6.12.06

Fraqueza

Para ti,

É provável que quando encontrares esta carta já cá não esteja. Escolhi partir. Porquê? Que razão posso dar-te que julgues válida? Posso dizer que foi para teu bem, para o meu, ou até para o de todos. Mas, não. Estou a fugir, outra vez, como sempre, como já sabes. A derradeira fuga. A última vez que te olhei verdadeiramente nos olhos, na alma, soube que fitava o que nunca estará ao meu alcance: paz de espírito; no fundo, uma ausência de rancor e de ódio, contra os outros, contra o mundo... contra ti mesma. Uma confiança incondicional no amor, no futuro, em ti e nos teus... talvez até em mim. Por não saberes como sou realmente? Ou, sabendo, estavas certa de que eu seria mais forte? Sei que é isto que pensavas (prefiro pensar que sim). Desiludi-te? Desculpa... Também não estou orgulhoso.
Assisti a tudo pelo que passaste. Vi como te tornaste numa pessoa melhor, apesar da vida constantemente te atirar ao chão e te pisar. Recordas-me de alguém que conheci, outrora, entre os tantos fantasmas que deambulam pela névoa confusa que é a minha memória... És uma lutadora. Já eu, não sou como tu. Ainda que tenha tentado! Não quero partir sem que saibas pelo menos isso. Mas, já sabes a minha opinião quanto ao discurso “o que interessa é fazer o nosso melhor.” Tretas! Palavras de fracassados. Tentei e admito que falhei, outra vez, como sempre. Ao contrário de ti, não consegui libertar-me. Do quê? Não sei. Chama-lhe o que quiseres, do passado, do presente, da minha própria frustração, de não conseguir ver o que de bom o futuro carregava nos seus braços. No fundo, acho que nunca soube porquê. Minto. Só neste momento de verdadeira sobriedade vejo porquê: faço parte dos fracos, dos que não sobrevivem. A uma estranha ausência de falta de vida, fui ganhando, com o tempo, uma apatia face à mesma, ao mundo, aos outros e a mim. Não sei porquê. Loucura? Talvez ausência dela. Tentei lutar, repito-te que tentei! Perdi contra mim mesmo... é triste. Quebrado pela minha própria força. Perdido naquela satisfação de estar sempre insatisfeito, de querer sempre mais.
É irónico! Olho para trás e não consigo deixar de sorrir ao compreender que não sinto orgulho em nada do que fiz, nem nos meus insignificantes triunfos académicos, nem na minha força intelectual, da qual tanto me gabava. Exagerava, diga-se de passagem. Nunca fui assim tão bom.
Enfim, começo a ficar constrangido. Acabei de inventar um monte de justificações, quando sei que não vais aceitar nem uma. Se nem eu as aceito. Se nem eu as compreendo. Despede-te de todos por mim. Não tive tempo para o fazer, nem coragem. Uma vez cobarde, sempre cobarde. Não quero que te demores mais a ler isto. Não tens tempo a perder.


Mais uma memória,
Mário