2.8.07

150 euros ou a alma



Segui o conselho da minha prima e fui sair, arejar as ideias e tal. Ver pessoas, mulheres de carne e osso, vida a 100 por cento, mas acabei por me sentar com um single malt a uma mesa de jogo. Porque é que estas merdas me acontecem não sei, ou bem que é fado, ou bem que é destino ou será a minha tusa que está sempre à Flor da pele.

Seja como for, como de costume, fiz-me de parvo [não é nada comigo, não é nada comigo, eu não sei jogar, eu sou um principiante, como é que se pega no taco e quais são as bolas coloridas e tal, é um jogo giro mas não sei jogá-lo..].

Claro, os tipos estavam a jogar forte e a mim convinha-me. Deixei correr o marfim e fui bebendo o meu single malt. Às tantas, convidaram-me para entrar. E eu, estúpido como sou, não me fiz rogado. Quer dizer, bem que os avisei de que não sabia jogar, mas eles insistiram e insistiram e eu tive mesmo de lhes mostrar como se limpa o cu a meninos.

A primeira aposta custou-me 10 euros. Fiz de propósito e fingi que queria pagar e ir-me embora mas eles não me deixaram. Queriam esfolar o pato, só que o pato estava cheio de artimanhas e com uma vontade imensa de se vingar da puta da sorte que só o favorece nos momentos errados, que não contigo, meu amor.

Ganhei a segunda partida e recolhi a massa. Estava 40 euros à frente e os tipos queriam a desforra. Ainda a fingir de tolo dei comigo a dizer que só jogava se fosse o dobro do papel e dois dos tipos aceitaram. A bola partiu. Meti sete de uma só vezada e fez-se um silêncio fúnebre.

Um dos tipos, com sentido de humor, perguntou-me se não tinha escondido uma vaca debaixo da mesa. Sorri e disse-lhe: Amigo, sorte ao jogo, azar ao amor… O gajo retribuiu o sorriso, pagou e disse que queria testar a minha sorte uma última vez.

Essa partida valia a guita toda e 50 euros extra. Comecei a pensar que me dava muito jeito o papel em cima do pano verde e enquanto aguardava que as bolas seguissem o seu curso e se aprofundassem nos buracos da sorte ou do azar, a verdade é que não há nada em que me meta que não resulte, dizia eu, esperava embevecido contemplando o generoso top da miúda que se aproximara pelo cheiro da grana, só olhos azuis e mamas grandes, quando o tipo mete três de seguida e abre a bocarra, soltando um suspiro de alívio…


Fiquei fodido.

O gajo não era mau, não senhor. Tinha de aplicar-me para o vencer, o pulha. Para começar, meti duas e defendi. Ele defendeu, mal, e eu meti mais duas. A guita estava toda em cima do pano e a menina das mamas parecia uma barata tonta a espreitar o assunto dos homens. O gajo suava e falhou a terceira tacada. Eu, frio como o diabo, matei o jogo logo ali.

Quando a preta entrou, às três tabelas, a casa quase que vinha abaixo. Tá limpo, pensei, Tá limpo e estou 150 euros mais rico, é o que é e é a vida, vão pró caralho que já tenho a minha primeira propina paga.

Só que, ao recolher a guita, no silêncio sepulcral que se seguiu, reparei nele.

Não teria mais do que cinco anos e estava triste. Era o filho do gajo a quem tinha dado a tareia e que se aproximara da mesa sem que nele tivesse reparado. Era bonito, o puto. Estava triste e olhava o pai com um jeito que me comoveu.

O tipo virou-se para o filho e gritou: Baza, sai daqui!

Fiquei ultra-fodido, peguei na massa toda, cheguei ao pé do puto e disse-lhe: toma, é para ti, o teu pai gosta de ti e é é um homem valente, dá o dinheiro ao teu pai que ele saberá tomar conta dele e de ti.

O miúdo olhou para mim, de uma maneira estranha e arrecadou a massa. O pai engoliu em seco, afagou o cabelo do miúdo, cabelo forte, castanho e bonito e saíram os dois porta fora.

Eu, feito parvo, paguei o meu single malt à menina das mamas grandes que de súbito parecia desprezar-me e jurei a mim próprio que nunca mais voltaria a jogar bilhar com dinheiro em cima do pano.