25.4.08

Abril



Abril pertence a todos, porque foi feito para todos, até para aqueles que ainda hoje o odeiam, até para aqueles que ainda hoje o escarnecem e que são livres de o odiar e de o escarnecer sem que nada de particularmente grave lhes suceda. Abril foi esperança. Abril é Liberdade.

24.4.08

Num mestrado qualquer...

Dizem-me que, num mestrado qualquer, a decorrer numa faculdade qualquer, de uma universidade qualquer, agora se ensina aos mestrandos, todos eles e elas pessoas de uma faxa etária já muito avançada, nada mais nada menos do que «a linguagem dos jovens». Como eu sou todo pelo ensino e ainda mais pelos jovens, sobretudo «pelas», aqui deixo então o meu modesto contributo, para ser colocado à apreciação da respectiva mestra:


«Escuta, puto, tás a anhar ou quê? Népia, sócio, a cena delas é tótil de baril, companheiro, bué da curtida, bacano. Tás a anhar puto, só podes tar a ler, meu, chavalo, tu curtes dessa senaça delas? Fosga-se jovem, D’zert é que tá a dar, a dar bué, a bombar tótil, meu, axandra-te, miúdo, isso das Four Five são é umas minas bué da farsolas, puto!»

E assim continuamos, mestrando, mestrando, até ao doutoramento final!

22.4.08

Verde Duvidoso

Ele e ela tinham desavenças, sobretudo na forma como ele a via, que diferenciava da forma como a imagem dela lhe retorquia o olhar do outro lado do espelho. Ele gabava-lhe uma pele clara que ela insistia morena («principalmente no Verão!»). Ele, incapaz de contra-responder, balbuciava entre dentes, indeciso entre a birra e o amuo, que só a conhecera este Inverno. Ele insistia em bonitos dedos pequenos que ela afirmava exibir longos como os de um pianista. Aí, ele não pôde deixar de tremer nas suas convicções. Ela contrariava um sorriso que ele asseverava bonito e pontuado por dentes perfeitos e, para irritação dele, fazia-o exibindo o sorriso que negava. Ela nunca se queixara dos negros cabelos desenrolando-se em caracóis sobre os ombros, nem dos lábios (que ele supunha) suaves, muito menos do olhar terno e sincero e parecia aceitar com um certo prazer, para gáudio dele, até agora, a voz doce de belo cantar.

Um dia, ela decidira provar uma vez mais, com um olhar quase malicioso, a cegueira dele. Ele descrevera-lhe uns olhos do mais profundo castanho. Ela soltou para o ar um surpreso «mas, são verdes!» Ele, atónito, encerrou-se em confusão. Limpava com afinco as lentes dos óculos, enquanto a engrenagem matutava uma resposta adequada. Ele mirava-a atento, convicto de que acabara de mergulhar em hipnotizante olhar castanho. Decidira manter a sua posição. Via olhos castanhos e afirmava peremptoriamente (pois que, por vezes, afirmar tão e somente não bastava) que castanhos os via e castanhos o eram. Ela, que conseguia ser ainda mais peremptória que ele, advogava uns olhos verdes, não do mais puro verde, mas verdes o suficiente para semear a confusão no espírito dele, «principalmente durante o pôr-do-sol», altura que enverdeceria qualquer dúvida. Ele nisto viu oportunidade rara e singular de com ela partilhar um pôr-do-sol. Ela própria adiantou-se-lhe no falar, convidou-o, desafiou-o a provar castanho o verde. Assim foi. Os dois, à janela, testemunhavam a veloz queda do sol, pincelando o azul do céu de rosa e vermelho, aconchegando o edifício com o calor final do dia, mas o verde permanecia oculto nos olhos dela. Ele mergulhou uns olhos incolores no profundo castanho (verde?) dela. Esperou.

- Mas… são castanhos!

- Não são, são verdes!

Ela virou costas ao sol poente, guardou o verde indignado de descrença e desapareceu sem que ele a conseguisse seguir. Ele, mãos enfiadas nos bolsos, resignou-se ao verde dos olhos dela.

Ela daltonizara-o.


Pensamento da noite



«Let’s start a publishing house
to hell with small literature
we want something redblooded
lousy with pure
reeking with stark
and fearlessly obscene
but really clean

get what I mean
let’s not spoil it
let’s make it serious
something authentic and delirious
you know something genuine like a mark
in a toilet
graced with guts and gutted
with grace»


And then shove it up their face!

