Embora não fosse de estirpe nobre e nem sequer lusa, o pai de Miguel pagara a alguns dos melhores colégios europeus para garantir a educação do filho. Após a morte do pai, Miguel herdou um negócio de séculos de idade: o tráfico de ópio. O seu pai aplicara o dinheiro em negócios mais tradicionais e trouxera ao nome da família respeito e boa reputação, principalmente, pelas suas férteis vinhas, que deram origem à produção de vinho sintético daquela região. Ainda um jovem boémio, apesar de responsável pela gestão da pequena fortuna e negócios da família, Miguel esforçava-se por conciliar a sua vida, muitas vezes sem sucesso, entre as responsabilidades e a noite boémia. Apesar de alguns desafortunados negócios perdidos á mesa das cartas, era um homem capaz e próspero e, no seu território, ímpar.
Pelo menos, até à chegada dos Solitário, aqui, terra a qual um recém-chegado duque, que se encontrava nas boas graças do liberal D. Pedro, acabou por baptizar Alguidares de Baixo, terra cujo nome original foi imediatamente apagado da memória de todos após a chegada dos Solitário, terra onde ainda me encontro e de onde relato esta história.
Estávamos em plena Regeneração, os franceses lá se tinham ido de armas e bagagens, o Rotativismo ensaiava os primeiros passos e no Casino um tal de Eça fazia furor. Tudo no ar augurava mudança. Nada seria como dantes. Mas, como a história se encarregaria de provar, os Ben Shahar estavam em Alguidares de Baixo para ficar.
«Shall I kill him?» talvez não continue, mas fica aqui um desafio.
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