19.3.07
A despedida
Saiu do avião e telefonou-lhe. Era noite, não estava tão frio como na partida, embora corresse uma brisa fresca, feita de um misto de maresia e de smog, que o desagradou. A data iria marcá-lo. Não o sabia ainda, mas as suas acções nas horas seguintes iriam ter largas consequências. Entre outras mais ou menos relevantes, este relato, que me repetiu vezes sem conta e do qual apenas omiti os detalhes pessoais.
Encontraram-se à porta da casa dele. Ela esperava-o, discreta, não tão magra como da última vez e as calças de ganga assentavam-lhe mal. Mas os olhos não haviam mudado. Ele trazia o seu inefável blusão de couro e tinha a barba por fazer, os olhos vermelhos do cansaço da viagem, as mãos trémulas. Envelhecera nos últimos meses, trazia as rugas da testa mais pronunciadas, não muito, apenas ligeiramente, mas o suficiente para ela o notar.
Trocaram dois beijinhos que estranharam, ele foi pôr a mala a casa e seguiram para o jantar. Ele comeu com apetite, ela nem por isso, observava-o, estudando-lhe as feições, quase tão familiares como as que diariamente o espelho lhe devolvia a ela, e ao mesmo tempo, já tão distantes.
Conversaram. E ele bebeu mais do que ela. Depois de trocadas as notícias que se trocam entre duas pessoas que se conheciam até bem demais, na medida em que cada um julgava conhecer melhor ao outro do que a si mesmo, foram, a pé, devagar, até ao bar que ele lhe havia ensinado, anos antes.
Discutiram o assunto que tinham pendente e chegaram a conclusões. Ainda tiveram tempo para rir e combinar que seriam amigos. Estavam alegres e animados, curiosamente, quase como se ambos estivessem aliviados por nenhum deles ter feito uma cena.
Agendaram um jantar para a quarta-feira seguinte. Ele garantiu que dessa feita pagaria a conta, apesar dos protestos dela, que fora sempre o esteio principal da economia comum e que sabia que o orçamento dele não lhe permitia grandes luxos.
Quando estavam quase a separar-se, deram por si a trocar beijos apaixonados, sentindo nas bocas o gosto um do outro, explorando com as línguas a memória de milhares de beijos que haviam trocado em tantas outras situações, umas mais felizes, outras menos, mas nunca numa como naquela em que agora se encontravam.
Caíram em si e riram-se. Primeiro baixinho, nervosos, ainda enlaçados como se haviam habituado a estar, e depois já soltos, à gargalhada, cúmplices.
Ele deu-lhe a mão e acompanhou-a até à boca do metro. Ao separarem-se, riram de novo e concordaram que no presente âmbito das suas relações não se poderiam mais beijar na boca. Um último aceno e já ele descia a rua, ela as escadas do metro. Apesar do que tinham combinado, nunca mais se voltaram a ver. Ele, embora não o admita, ainda a ama. E ela também.
Birmingham, 23 de Março de 2006.
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