E.E. Cummings.

Olha...



«Para safado, safado e meio.»

21.4.08

Siga o Ska







Ontem tive um dia excelente. Começou com uma visita ao Museu dos Coches, em belíssima companhia, e terminou com as notícias da derrota do Benfica no Dragão e da humilhação do Sporting frente ao Leiria, continuando em belíssima companhia. Pelo meio, ainda tive tempo para mandar alguém à merda. Ora, mandar alguém à merda, àpriori, não dá satisfação a ninguém e é quase sempre um assunto aborrecido. MAS quando se manda alguém à merda com classe, i.e., de maneira que a pessoa até nos agradece, meus amigos, isso sabe bem. Muitíssimo bem. Deixo-vos então, com os votos de uma óptima semana e o desejo de que reflictam e ponderem cuidadosamente antes de insultarem abertamente o próximo; nem este será tão parvo quanto parece, nem vós tão inteligentes quanto julgais ser e no fim quem leva com o balde pode até nem ser a pessoa a quem ele era inicialmente destinado, porque até para atirar com um balde de merda à cara de alguém é necessária a dose certa de savoir faire. Isso dito, siga o Ska

19.4.08

Pensamento da noite

It seemed the world was divided into good and bad people. The good ones slept better, while the bad ones seemed to enjoy the waking hours much more.
Woody Allen

17.4.08

Vinho verde é:



O mesmo que vestir de verde e de vermelho à velocidade da luz e não calçar o sorriso verdejante de um viçoso derby de futebol adomingado. Hoje é quinta-feira; ontem o Sporting humilhou o Benfica. Viva a vida!


and kisses all'round.

Interpelação

Boa tarde, o que faz hoje por aqui? Veio matar saudades ou é uma primeira vez?

Desculpe colocar-lhe esta insignificante questão, pelo menos do meu ponto de vista, mas é importante para mim e, insisto: o que faz aqui?

Veio à procura de um amigo? De amante? De um tónico cerebral? É difícil.

Quem frequenta este sítio não tem amigos, nem inimigos: por aqui só aparecem curiosos, como eu, está a ver?

Amantes então, nem falar, aqui não há disso, somos todos amigos que se reunem em torno de um blogue e, civilizadamente, colocamos perguntas. Faço-me entender?..

Quanto ao tónico cerebral, não o vejo. Quando muito parasitas cerebrais. Não se vê, o tónico, isto é, não acha?

Mas porque é que não me responde? Incomoda-lhe o ruído das minhas palavras? Enfim, não está a ver, pois, não está, não percebe o que lhe digo. Desinquiete-se. Eu já lhe mostro o que lhe estou a dizer.

Não... É verdade, ainda não vê, noto-o nos seus olhos, não percebe, embora até que ache que isso agora lhe convinha... Diga-me, será por curiosidade que aqui está?

Não?

É Pena. Mas não se vá já embora, não me deixe a falar sozinho, rogo-lhe. Até que é um sítio giro, não lhe parece?

Sim, as paredes têm gordura. Porquê? Não gosta de gordura? Nunca lhe disseram que é formosura? Azar o seu. Dantes isto era um restaurante, percebe?

Já percebeu agora? Apre, você não sabe nada de nada. Nem sei mais o que lhe diga.

Quer beber um whisky? Prefere vodka? Sirva-se pois, o bartender é um amigo. Como é que se chama? Não quer dizer? Essa agora...

Veio à procura de sarilhos, certo? Só pode ter vindo ao encontro de sarilhos... Ouça, não se vá já embora, calma, fique, que ainda não conversámos tudo o que tínhamos a falar... Não lhe parece? Pois sim, acho-lhe imensa piada. Também se ri? Não sei do quê. É quinta-feira, está a chover e o bartender cumpriu cana. Quer melhor?

Diz que gosta de mau tempo? Como, adora?.. Nesse caso, olhe, desculpe se lhe interrompi o fio à meada das suas expectativas, beba o seu vodka em paz, constato que não veio à procura de sarilhos.

Porquê é que fechou os olhos? Que pestanejar foi esse? Porquê é que de repente se pôs com esse arzinho introspectivo? Foi alguma coisa que escrevi? Ora, não pense mais nisso. Nunca lhe disseram que isto pode ser o princípio de uma longa amizade?

