Havia já alguns meses que este seu hobby se estendia. Tratava-se de algo que o preenchia, como nunca nada o fizera. Nem a mulher, nem os filhos, nem mesmo a sua preciosa colecção de selos. Era, para si, a melhor forma de libertar a carga de stress de mais uma horrivel semana de trabalho nos Correios, de descomprimir, mandar o mundo dar uma curva. Era a única maneira que tinha de, todas as manhãs, ver o espelho retribuir o sorriso. Diga-se de passagem, era o seu desporto. Caçar. De vez em quando, gostava de sair à rua, submergido na noite escura e tortuosa, e libertar-se, matando. Tirando mais uma vida.
Sentira o particular viciante gosto da morte há alguns meses atrás, depois de uma rixa num bar. O dia correra mal (para não variar) e o seu humor há já uns tempos que não era dos melhores. Falava-se em despedimentos, em cortar no excesso de pessoal, e as dívidas acumulavam-se: casa, carro, o colégio dos miúdos, tanta coisa! Sabia que seria só uma questão de tempo até lhe saltar a tampa, até se passar de vez.
Embora provocado até à exaustão por um tipo com demasiada cerveja em cima, não respondeu a nenhuma das suas provocações. Não desferiu um único golpe, nem mesmo depois de se levantar do chão, após o cretino o agredir. Não. Esperou calmamente, perna cruzada, olhar perdido, saboreou ociosamente o seu whisky, fumou o seu cigarro em passas longas e demoradas, brincando com o fumo. Observou as mulheres que entravam, sempre silencioso, sempre discreto. Esperou... Finalmente, o bebedolas fora expulso do bar (depois de se meter com mais uma mulher) e, cambaleando e cantando, desceu a rua, sem pressas, ao ritmo do assobio. Foi então que, lentamente, se levantou da cadeira, pagou o que devia, deixou uma escassa gorjeta, e saiu porta fora, a passo lento, atrás do tratante. Observava-o com desprezo enquanto o seguia rua abaixo e, nesse momento, percebeu o prazer que lhe dava aquele acto em particular. Sentiu-se poderoso, dominante! O tigre a observar a presa indefesa, inconsciente do que lhe espera. O coração corria velozmente como se fosse sair disparado do peito, o sangue corria mais depressa, fervendo, queimando-lhe a pele, os sentidos aguçavam-se. Soube, então, qual o sentido da sua vida. E, na posse deste conhecimento revelador e pacificante, acelerou o passo, à medida que o sangue corria cada vez mais rápido, olhos brilhantes de excitação, o coração explodia no peito em pura antecipação!
Assim que o apanhou numa rua escura e deserta na fria madrugada, golpeou-o fortemente na cabeca com uma garrafa. O sangue manchou a rua de vermelho, o urro da vítima ecoou na noite tenebrosa despertando ainda mais os instintos animalescos do atacante. Soco após soco, um pontapé atrás do outro, partindo ossos, rasgando a carne, desfigurando-o, sentiu o calor da vida como nunca o sentira até então, no seu auge: a morte. Cheirou o medo. Sentiu o calor tranquilizante do último sopro do homem, misturado subtilmente com o fedor do álcool. Mas, era outro cheiro, novo. Sabia no mais profundo íntimo do seu ser que só podia ser o odor da Morte, presente naquele acto macabro, mas tão profundamente libertador.
Depois, os gritos cessaram, o silêncio desceu pesadamente sobre as ruas misturando-se com o denso nevoeiro, a chuva caía, tristemente, limpando o pecado. O furor passou, os olhos voltaram a ficar vazios, sem brilho, sem cor. O coração voltara a bater vagarosamente. Como era possível que batesse tão devagar agora? Mas, algo tinha mudado. Sentia paz, tranquilidade, alegria.
E voltou para casa, feliz, satisfeito. No dia segunite, beijou a mulher como há muito não fazia e brincou com os filhos, como se não houvesse nada mais no mundo. A consciência da Morte mostrara-lhe a fragilidade da Vida.
A frustração desaparecera... por umas semanas...
Sentira o particular viciante gosto da morte há alguns meses atrás, depois de uma rixa num bar. O dia correra mal (para não variar) e o seu humor há já uns tempos que não era dos melhores. Falava-se em despedimentos, em cortar no excesso de pessoal, e as dívidas acumulavam-se: casa, carro, o colégio dos miúdos, tanta coisa! Sabia que seria só uma questão de tempo até lhe saltar a tampa, até se passar de vez.