Ou, por outro lado, o fim de uma conversa banal ou, por outro, até mesmo a sua, repito, a sua morte, na forma de uma execrável cefaleia, a cefaleia nocturna que este sítio lhe inocula, lentamente? Não sabe o que quero dizer com estas palavras, não é? Ora, esse, fique sabendo, é o primeiro sintoma. Outros se seguirão.

Esqueceu-se onde se encontra, veja lá, ninguém aqui lhe deseja maus encontros... Conseguiu acalmar-se? Óptimo, sinto-me aliviado. Como? Não sabe o que quer dizer cefaleia? Estou a ver. Ainda não percebeu de que se trata, pois não? Não logra compreender de que se trata, o que não o favorece aos olhos de quem o interpela, o que, de alguma forma, lhe é vergonhoso...

Olhe, azar. É assim a vida, feita de interpelações e de vergonhas, de mistérios e de sanhas, de vontades mentirosas e de mentiras venturosas e de momentos assim, só para si, em que apenas não lhe parto uma garrafa na cabeça porque, bom, não me apetece, correcto?

Pois sim, tem toda a razão, é realmente um aborrecimento de morte. Por falar nisso, antes que faleça de tédio, deixe-me perguntar-lhe:

Gosta de música? De Clássica? Jazz? Rock?!?

Não temos.

Temos isto. Faça o favor de aceitar o codex, premir o botão player e ler o texto seguinte. Com sorte, ainda ganha um par de óculos de sol. Com menos, abre os olhos e faz um intervalo, um momento de pausa em boa companhia, talvez que mútua.


Interlúdio

A porta do metro fecha-se com esforço e um pesado estrondo metálico. O rosto da multidão inexpressiva irrompe na carruagem, cansado, atropelando-me com olhares pesados e desajeitados. Deixo-me absorver pela leitura e não é sem ponta de incómodo que sou obrigado a encolher as pernas para permitir que ela ocupe o lugar em frente. Senta-se ainda ofegante, o seio alvoroçado, e ajeita o cabelo negro com gestos rápidos e dedos diligentes, pequenos e bem desenhados. As mãos frágeis e seguras rebuscam a mala impacientes. Um gancho, dois ganchos. O peito recupera o ritmo normal e o coração volta a esconder-se num ritmo silencioso. Aos poucos, o rubor abandona as faces para revelar uma tez clara. Não é muito alta. O seu corpo pequeno e elegante ajeita-se no banco, cruza as pernas e, por um breve instante, os seus profundos olhos castanhos cruzam-se com os meus. Desviam-se sem me dar importância, indecisos entre a indiferença e a frieza. Não me concede o tempo de perceber qual. Talvez, apenas, cansaço? Observo-a invertida na janela da carruagem. Pousa lentamente a mala cor-de-rosa sobre o colo, entrelaça os dedos. Arrisco uma mirada desinteressada. Em pouco tempo, as delicadas pálpebras parecem lutar contra o torpor e o embalo da viagem. Observo-a até que aquele penetrante castanho acaba por se refugiar da minha inocente curiosidade. A expressão marmórea não se altera, mesmo enquanto dorme, desfrutando de um sossego aparente. Imagino os lábios desenharam-se num sorriso tímido e deixarem escapar um franco riso de dentes brancos e perfeitos. Adivinho uns olhos castanhos sinceros e ternos aprisionados pela capa de frieza inicial. Toco o cheiro dos seus caracóis negros junto ao rosto e saboreio uma voz doce e angelical, de mudas palavras e belo cantar. Os meus lábios antecipam o toque do sabor, mas... Procuro na escuridão e abro os olhos. O banco em frente encontra-se irremediavelmente vazio de sensações. Tenho tempo de vê-la afastar-se, os caracóis negros sacudindo-se de cá para lá sobre os ombros, a silhueta fundindo-se com o negrume triste do túnel, até deixar de ser, no meio da gente igual, enquanto a lagarta de aço se resigna ao seu eterno deslizar rastejante de aço e ferrugem, escrava de carris frios… Conheci-a mulher, sonhei-a princesa no reino dos sentidos. Terei sonhado? Terei sonhado sozinho? A conhecer-me, rir-se-ia de me ouvir falar assim. Talvez volte a sentar-se à minha frente. Revelar-lhe-ei… Aguardarei um olhar que já sei terno e conquistarei o sorriso ocultado nos lábios que pressinto suaves. Será aceitação…

95 años y sigue blogando



Hoje em dia é raro surpreender-me na blogoesfera. Digamos que, ao fim de quase quatro anos destas andanças, é natural que a paciência para isto seja diminuta. Depois, há o grande problema (comum a todas as formas de expressão que encontro na net) de ser muito difícil separar o trigo do joio, i.e., encontrar blogues que me digam algo de novo. É tanta a merda que, infelizmente, muitos e bons blogues me passam completamente despercebidos. Verdade também, ao fim deste tempo, a paciência para os procurar não é muita. Daí que, quando encontro curiosidades como esta, sinta que, de alguma forma, as horas que vou perdendo nisto acabam por fazer algum sentido. Afinal de contas, não é todos os dias que se encontra uma blogger com 95 anos de idade.




PS - A foto é só porque gosto delas mais novinhas...

14.4.08

E assim começa...



É o final do Verão na pacata Nova Jersey. Ao fundo de uma rua discreta caminham dois homens, as mãos atrás das costas, conversando tranquilamente. Por cima deles, a espessa folhagem das árvores protege-os do sol. Afastadas da rua podem avistar-se velhas mansões solenes, ao passo que do outro lado, logo atrás dos ulmeiros, se estende o luxurioso tapete verde de um campo de golfe, de onde se podem ouvir as vozes abafadas dos jogadores, como se estes estivessem a grande distância.

No entanto e apesar de todas as aparências este não é mais um enclave residêncial habitado apenas pelos membros do country club, com os homens dirigindo-se diariamente ao centro da cidade, de maneira a manterem a prosperidade do seu bairro periférico. Mas Não. Estamos em Princeton, Nova Jersey, sede de uma das maiores universidades do mundo e assim sendo com uma população muito mais eclética do que à primeira vista se poderia pensar.

No momento em que encontramos estes dois homens, pacificamente regressando a casa por uma rua tranquila, a população de Princeton tornou-se ainda mais cosmoplita, ao receber muitas das brilhantes mentes europeias que fogem de Hitler. Como um pedagogo americano diria, «Hitler sacode a árvore e eu apanho as maçãs» e a verdade é que algumas das maçãs mais maduras acabaram de cair neste pequeno canto do mundo que é Princeton.

Portanto, não surpreende que a língua na qual conversam os dois caminhantes seja o Alemão. Um dos homens, esmeradamente vestido com um fato de linho branco e chapéu claro a condizer, está ainda na casa dos trinta, ao passo que o outro, com umas calças largas presas por suspensórios, ao estilo do velho mundo, se aproxima dos setenta. Apesar da diferença de idades, parecem falar de igual para igual, embora por vezes o rosto do mais velho se enrugue e assuma uma máscara curtida pelo tempo, um facies de quem se sente divertido, e ele abane a cabeça, como se o outro tivesse acabado de dizer algo de virklich verruckt, de realmente divertido.

7.4.08

Como é que é?



Bom. O primeiro já era. Entretanto, nos últimos dias tenho sofridos crises cada vez mais pronunciadas de Traduzite e sinto que é de vital importância encontrar um antídoto... Como é que é? Bora beber um copo? Ou dois? Ou três? Ou os que forem?..

3.4.08

Tirar o pé da lama

Vem aí o segundo, vem aí o segundo, vem aí o segundo! Vá, agora todos em coro: «Vem aí o segundo, vem aí o segundo!»

2.4.08

Pensamento da tarde

Quando se encontra uma barreira na tradução, há duas abordagens possíveis: procurar contorná-la ou ir contra ela de cabeça, até que ou barreira ou a cabeça se partam. Regra geral, a primeira abordagem é a mais adequada. Mas, regra geral também, o bom tradutor tem tendência a optar pela segunda.

L. Wolf

1.4.08

O capítulo VII

Um mês depois de pela primeira vez me ter confrontado com ele, mudei de opinião a seu respeito. Não é para entrar em desespero. Nem para rir. Nem para chorar. É para o enviar direitinho para quem perceba do assunto. Puta de demonstração topológica filha da mãe.