Embora provocado até à exaustão por um tipo com demasiada cerveja em cima, não respondeu a nenhuma das suas provocações. Não desferiu um único golpe, nem mesmo depois de se levantar do chão, após o cretino o agredir. Não. Esperou calmamente, perna cruzada, olhar perdido, saboreou ociosamente o seu whisky, fumou o seu cigarro em passas longas e demoradas, brincando com o fumo. Observou as mulheres que entravam, sempre silencioso, sempre discreto. Esperou... Finalmente, o bebedolas fora expulso do bar (depois de se meter com mais uma mulher) e, cambaleando e cantando, desceu a rua, sem pressas, ao ritmo do assobio. Foi então que, lentamente, se levantou da cadeira, pagou o que devia, deixou uma escassa gorjeta, e saiu porta fora, a passo lento, atrás do tratante. Observava-o com desprezo enquanto o seguia rua abaixo e, nesse momento, percebeu o prazer que lhe dava aquele acto em particular. Sentiu-se poderoso, dominante! O tigre a observar a presa indefesa, inconsciente do que lhe espera. O coração corria velozmente como se fosse sair disparado do peito, o sangue corria mais depressa, fervendo, queimando-lhe a pele, os sentidos aguçavam-se. Soube, então, qual o sentido da sua vida. E, na posse deste conhecimento revelador e pacificante, acelerou o passo, à medida que o sangue corria cada vez mais rápido, olhos brilhantes de excitação, o coração explodia no peito em pura antecipação!
Assim que o apanhou numa rua escura e deserta na fria madrugada, golpeou-o fortemente na cabeca com uma garrafa. O sangue manchou a rua de vermelho, o urro da vítima ecoou na noite tenebrosa despertando ainda mais os instintos animalescos do atacante. Soco após soco, um pontapé atrás do outro, partindo ossos, rasgando a carne, desfigurando-o, sentiu o calor da vida como nunca o sentira até então, no seu auge: a morte. Cheirou o medo. Sentiu o calor tranquilizante do último sopro do homem, misturado subtilmente com o fedor do álcool. Mas, era outro cheiro, novo. Sabia no mais profundo íntimo do seu ser que só podia ser o odor da Morte, presente naquele acto macabro, mas tão profundamente libertador.
Depois, os gritos cessaram, o silêncio desceu pesadamente sobre as ruas misturando-se com o denso nevoeiro, a chuva caía, tristemente, limpando o pecado. O furor passou, os olhos voltaram a ficar vazios, sem brilho, sem cor. O coração voltara a bater vagarosamente. Como era possível que batesse tão devagar agora? Mas, algo tinha mudado. Sentia paz, tranquilidade, alegria.
E voltou para casa, feliz, satisfeito. No dia segunite, beijou a mulher como há muito não fazia e brincou com os filhos, como se não houvesse nada mais no mundo. A consciência da Morte mostrara-lhe a fragilidade da Vida.
A frustração desaparecera... por umas semanas...
Obviamente, com o tempo, tornara-se mais refinado. Como em qualquer desporto que se pratica afincadamente, há progresso. Ganhara um carinho especial por lâminas; e por mulheres. Nada de sexual, a sua mulher era tudo para ele. Mas havia um je ne sais quoi na voz estridente de uma mulher, nos seus pedidos de misericórdia, nas suas lágrimas de medo e desespero, no rosto petrificado, que lhe proporcionavam um prazer incomparável!
Agora, está na hora do seu passatempo. A meia-noite aproxima-se, aquele calafrio já familiar mas sempre novo apodera-se do seu espírito. Viciado na loucura, no sabor da morte que nunca mais esqueceu, sabe que não ficará satisfeito enquanto não matar outra vez. O derradeiro acto. Elege a arma para esta noite (no método só pensará na hora), calça as luvas e dirige-se calmamente para a porta. Ao ecoar de cada passo, o coração volta a bater velozmente, o sangue ferve, borbulhante, nas veias, os olhos brilham, excitados. A luxuriante e incomparável possessão da Morte regressa, materna e caridosa. Roda o manípulo e sai para a rua. Está na hora...
Agora, está na hora do seu passatempo. A meia-noite aproxima-se, aquele calafrio já familiar mas sempre novo apodera-se do seu espírito. Viciado na loucura, no sabor da morte que nunca mais esqueceu, sabe que não ficará satisfeito enquanto não matar outra vez. O derradeiro acto. Elege a arma para esta noite (no método só pensará na hora), calça as luvas e dirige-se calmamente para a porta. Ao ecoar de cada passo, o coração volta a bater velozmente, o sangue ferve, borbulhante, nas veias, os olhos brilham, excitados. A luxuriante e incomparável possessão da Morte regressa, materna e caridosa. Roda o manípulo e sai para a rua. Está na hora...
Título por: Lobo Solitário
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